• search
  • Entrar — Criar Conta

Gerald Thomas, judeu errante

Uma entrevista do Globo com o polêmico diretor de teatro Gerald Thomas, ele fala sobre sua autobiografia, projetos e questões pessoais.

*Da Redação

[email protected]

 

– Você já declarou que só poderia escrever uma autobiografia do ponto de vista do palco. Isso significa que o Gerald Thomas de suas memórias é um personagem? 

GERALD THOMAS: Sim, os dois se confundem. Não sei até que ponto sou real. E digo isso com um misto de tristeza e constatação. Quando me olho no espelho, quero transcendê-lo, mas não consigo. Quebrá-lo também não.

– Sua trajetória foi marcada por episódios polêmicos, de mostrar a bunda para a plateia de “Tristão e Isolda”, de Wagner, no Teatro Municipal à polêmica do assédio à modelo Nicole Bahls na TV. Você busca a controvérsia ou ela vem a contragosto?  

GERALD: Isso é porque você só quer ver os pontos mais idiotas da minha vida. A minha vida é marcada por momentos brilhantes, como, por exemplo, ter sido escolhido por Samuel Beckett pra ser o encenador de suas prosas no palco aqui em New York City. E minha vida é marcada pela parceria com Philip Glass, ou por ter feito uma enorme diferença no teatro do mundo inteiro, já que as minhas peças viajaram pra 15 países e voltaram inúmeras vezes. Tanto é que o legendário Julian Beck ou a Fernanda Montenegro ou Marco Nanini escolheram trabalhar comigo, serem meus parceiros, e as grandes casas de ópera no mundo me escolheram para ser o encenador de suas mais difíceis obras como “Moises e Aarão”, de Schönberg. Mas você prefere falar de minha bunda fútil? Vá em frente. Eu não vou responder tamanha besteira que ocupou minha vida por menos de três segundos.

– Ter sobrevivido a uma tentativa de suicídio, em janeiro de 2015, mudou sua perspectiva sobre as coisas? Ou não mudou nada, e você continua cansado da vida e seus rituais?

GERALD: Claro que estou cansado. Agora mais ainda. O que mudou é esse foco sobre o “eu”. “Eu” não valho nada. O que costumo dizer – quando alguém se mostra muito egocêntrico, muito preocupado com o sucesso disso ou daquilo – é: “Enquanto isso, em Aleppo…” Sim, morre muita gente. Na África, no Oriente Médio morrem milhares de pessoas, e nós aqui, numa egotrip ducaralho nos olhando no espelho. É o fim!

– Logo nas primeiras páginas de “Entre duas fileiras”, você escreve que sua profissão está morta. Por quê?

 GERALD: Porque está. Tudo o que é experimental morre justamente por ser experimental. Daí vem algo que é fruto daquilo e se estabelece. Se é bom ou ruim, é questão de tempo. Eu não julgo. Se eu tenho ainda a condição de me adaptar ou readaptar as coisas? Não sei. E não sei se quero.

– Que análise você faz do teatro que se faz hoje? Você percebe uma espécie de exaustão das possibilidades criativas no palco?

GERALD: Não faço nenhuma, porque não assisto, não vou e não vejo. Vocês não se cansam de me perguntar isso? Não entenderam ainda que eu darei sempre a mesma resposta?

– Sua vida foi sexualmente intensa e variada. Você acha que o mundo vive hoje uma nova onda conservadora em termos de comportamento?

GERALD: O mundo, o mundo, o mundo. Qual mundo? Existem muitos. Cuidado com esse tipo de pergunta, porque no interior do Acre o mundo não é o mesmo que aqui em Nova York. Além do mais, “ondas”, como o nome já implica, são fenômenos que vão e vêm. Eu não tenho nenhum problema com isso. Tem gente se “liberando” ai, todos os dias.

– Fale sobre seu contato com Samuel Beckett. Que outros dramaturgos foram determinantes na sua trajetória?

GERALD: Não. Não falo. Estou falando disso desde 1984. Entra no Google ou descreva você. Sorry. Esse assunto já esgotou. Sobre outros dramaturgos? Todos, especialmente Nelson Rodrigues, Tennessee Williams, O’Neill, Shakespeare e os poetas que, de uma forma ou de outra, fazem dramaturgia através de seus poemas.

– Falando sobre encontros, quais foram suas paixões intelectuais e seus casos amorosos mais intensos?

GERALD: Ah, ah! Agora são seis da manha aqui em New York e estou no meu segundo café expresso. Cheguei ontem do Brasil, onde passei 12 dias intensos e lindos.  Não sei falar de casos amorosos porque cada um teve altos e baixos, e cada um foi a montanha-russa que teve que ser. Mas eu diria que foi a Fernanda Montenegro, minha sogra eterna. Sim, nunca sequer nos tocamos. Não houve nada de sexual entre nós, obvio. Eu era casado com a Nanda. Mas, em Hamburgo, onde estávamos fazendo o “Flash and Crash Days”, ela se machucou e eu a levei pro Hospital Universitário, e lá permaneci com ela noite adentro. Confesso que foi um dos momentos mais tenros e íntimos que já senti por alguém, aquilo é e foi amor.

– Como você se classifica politicamente? Esquerda e direita são conceitos ainda relevantes? Como você avalia os episódios da política brasileira recente? 

GERALD: Esquece isso de esquerda e direita. Isso é pisca-pisca de carro. Sou democrata aqui nos USA, onde voto e onde faço campanha politica. Aliás, sou apaixonado por Obama. Não me pronuncio sobre politica brasileira.

– Aos 62 anos, como você lida com a perspectiva de envelhecer?

GERALD: Não entendi a pergunta. É real, né? 62 anos e meio, já quase fazendo 63 em sete meses. “Perspectiva” mais parecida com a do DeChirico. Exagerada, cáustica e ….. fatalista.

– Algum arrependimento? O que faria diferente, se pudesse voltar atrás?

GERALD: Teria atravessado mais sinais vermelhos na época em que eu era motorista de ambulância em Londres. Fui cauteloso demais.

– Por qual peça você gostaria de ser lembrado, se tivesse que escolher uma só? Por quê?

GERALD: São muitas. Vou te responder isso através do meu testamento.