*Laurence Bittencourt Leite – Escritor e Professor aposentado do Departamento de Letras da UFRN e UnP
As bibliotecas só vieram chegar ao Brasil, tardiamente, no século XIX, com a Corte portuguesa, sendo, talvez, um dos raros, raríssimos benefícios trazidos por ela. A Corte, fugindo de Napoleão, que dominava a Europa, resolveu vir de malas e cuias para cá. Dizem, algumas línguas ferinas e afiadas, que a sorte de São Paulo (o Estado) foi a Corte ter ido para a Bahia e Rio de Janeiro, “estragando” esses dois estados, tidos até hoje como vivendo os prazeres da praia, do sol e da malemolência. Isso é antigo e daria uma boa tese de mestrado. Mas a fuga também dá uma exata medida daqueles que nos colonizaram. Ao primeiro tiro, bateram em retirada…
Mas até sua chegada, portanto, nossa “cultura” não tinha absolutamente nada de “cultura”. O nosso atraso nas diversas áreas, até hoje, e realmente espantoso quando comparado aos países acima da linha do Equador. Isso não é novidade. Mesmo que se diga o contrário. Mas qual o papel das bibliotecas para o ser humano e para um país? Tentem pensar.
Estou dizendo isso porque uma das funções do poder público, me parece, no mínimo, seria o de disseminar bibliotecas em profusão pelo país. Nossa carência é radical neste sentido. Mas eis que aqui, entre nós, surge um desses abnegados, como se diz, que é o Franklin Jorge em mais uma de suas lutas e batalhas quixotescas pela valorização e estimulo da nossa cultura. Não sei porque Franklin se mete nessas histórias. Sinceramente. Mas, como Franklin não deve nada a ninguém, talvez por isso mesmo se mete nessas lutas.
Sua mais recente idéia está sendo a de querer criar na comunidade do conjunto Pirangi, aqui em Natal, mais um “centro de animação cultural”, como ele chama, com biblioteca e galeria de arte. Se essa idéia for materializada, será a terceira biblioteca que ele cria. Alguém pode ser contra isso? Só por questões ideológicas, talvez. E isso utilizando o prédio da 10ª Delegacia de Policia daquela comunidade, que segundo soube está mudando de endereço. Seria uma boa troca, certamente.
O prédio pelo que soube, também, parece ser do Estado, mas a Prefeitura de Natal pode intervir e contribuir decisivamente. Acho, honestamente, que quando alguém em particular se dispõe a “arregaçar as mangas” e criar algo que o próprio chamado “poder público” deveria fazer, me parece algo elogiável. E encampado. A não ser por questões ideológicas, reafirmo. Acho que tanto a Prefeitura [através do prefeito Carlos Eduardo] como o Estado, se têm algum interesse de fato com o nosso patrimônio cultural, deveriam encampar essa ideia e facilitar o acesso para a comunidade de Pirangi.
O centro terá acervo inicial doado pelo próprio Franklin além de obras de artistas plásticos. Imagine alguém que nunca tenha tido acesso a autores como Proust, Mann, Balzac, Rimbaud, Montaigne e outros mais, passe a ter acesso a esse mundo fascinante criado por autores que pensaram questões no Velho e também no Novo Mundo, que nós, ainda hoje, aqui nem sequer começamos nem mesmo em sonho. Acho que é um bom começo, certamente, e aqui do meu canto, pequenino como ele só, fica o pedido. A nossa cultura só tem a agradecer. E as gerações futuras, idem.
*Transcrito de “O Jornal de Hoje” [Natal, 10 de Outubro de 2002]