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Governantes ainda subestimam animais de rua

Expoente na militância em defesa dos direitos dos animais, a professora Julimar Gonçalves e integrante da EcoAnimal RN enfrenta dificuldades com otimismo e boa-fé.

*Franklin Jorge

O que a levou a resgatar e cuidar de animais abandonados ou em situação de risco?

Bem, eu sempre gostei de animais, apesar do amor, esse sentimento foi insuficiente para que me engajasse na causa animal. As crueldades com práticas de envenenamentos dos gatos, cometidas por moradores do condomínio que residi durante 23 anos, me levaram a posturas efetivas contra essas pessoas. De início, fiz recorrentes denúncias à DEPREMA, inclusive uma delas gerou processo na vara criminal com sentença condenatória porque conseguimos provar o crime.  Continuei a denunciar no próprio condomínio com vistas a mobilizar moradores para a defesa da vida dos bichanos, mas não obtive êxito de engajamentos. Fui ameaçada, aluguei o eu apartamento e vim morar numa casa com meus animais. Aqui cuido dos da rua, castrei e alimento, e continuo a atuação na causa em outros espaços e projetos.

Conta com o apoio de colaboradores ou instituições?

Fiquei sozinha por mais de uma década cuidando – castrando e alimentando – animais de rua. Ano passado conheci Lia Bry que me convidou para integrar a Associação de Protetores e Amigos dos Animais – EcoAnimal/RN. Desde novembro atuamos em coletivo na defesa da vida dessas criaturas abandonadas. O trabalho, em termos de custos e ação, continua individual porque são infinitas demandas que não damos conta, mas a busca de soluções é coletiva. Existe uma dinâmica colaborativa ímpar em prol da causa animal. Para isto existe a Associação dos Protetores, Defensores e Amigos das Causas Animal e Ambiental do RN – EcoAnimal RN.

Como é fazer esse trabalho numa cidade do interior?

Ainda não tive a oportunidade de realizar trabalhos em outros municípios; apesar disso, quando trabalhei em Caicó e Santa Cruz, identifiquei a problemática ambiental, sobretudo com cachorros. É uma questão seriíssima que precisa ser vista pelo executivo de todas as cidades. É também uma questão de saúde pública, além de humanitária e ambiental.

Quais são os principais desafios que enfrenta?

Os desafios são muitos. Franklin, que vão desde a escassez de recursos financeiros ao enfrentamento de atitudes intolerantes, quando não de crueldades mesmo. A ignorância das pessoas me coloca na linha de frente dos embates mais repugnantes, como à exemplo da criação de estereótipos do tipo “você deve ser carente, por isso cuida de tantos gatos” ou “não tem o que fazer” e até mesmo “venha limpar os excrementos deles, já que coloca comida”. Estabelecer um diálogo com pessoas que mantém esse discurso é algo praticamente impossível porque elas veem carregadas de raiva, deixando clara a indiferença com a vida dos animais.

Como os animais abandonados são vistos em Santa Cruz?

Santa Cruz? Muitas pessoas demonstram indiferença em relação aos animais. Muitos perambulam no mercado, doentes, magros, cabisbaixos, sem serem vistos. É lamentável que tantas pessoas não enxerguem que a vida animal é de responsabilidade humana. Eles foram domesticados e muitos são abandonados. Esse abandono desencadeia inúmeros problemas para o coletivo, mas poucos assumem a busca de soluções. É uma situação insustentável.

Há alguma política municipal em sua defesa?

Em termos de política pública nada existe atualmente. Existem iniciativas na casa legislativa, mas nada implementado de modo sistêmico. A EcoAnimal-RN objetiva a proposição junto ao legislativo de políticas públicas voltados para a causa animal. A situação na nossa cidade é insustentável em termos de abandono de gatos e cachorros, além da urgência de castrações. Muitas pessoas nos apontam/julgam em termos das castrações. Vou explicar a logística da castração: captura-tempo de jejum-levar a clínica-aguardar ou pegar de volta-repouso no caso de gatas-devolução ao habitat e aí inicia outra fase: o animal tende a docilizar e fixa territorialidade, precisa ser alimentado e hidratado, ou seja, ainda mais cuidado porque vai “perdendo” o comportamento arredio. Neste momento nos deparamos com a intolerância e a crueldade praticadas por pessoas que são avessas à vida animal. Conflitos e mais conflitos são gerados, inclusive com ameaças às nossas vidas.

Como vê o descaso das autoridades em relação aos animais?

Compreendo que há uma cultura de dominação da natureza que precisa ser mudada. O tema da sustentabilidade é palatável e rentável, mas está circunscrito à vontade de poucos. Ainda não é assumido coletivamente, tampouco de modo racional. Quando se fala em defesa e proteção animal, muitas pessoas nos olham de modo “apiedado”, como se pensassem: ah, como ela é uma pessoa boa! Não é por aí. Existe o reconhecimento de uma responsabilidade ética e social. Vou relatar uma experiência pessoal com a implementação de um projeto de extensão universitária no âmbito da gestão socioambiental.

