*Vicente Vitoriano – Escritor, Artista Plástico, Músico e Professor do Departamento de Artes da UFRN
Salvo engano, já que a memória, a minha pelo menos, tanto tem de cobiçosa quanto de falha, começava o ano letivo de 1972. Era a hora do Nordeste e eu fazia anotações, estudando, ansioso, as novidades do segundo colegial. Coisa de primeiros dias de aula. Foi bem quando bateram palmas no portão, que eu via desde a mesa da copa, na “sala única” da casa da Juvenal Lamartine, em Mossoró. Um pequeno rapazinho de rosto suave, como um duende de ilustração, pensei depois, estava lá. Quando o atendi, ele disse algo mais ou menos assim: –Boa tarde! Sou Franklin Jorge… Estou vindo do Açu e queria conhecer você. Você não é Vicente…? Pronto! Eu fora descoberto por este homem que certamente tem importância pessoal para muitos outros, além de mim.
De fato, depois daquela tarde, tudo mudou. Agora, eu era poeta e artista plástico, atributos que só muito de longe eu admitia para mim mesmo ou para uns poucos amigos mais chegados. Franklin iria embora logo em seguida e tivemos uma velocíssima entrevista de reconhecimento em que eu li as poucas coisas que havia escrito e falei de outros atrevimentos literários e visuais, respectivamente, junto a Luiz Virgilio Pinheiro de Freitas e a José Boulier. Este último, apresentei-o a Franklin naquela mesma tarde.
Quando foi embora, Franklin, com sua fala também suave, mas cheia de uma segurança que me impressionava, já levava um poema meu para publicar e nos deixava, a mim e a Boulier, incumbidos de preparar uma exposição a ser feita em Natal. A exposição, uma coletiva, seria realizada no Centro Cearense, esquina da Deodoro com a João Pessoa, e contaria com trabalhos do próprio Franklin, de Márcia Tresse, de Gerson Luiz, além dos meus e de Boulier. Lembro que Gerson mostrou desenhos de uns vasinhos, um negócio bem intimista. Eu expus guaches de inspiração Pop. Em 1973, um ano de eu vir morar em Natal, Franklin novamente me trouxe à capital para dividir uma exposição no Salão Nobre da Reitoria da UFRN. Franklin estava trabalhando com tinta acrílica sobre tela e sobre objetos de cerâmica, um trabalho muito lindo. Minha mostra era típica de meu momento: técnicas variadas e temas mais diversificados, ainda. Lembro que dois óleos comentavam o Apocalipse, enquanto trabalhos sobre papéis variavam do Pop a estudos sobre o barroco e figuras da mitologia grega.
Entre as idas e vindas de Franklin para o Rio, para a Bahia, para o Norte, continuamos um relacionamento descontinuo entremeado por alguma correspondência e pela amizade comum com David Maciel. Neste meio tempo, minhas produções poéticas e visuais tiveram sempre uma boa acolhida de sua parte. Numa de suas paradas em Natal, nos anos setenta, Franklin organizou um grupo de artistas visuais, o Grupo Cobra. Faziam parte, além de mim, Gilson Nascimento, Nival Mendes, Fernando Gurgel, o baiano Fernando Oliveira, irmão da cantora Rosa Passos, Flávio Américo Novaes, Arruda Salles e Sandoval Fagundes… Creio que era esta a composição. O nome dado ao grupo era uma referencia à capacidade de realização artística dos componentes, nada tendo a ver com o grupo holandês de mesmo nome, criado nos fins dos anos quarenta. O nosso Grupo fez exposições, além de em Natal, em Fortaleza, em Goiânia, em Belém e no Rio de Janeiro. A viagem para Fortaleza, na companhia de Socorro de Figueiredo, foi uma “viagem” de fato, com hilariante passagem por Mossoró.
Foi também através de Franklin Jorge, ou de seu estimulo, que tive obras minhas em galerias do Recife e participei do Salão Paranaense de Desenho.