Nadja Lira
Neste mês completo 40 anos de trabalho e, portanto, estarei apta a solicitar minha aposentadoria por tempo de serviço. Confesso que durante toda a minha vida laboral jamais passou pela minha cabeça que chegaria o momento em que eu, por minha livre iniciativa, iria pensar na possibilidade de me retirar do meu local de trabalho para desfrutar daquilo que as pessoas consideram como um repouso merecido.
Aposentadoria é, conforme as definições encontradas nos dicionários, “o afastamento remunerado a que um trabalhador tem direito pelo exercício de suas atividades e após cumprir com uma série de requisitos estabelecidos em cada país, a fim de que ele possa gozar dos benefícios de uma previdência social ou privada. É um objeto de estudo do direito previdenciário”.
Para mim, usufruir desse direito foi algo jamais imaginado por uma única razão: eu gosto demais da atividade a qual me dediquei nos últimos 15 anos, razão pela qual acordo todos os dias às cinco horas da manhã e saio de casa sempre alegre, feliz, satisfeita e cantando para realizar uma tarefa que sempre me proporcionou profunda realização pessoal: dar aula para crianças.
Ocorre que, desde o ano passado, o cenário bem como o perfil dos alunos que vêm chegando à minha sala de aula não corresponde ao modelo com o qual venho trabalhando há quase duas décadas e para os quais me preparei ao longo de toda uma vida profissional. Hoje, quando saio para trabalhar, o faço triste, descontente e, às vezes, até chorando.
Como professora de ensino fundamental com atuação no 4º ano, sempre recebi alunos que sabiam ler, escrever e contar. Minha responsabilidade sempre foi a de levá-los adiante em seus conhecimentos, preparando-os para acompanhar os conteúdos com os quais irão se deparar no ano seguinte.
A nossa “Pátria Educadora”, contudo, vem produzindo alunos que chegam naquele estágio de aprendizagem escolar completamente analfabetos. Parece piada, mas não é. Meninos e meninas com 10, 11, 12 anos de idade que não conhecem uma única letra do alfabeto e o pior: não demonstram o mínimo interesse em aprender.
Afinal, estudar é cansativo e o retorno de sua prática ocorre a longo prazo.
A escola da atualidade transformou-se em um depósito de crianças mal-educadas, cheias de vontades e de direitos, desrespeitosas e que não podem ser contrariadas. O papel histórico da instituição educacional de ensinar a ler, escrever e contar perdeu-se dentro das inúmeras atribuições que lhe são confiadas, e agora o professor não tem mais tempo para realizar aquilo que é sua real responsabilidade: ensinar.
Hoje, perde-se mais tempo administrando os conflitos dentro da sala de aula do que ensinando as quatro operações, por exemplo. Ao professor é exigida uma responsabilidade que não lhe compete, como fazer o papel de psicólogo e curar as feridas da alma dos meninos que chegam à escola com os mais diversos problemas de ordem emocional. O curso de pedagogia não prepara professores para lidar com isso. Logo, não sobra tempo para dar aula.
O mais grave é que, ao final do ano, os meninos que chegam à sala do 4º ano e que não estão alfabetizados precisam fazer as provas a fim de seguirem para o 5º ano. Mas, por mais que eles avancem, não conseguem absorver, em um ano letivo, aquilo que não aprenderam nos três anos iniciais de sua educação.
E a culpa por essa falha recai sobre os ombros de uma professora que deu seu sangue, suor e lágrimas para ver os meninos aprenderem ao menos a escrever o próprio nome. A ela não se aplaude pelo progresso conquistado. Pelo contrário. Dela se cobra resultados melhores, e o prêmio por seus esforços são as estatísticas e gráficos que apontam a sua mais profunda ineficiência e falta de habilidade para a alfabetização.
Durante toda a minha vida investi na minha formação pessoal a fim de ter condições para ensinar bem aos meus alunos. Para proporcionar-lhes aulas prazerosas onde são repassando conteúdos profícuos.
Portanto, de forma melancólica, pretendo retirar-me do cenário da educação. Sinto que cheguei ao fim da linha, mas tenho minha consciência tranquila porque fiz a minha parte com muita responsabilidade.
Nadja Lira é jornalista, professora e filósofa.
NA LANTERNA DO SABER No ranking dos 40 países pesquisados pela Pearson International, o qual faz parte do projeto The Learning Curve (A Curva do Aprendizado, em inglês) e que foi divulgado em maio deste ano, o Brasil ocupa o penúltimo lugar na aprendizagem do ensino fundamental, ficando atrás apenas da Tailândia; Finlândia, Coreia do Sul e Hong Kong lideram a lista