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Gringo, o escolhido

Colaborador de Navegos brinda nossos leitores com mais um ensaio minimalistas sobre o Faroeste americano e italiano, gênero que amealha milhões de admiradores em todo o mundo.

*Jamal  Singh

Nossa história começa em 1865 (no final da guerra civil americana), quando Gringo, filho de mãe sueca e pai mexicano, tenta levar sua vida adiante. Não será fácil, pois o ex-soldado precisa lidar com várias pessoas interessadas em se apossar de suas economias: um casal de vigaristas que vende um “elixir milagroso”, um xerife que o prende como bode expiatório de vários assassinatos que aconteceram na sua cidade, um prisioneiro assaltante de bancos e um grupo de violentos comancheros (como eram chamados os traficantes de armas e uísque para os povos nativos que assolavam o oeste). E dá-lhe tiroteios, explosões e cavalgadas pelo deserto.

Apesar de diversas Dime Novels (o equivalente estadunidense a nossa literatura de cordel) a honra de criar o gênero do Western, nosso popular Faroeste ou bangue Bangue, é creditada ao alemão Karl May, que escreveu uma série de romances sobre o Apache Winnetou. Os temas do Faroeste são atemporais e universais: A fronteira, Civilização versus o Progresso, A guerra civil, Corrupção dos poderes estabelecidos, A pureza da vida nas pequenas comunidades (sejam eles lavradores, cowboys ou tribos) e o Banditismo. Não à toa, o faroeste ganhou o mundo. O cinema e os quadrinhos de faroeste foi, décadas atrás mais importante do que os super heróis o são hoje, com anos em que dezenas de produção do gênero estreavam, além de várias revistas em quadrinhos.

O primeiro filme de faroeste, O grande roubo de Trem (1903), foi rodado nos EUA e já nasceu clássico. No mundo todo foram rodados diversos faroestes, da Austrália a Índia, com destaque ao continente Europeu. Durante a guerra fria, os dois lados da Cortina de ferro filmavam faroestes. Enquanto na Rússia soviética os faroestes eram geralmente sobre a revolução, conhecidos como Osterns, nos outros países socialistas eram conhecidos como Red Westerns, e neles os apaches, Dakotas e outras tribos é que eram os heróis, numa curiosa inversão de papéis que demorou décadas para acontecer em hollywood. O país mais famoso a produzir faroestes, porém, foi a Itália, com seus spaghetti Westerns.

No início os faroestes italianos eram como os clássicos faroestes de hollywood. Inclusive um personagem amado e publicado até hoje nos quadrinhos italianos (e no Brasil), Tex Willer, foi criado nessa época com todos esses elementos clássicos. Mas quando o faroeste entrou em declínio nos EUA, no começo dos anos sessenta, o faroeste italiano adquiriu as características pelas quais ele é lembrado hoje. Os heróis do faroeste italiano tornaram-se sujos e barbudos, amorais e cínicos, muitas vezes mais mal encarados que os vilões da história. E tornaram-se um sucesso tão grande que influenciaram o cinema estadounidense. E também o Cinema Brasileiro.

Os nossos filmes de Cangaço eram chamados de Nordestern justamente pela influência dos faroestes clássicos de Hollywood na sua estética. Mas haviam sido filmados outros bangue bangues rurais ambientados no sertão (de São Paulo, no Mato Grosso) com essa mesma estética, o próprio mojica filmou um faroeste sobre um cigano que enfrenta um corrupto coronel em “D’Gajão Mata Para Vingar”. A explosão do faroeste italiano mostrou que era possível e fez diversos faroestes brasileiros serem realmente ambientados no velho oeste, mesmo sendo filmados em fazendas brasileiras e falados em português, com clássicos como “Gregório 38” (1969), “Lista Negra para Black Metal” (1970), “Rogo a Deus e Mando Bala” e “Gringo, o Último Matador” (Ambos de 1972). E essa influência do faroeste italiano também é perceptível em “Gringo, o Escolhido”.

O roteiro é de Wilson Vieira, que por muitos anos trabalhou como desenhista na Itália (foi o primeiro brasileiro na Sergio Bonelli Editore, a Editora do ranger Tex Willer. A belíssima arte de Aloísio de Castro é visivelmente influenciada pelo italiano Sergio Toppi, e te passa aquela sensação do calor escaldante do Oeste americano. A obra foi produzida em 1982 e só acabou publicada em 2006, só saindo do papel porque Wilson Vieira nunca desistiu de publicá-la. Para o leitor de hoje, o roteiro é um pouco datado: traz características usuais dos antigos quadrinhos italianos, como o excesso de recordatórios. Por vezes o recordatório apenas repete o que você já está vendo na imagem do quadro, mas isso é perdoável pelo fato de apesar de publicado em 2006, ser realmente um trabalho antigo.

Os extras do álbum são muito bons: Prefácio de Eloyr Pacheco; matéria “O Azul, o Cinza e o Vermelho”, na qual Wilson Vieira conta como foi a Guerra Civil Americana; Book Gallery de Aloísio de Castro, com várias ilustrações inéditas do artista; Art Gallery, com pin-ups produzidas por Sam Hart, Caio Majado, Anderson Cabral, Sandro Castelli, Julia Bax e Mantovani; biografias dos autores; e um Posfácio do autor Wilson Vieira. “Gringo, o Escolhido” é indicado a todos os fãs do bom e velho faroeste, mas principalmente aos fãs do Faroeste Espaguete. Wilson Vieira teve planos para uma continuação da história, e quem sabe daqui a mais uns dez anos possamos lê-la?