*Francisco Alexsandro Soares Alves
O Festival Wagner, em Bayreuth, edição 2022, foi concluído. De 25 de julho a 05 de setembro, 43 dias, 86 mil ingressos e 30 milhões de euros depois, foram apresentadas produções de “Der Fliegende Holländer” (O Navio Fantasma), “Tannhäuser”, “Lohengrin”, “Tristan und Isolde” e a nova produção do Anel. E o que fica desses dias? Em outras palavras, o que é Bayreuth sob a administração de Katharina Wagner?
Com final da Segunda Guerra, a Casa dos Festivais de Bayreuth é interditada e fechada. Os artistas e a família Wagner passam por um processo de “desnazificação”, Winifred Wagner é afastada definitivamente da instituição e, em seu lugar, seus filhos Wieland e Wolfgang assumem a chefia do teatro quando este reabre para o primeiro festival pós-guerra. Durante seis longos anos, de 1945 a 1951, após a cidade de Bayreuth ser tristemente bombardeada, a Casa dos Festivais abria suas portas. Nascia assim, a “Nova Bayreuth”, que foi não apenas nova no sentido administrativo, mas também artístico. Os irmãos Wagner transformaram as encenações das obras de seu avô em complexas pinturas abstratas onde a luz e os movimentos executavam uma partitura tanto a parte quanto dependente da música. Foi uma revolução teatral.
Em 17 de outubro de 1966, morre Wieland e seu irmão, Wolfgang, assume sozinho o Festival de Bayreuth. Ele ficaria no cargo até 2008, quando passa a função para suas filhas Eva e Katharina Wagner. A partir de 2015, devido a divergências criativas, Katharina preside sozinha a Casa dos Festivais.
Mas o que é a Casa dos Festivais sob a gerência de Katharina Wagner? Inicialmente, houve muitas críticas. Algumas vozes alardeavam que essa função deveria ser de Nika Wagner, filha de Wieland. Desde sempre, porém, o nome de Nika nunca teve aceitação ampla. Sobretudo por seu desejo de abrir o teatro para outros compositores.
A Casa dos Festivais de Katharina é um teatro pós-dramático, em muitos aspectos. O abstracionismo de seu pai e de seu tio foi esquecido. Em seu lugar, emergem cenários tridimensionais, compostos por metais, elevadores, escadas, como na produção de 2015 de “Tristan und Isolde”, dirigida por Katharina. Sob sua administração, o palco gigantesco de Bayreuth é suficientemente utilizado e mostrado em todo a sua extensão e capacidade em muitas produções: 30 x 40 x 20 (comprimento, profundidade e altura, em metros). Também é pós-dramática a encenação do Anel de 2013, de Frank Castorf. Nesse caso, Castorf conta duas histórias que parecem não se relacionarem. De um lado, o texto e a música de Wagner, do outro, a dramaturgia de Castorf, que insere elementos inteiramente estranhos ao Anel, a sensação mesmo é de que Castorf violenta a obra com uma narrativa a parte. Ele não parece se preocupar com o sentido dramático no palco. Na época de Wolfgang havia a “künstlerische Gesamtleitung”, “supervisão artística”, sempre a seu cargo. Se ainda existe, com Katharina tornou-se mais maleável.
Embora eu acredite que as sucessivas vaias ao término das apresentações não sejam por motivo de falta de supervisão artística. Os Mestres Cantores de Nuremberg, dirigido por Katharina em 2007, lançado em vídeo em 2010, contou com a “künstlerische Gesamtleitung” de seu pai. E mesmo assim, talvez os únicos lábios que não vaiaram no auditório lotado foram os dele. Aos poucos isso foi mudando. Na gravação de 2010, percebemos tanto vaias quanto aplausos.
Katharina está mudando o ar em Bayreuth, essa é a questão. E isso é bom. Há uma cultura de engessamento das produções, um consentimento no público da Casa dos Festivais que deseja sempre reconhecer e não conhecer. Qualquer novidade é sempre recebida histericamente. Katharina tem enfrentado esse engessamento do público de maneira cada vez mais aberta. Não apenas na questão das interpretações das obras de seu bisavô, mas também no programa do Festival. Em 2017, ouviu-se em Bayreuth obras de outros compositores pela primeira vez na história, à exceção da Nona Sinfonia, de Beethoven, que vez por outra aparece na programação do festival. Foi um concerto em homenagem ao centenário de nascimento de seu tio Wieland.
O programa foi elaborado por sua filha Nika e apresentado à curadoria do Festival. Havia composições de Wagner, mas também de Verdi e de Berg. Verdi é a antítese de Wagner; Berg fez parte dos artistas proibidos pelo nazismo, “arte degenerada”. No entanto, o programa foi aprovado. O temor era que isso provocasse reações em wagnerianos ortodoxos. Outra inovação introduzida por Katharina é a duração do Festival e a aproximação com o cinema.
Agora, o Festival dura até a primeira de setembro e não até 31 de agosto e é transmitido para várias salas de cinema ao redor do mundo, dentro do projeto “Wagner im Kino”, “Wagner no Cinema”, além de contar com streaming pela Deutsche Grammophon. A prioridade é lançar cada vez mais as produções bayreuthianas em mídias digitais e em vídeo. Outro projeto que tem agradado o público, são as projeções em um telão instalado do lado de fora da Casa dos Festivais, que transmite ao vivo as encenações. Katharina também iniciou o projeto “Wagner für Kinder”, “Wagner para Crianças”. Nesse projeto, as óperas e dramas musicais wagnerianos são adaptados para o público infantil. E é exatamente com Katharina que temos a primeira maestrina a dirigir em Bayreuth, a ucraniana Oksana Lyniv. Katharina também já demonstrou a vontade de fazer um outro festival no teatro, após o Festival Wagner.
Nesse festival, obras não wagnerianas seriam apresentadas e assim, desta forma, a sacralidade de Wagner permaneceria intacta: as apresentações que ocorrem a partir de 25 de julho de cada ano, continuariam exclusivas para Wagner. Mas, após 5 de setembro, outras óperas, bem como sinfonias e balés, de outros mestres, seriam montadas por lá. É uma proposta um pouco diferente e menos radical que a de Nika, porque não insere outros compositores nos meses propriamente wagnerianos.
Longa vida à Bayreuth de Katharina.
