*Alexsandro Alves
Por vezes podemos pensar e eu penso isso (mas só por vezes e logo passa): só pode ser dom!.
Flávia Arruda inicia seu novo livro com uma imagem de Heráclito, a do rio em que nos banhamos e ao mesmo tempo já não é mais o mesmo rio.
E lendo crônica após crônica de seu livro, podemos dizer que esse rio é a autora. Por isso ao lermos essas páginas convém parcimônia. Lê-las de uma vez, não está proibido, mas aí corre-se o risco de não visualizar todo o percurso desse rio.
Quando leio suas crônicas a sensação sempre é de movimento, é quando caminho pela cidade.
E agora essa imagem fluvial de Flávia. Porém há um detalhe. Esse movimento não é um movimento mecânico, é um movimento da alma. A caminhada, o curso do rio, a jornada da alma. Tudo se movimenta, e se se movimenta carrega em si a transitoriedade. Nada é perpétuo, mas as Flávias conseguem fazer seu curso eterno enquanto duram.
As suas palavras são belas. É de sua alma. Eu sempre lembro que tentei recitar essas crônicas em voz alta, e a sensação foi de que deveria baixar mais o tom, como numa conversa. Com incrível segurança, digna de quem tem domínio sobre o objeto que manuseia, essas palavras se formam com cuidado, já não é mais dom, portanto, é técnica.
A autora sabe manejar os instrumentos que possui. Mas há a tanta suavidade e há tanto prazer nas coisas cotidianas em suas páginas, que pensamos em dom, pensamos em algo que vem sem o mínimo esforço.
Mas aí é que está a maturidade de um artista: quando ele deixa transparecer para seu público essa naturalidade, que outros artistas sabem que só pode ser conseguida com muito esforço!
Na quarta capa, a autora Adélia Costa se pergunta se a autora é narcisista.
Adélia Costa explica a pergunta: o primeiro livro de Flávia Arruda se chama As esquinas da minha existência e este, o segundo, As Flávias que habitam em mim. minha e em mim! E na capa do segundo temos a autora em um ensaio boudoir!
O rio de Heráclito também é as águas de Narciso.
Eu estou iniciando a navegação pela alma das Flávias, pelas sua psique, momento após momento, e o resultado que deságua dessa leitura, é uma enchente de flávios raios de Sol. Há brilho nessas páginas.
Experimentem ler cada crônica flaviana no início da manhã, tomando café, deixando o rio flávio das Flávias fluir.
FICHA TÉCNICA:
As Flávias que habitam em mim, de Flávia Arruda. Parnamirim: Ypy Editora, 2023. 190 páginas.