É urgente a aprovação de uma legislação que reconheça a responsabilidade do Estado com os animais, e estabeleça ações voltadas para a convivência sustentável com eles. A castração é o caminho mais eficaz para o controle da natalidade deles, além da adoção responsável que é o sonho de todos os protetores. Ver todos os animais em segurança, protegidos do frio, da fome e da crueldade humana é o desejo de todo ser humano que prime pela civilidade.

Vê alguma alternativa de mudanças?

A mudança segue a passos lentos, mas vem acontecendo. Analiso que a causa animal tem sensibilizado muitas pessoas, mas ainda está longe de engajá-las objetivamente na defesa dos animais. Gostar de animais é uma coisa. Defendê-los e cuidar então, estão em etapas bem diferentes. Apesar da rede de protetores se expandir, muitos são os problemas enfrentados, como a acumulação de animais em abrigos, escassez de recursos para alimentá-los e tratar doenças, a logística para estar nas ruas capturando e encaminhando para a castração (capturar, levar à clínica, aguardar a cirurgia e o repouso pós-operatório e devolver ao ambiente), a responsabilidade assumida com os cuidados deles nas ruas, o enfrentamento das crueldades (envenenamentos, retirada da ração e da água, atos de violências como pedradas, tiros de chumbinho e de balas, despejo de água fervente, tinta, solvente, cola, bebes retirados das mães e abandonados em lagoas, calçadas das casas de protetores ou jogados nas BRs, enfim.., entre tantas de uma lista imensa, infelizmente). Acredito que a mudança efetivamente se dará a partir do reconhecimento da responsabilidade e da importância da convivência com eles. Todos ganharão em humanidade, isso é certo!

Mais alguém aí luta em defesa dos animais? Quem?

Integramos uma rede de protetores e amigos da causa animal que está em expansão! Destaco a atuação de Lia Bry e Lucy Lima. Ambas cuidam de uma quantidade imensa de animais e lutam por políticas públicas em defesa deles.

Franklin, formatei um projeto de extensão universitária no âmbito da gestão socioambiental para o Hiper Bompreço da Av. Roberto Freire. A loja fechou e gerou toda uma problemática. Não sei se cabe em alguma questão da entrevista. O que você acha de contar essa experiência também? Só não sei onde encaixar. Vou te contar:

Em 2018 tive conhecimento de uma colônia de gatos no Hiper Bompreço da Av. Eng. Roberto Freire. Conversando com os funcionários que trabalhavam no estacionamento, identifiquei que haviam muitos conflitos em decorrência da permanência deles no local, sempre pedindo comida aos clientes, sobretudo nos quiosques de lanches. Foi então que elaborei o projeto de extensão universitária no âmbito da gestão socioambiental, cujo objetivo foi construir uma gestão pautada nas diretrizes da responsabilidade social empresarial. Nosso projeto foi aprovado pela IES que leciono e pela gestão da referida empresa. Em janeiro de 2019, iniciamos a divulgação do projeto junto aos colaboradores do Bompreço, em maio ele foi institucionalizado pela IES selecionamos alunos do curso de administração que passaram a integra-lo, e daí vieram as primeiras ações simultâneas: divulgação do projeto para os lojistas, primeiras castrações e adoções, cuidados com a alimentação e a construção da gestão socioambiental. Contudo, nos deparamos com alguns imprevistos, como a mudança do grupo Bompreço, exigindo a dedicação da gestão para uma nova estrutura empresarial, as dificuldades operacionais de captura dos gatinhos para a castração, o desafio do alinhamento da agenda da empresa com o planejamento do projeto, enfim, foi algo excepcional em termos de aprendizado porque à medida em que as dificuldades iam aparecendo, pensávamos em soluções para a sua continuidade. Pautados nas experiências de 2019, atualizamos o projeto para 2020, e aí veio o anúncio da venda do prédio para um grupo de Pernambuco. Foi um choque e tanto. Qual será o destino dos animais? Qual será a postura da nova empresa em relação ao projeto? Bem, a nova empresa não os quer lá. Estamos à procura, desde meados de fevereiro, de um lugar adequado para realocá-los. A empresa de disponibilizou a contribuir com as despesas de transporte e adequação do novo local, mas veio a quarentena, aliada à dificuldade de encontrar esse lugar para os gatos. Estamos buscando a solução, mas não é simples encontrar um lugar para cerca de quarenta gatinhos.

Julimar Gonçalves, formada em ciências sociais, com mestrado e doutorado pela UFRN. Atua como professora de sociologia nos cursos de administração, ciências contábeis de CSTRH, no Centro Universitário Facex – UNIFACEX. Atualmente, integra como protetora e colaboradora a Associação dos Protetores, Defensores e Amigos das Causas Animal e Ambiental do RN – EcoAnimal RN.

Instragram: @ecoanimalrn

Acima, em destaque, membros da Ecoanimal RN; a baixo, vídeo da TV Ponta Negra sobre gatos que vivem no estacionamento do Hiper Bompreço, recentemente fechado.