*Alexsandro Alves
Com a obra de Graciliano Ramos agora em domínio público, seus descendentes resolveram criticar a lei de direitos autorais brasileira: Sabemos que agora muitas editoras vão publicar sem maiores cuidados, pensando só no lucro. E claro que nós não gostamos disso. A lei do domínio público, eu usaria uma palavra muito forte para definir o que eu penso, acho que é uma excrescência, afirma Ramos Filho, neto do escritor.
Uma outra questão são os textos não publicados por Graciliano, por motivos variados, que agora podem ser publicados, caso de Os filhos da coruja, de 1923, que o autor nunca desejou que fosse lançado.
A maturidade de um artista pode fazer com que ele olhe para sua obra anterior e a renegue. Nesse caso, e ainda mais quando nem mesmo publicou determinada obra em vida, há um peso moral que apenas a ânsia pelo mercado explica a corrida de publicações não autorizadas, tanto por editores, quanto pela sua família.
O universo ficcional de um autor é a totalidade do que ele escreveu, publicado ou não. Porém o corpus da obra é uma seleção criteriosa desse universo e é o que dita para a posteridade sua importância; geralmente não é definido após sua morte, na maioria das vezes, mas o próprio artista é quem, na posse de suas faculdades de juízo, elabora esse corpus dentro de sua estética peculiar.
É como se o artista nos dissesse: este sou eu, aquele ainda não sou eu.
Por mais simplória a comparação a seguir, mas é como um filho que não tem semelhança com o pai.
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Anton Bruckner, compositor austríaco, cujo bicentenário de seu nascimento dá-se esse ano, é um dos casos mais curiosos nesse sentido.
Quando morreu, seus amigos encontraram nada mais nada menos do que duas sinfonias completas, esquecidas em em uma gaveta em seu escritório. Elas estavam lá desde 1863. Ele nunca comentou nada sobre estas sinfonias. Simplesmente as concluiu e as guardou.
De forma que, no corpus oficial das sinfonias de Bruckner, constam nove sinfonias, numeradas de 1 a 9. Aquelas duas primeiras esquecidas não têm numeração, mas alguns arriscam a denominá-las Sinfonia n. 00 e Sinfonia n.0. 11 sinfonias, sendo duas apócrifas.
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Eu imagino que o homem, como afirmou Oscar Wilde, mata aquilo que ama.
A decisão de publicar uma obra desautorizada em vida pelo seu criador equivale a esse assassinato.
Não que seja antiético conhecê-las, pois, caso o autor quisesse mesmo isso, que sequer a conhecêssemos, queimaria os originais, como fez Nicolai Gogol com sua obra-prima, Almas mortas.
O fato de não as destruir apenas indica que somos autorizados a conhecê-las. E o fato do autor não publicá-las, indica que não devemos tentar ganhar dinheiro com elas.