*Franklin Jorge
Há coisas que nos obsessionam. Às vezes uma frase, lida em um livro ou entreouvida, aqui ou ali, que nos marcam indelevelmente para toda a existência.
Quando reli o édipo, na magnifica tradução de Adriano da Gama Kury, em meus tempos de adolescente no Ceará-Mirim, após assistir a versão teatral de Jesiel Figueiredo, tocou-me sensivelmente – no tenso diálogo entre o rei e o adivinho cego – quando Laio ameaça Tirésias a contar-lhe mais do que devia e ele responde-lhe: “O que tiver de ser será, embora eu cale”, que resume todo a cultura de povos orientais antigos. Uma frase que me faz pensar no versículo bíblico, “Deus proverá”, ambos, o texto sofocliano e a Bíblia, dum fatalismo inexorável. Deus proverá…
Recordo-me de uns versos de Walmir Ayala, lidos em voz alta enquanto caminhava com Adalberto Castelo Branco em 1972 ou 1974, no Parque do Flamengo, nos quais ele retrucava com a sua costumeira e inesgotável verve a um questionário que lhe fora aplicado por uns alunos do Primeiro Grau que se esforçavam para produzir um trabalho escolar que impressionasse ao seu rabugento ou bem-intencionado professor de português. Esforçados, mas inexperientes, sem o substrato literário ou cultural necessários numa entrevista com um poeta da grandeza do autor de Este sorrir, a morte. Num dado momento, esgotado o estoque de perguntas banais e corriqueiras, pedem-lhe que defina a cor vermelha, e Walmir prontamente lhes responde: “Rosa em delírio”, verso que depois de lido desde então assalta-me o pensamento e me faz vibrar com a sensibilidade e a inteligência desse poeta que intuiu, a exemplo de T.S. Eliot, que o melhor crítico é o poeta. Ninguém, como Walmir, para transformar em transcendente o banal e o corriqueiro, uma questão irrelevante em um fenômeno estético significativo.
Pela incrível versatilidade de seu talento prodigado em prosa e verso, na ficção e no ensaísmo – quase esquecia-me de sua singular produção teatral -, seria quase impossível não aproximá-lo de Oscar Wilde, ambos dum brilhantismo criador inexplicável. Ter sido seu amigo e compartilhado com ele o mesmo ar que respirávamos, enche-me de indescritível alegria e gratidão.
Morto há quase 30 anos – de alguma forma uma morte auto-infligida -, esse verso de Walmir está sempre vivo em meu pensamento. Creio que ele terá se deixado morrer após o suicídio de seu filho, Gustavo, então ainda um adolescente fã de Para-lamas do Sucesso, que conheci entre os quatro ou cinco anos sentado sobre os joelhos de Walmir, no apartamento de Ipanema, quando o visitei pela primeira vez ao chegar ao Rio.