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Flanando por um Rio que passou em minha vida

Fundador de Navegos relembra o escritor Ascendino Leite, uma peça fundamental na estrutura de sua atividade literária.

 

Advertiu-me um dos grandes criadores literários, estilista stendhaliano nascido em Piancó, que jamais polemizasse com quem tivesse cultura e soubesse escrever. Às vezes, a caminho ou sentados à mesa da Confeitaria Colombo, reiterava essa advertência ou a incrementava com alguma confissão que me fazia ligar uma coisa à outra. Que, escrever bem ou com eminente clareza, não dependia de cultura, mas de prática; porém, a seu ver, não haveria solidez nem mérito sem uma profunda e abrangente cultura adquirida através da leitura, consolidada pela experiência.

Esses passeios pelas ruas do Centro histórico e secular do Rio de Janeiro, na companhia de Ascendino Leite, despertavam-me uma espécie de ansiedade ou frenesi intelectual, enquanto aguardava o nosso próximo encontro.  Considerado por seus pares um escritor para escritores, um mestre remanescente da Alta Cultura. Em Natal, aconselhava-me o meu bom e espirituoso amigo Eugênio Neto, que em nenhuma circunstância viesse eu a polemizar com algum idoso. Me lembro que lhe pedi que me explicasse a razão dessa advertência. E ele, rindo:

Certamente o velho conheceu algum de nossos avós, ou seus pais conheceram… Tenha cuidado com os velhos, despedia-se de mim assim, ou saudava-me ao me encontrar em alguma rua da Cidade Alta, e juntos íamos ou voltávamos à calçada e ao balcão do Café São Luiz, uma espécie de Clube informal e sem taxas que alguns de nós frequentava em três expedientes, apelidado pelo Bispo de Taipu de ‘Cais da Maledicência’’. Que me divertiu, provocou-me o riso, mas desagradou a outros incapazes de administrar divergências.

Nascido em Piancó, onde muitos anos depois vi de perto a miséria, ao visita-la, em 1998, elegi Ascendino Leite, desde a primeira página que ele escreveu e li, um grande  Mestre a iluminar-me e a ampliar-me a cognição; autor de um quase infinito ‘’Jornal Literário’’ ou, como costumávamos dizer antigamente, um diário de escritor, gênero restrito a uma espécie especial de escritores amamentados pelo leite da perseverança, da fé e do humanismo.