*Franklin Jorge
Eu me lembro dos passeios matinais com a minha avó materna, da casa à margem da rodagem empiçarrada até além do córrego, quanto percorríamos, fileira por fileira, leirão por leirão, o pomar que se expandiu à sombra do bananal.
Nenhum passeio podia ser comparado com outros. Cada um tinha um foco, além dos imprevistos benfazejos, quando ela me narrava as Fábulas de Esopo ou repetia lições de moralistas franceses. Queria mostrar-me que em tudo havia uma utilidade oculta e misteriosa, que nos cabia decifrar.
Esopo era escravo e um de seus donos lhe deu a liberdade. Era um pensador e contador de estórias que tinham um lastro moral e serviam de advertência a todos. Adorava ouvi-la, em sua voz de contralto, na beleza que está nos olhos de quem vê, segundo a coruja e a raposa, que se comprometeu a não devorar nenhum belo filhote da mãe-coruja. Ora, para uma mãe que não for desnaturada, todo rebento é belo. Exceto para a raposa famélica.
Sentindo o frescor do orvalho, apesar do agasalho, íamos colhendo uma fruta ou um legume, aqui e ali, no verão tomávamos banho no moinho. À tarde, no fim da tarde, replantávamos alguns canteiros e palanques aonde se plantavam as coisas mais delicadas, como o tomilho e o manjericão. Colhíamos as cenouras, os tomates, os pimentões, as beterrabas e os ingredientes de uma boa salada verde.
Daudet, Dickens, entre as lavouras, na voz de contralto de minha avó, que as vezes cantava as modinhas e canções que aprendera em Natal e no Ceará-Mirim.
Ouvíamos ao longe os anuns, inquietos, pulando de galho em galho como negros gravetos saltitantes.