*Franklin Jorge
Durante os últimos anos de sua vida o professor Oswaldo de Souza (1904-1995), grande compositor e pianista requestado como um dos grandes talentos de sua geração, pesquisou e escreveu um livro que desapareceu com ele, a história da Modinha que ele conhecia a fundo e não fazia segredos disso.
De importante família potiguar, viveu por anos no Rio de janeiro e em São Paulo, onde, no Embu, trabalhou com Mário de Andrade em estudos folclóricos e na organização daquela que seria uma cidade das artes a atrair artistas e talentos eruditos e populares.
Quando governador, Aluízio Alves o convidou para fazer o levantamento do nosso patrimônio histórico, o que resultou e um livro hoje raro que ele me presenteou com um autografo em que deixou impressas sua afetividade e generosidade para com um jovem que então escrevia uma coluna na Tribuna do norte, O dia da criação, através da qual fazia a crônica da vida das artes e questionava a inercia das nossas instituições ditas culturais. Esse livro é, em si, um monumento, pela riqueza de detalhes e por constituir, no gênero, nossa única obra digna de credito.
Gastrônomo, seus jantares mereceriam um registro com a publicação do receituário pertencente á sua mulher, Dona Lourdes, uma paulista quatrocentona que era a gentileza em pessoa. Eram habitues dessas noitadas, Anna Maria Cascudo Barreto e Camilo Barreto, o professor Henrique Batista e o autor destas linhas, de todos, o único sobrevivente. Me lembro particularmente de um jantar em que esteve presente o maestro Waldemar Henrique, seu velho amigo e companheiro em seu tempo no Rio, onde privou da amizade de Villas-Lobo e de outros grandes da época.
Autor de uma notável obra em dois volumes sobre as canções dos barqueiros do Rio São Francisco, publicados pelo Ministério da Educação e Cultura, ao tempo do Regime Militar, era muito espirituoso e se auto-gozava ao vergastar a mediocridade que dominava a nossa cultura.
Era uma memória viva de tudo. Lembrava em detalhes do dia e da hora em que conhecera seu grande amigo, a quem chamava de Cascudinho, em Nova Cruz, então uma estação de inverno onde as pessoas ricas e abastadas de Natal e da Paraíba iam passar a estação chuvosa, costume que desapareceu com o tempo. Anotei muita coisa de nossas conversas, a maioria inédita, inclusive relativas á sua História da Modinha, livro minucioso que só podia ter sido escrito por um músico de verdade.