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História de minhas leituras (7)

Fundador de Navegos revive aquela hora sagrada, após o almoço, em que ouvia com a cabeça sobre os joelhos de sua avó histórias que faziam-no pensar que ler e escrever seriam tudo de bom na vida

*Franklin Jorge

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Quem não ouviu em criança, da boca de uma avó querida, os contos de Daudet (1840-1897), secretário do Conde de Morny, ou alguma página de Oscar Wilde e Charles Dickens, perdeu parte significativa de sua infância. Não foi este o meu caso, que pude ouvir com curiosidade e encantamento a leitura, por minha avó materna, de autores que se tornariam, para mim, devocionais.

De Alphonse Daudet, gosto particularmente de tudo quanto ele escreveu e tive a graça de ler ou ouvir de minha avó, após o almoço, naquela casa do Estevão, construída para as suas bodas, onde ainda intocado pelo mal que domina o mundo e nos faz às vezes seres infelizes e carentes, vivi até os meus 12 anos. Do que escreveu, cativou-me as prodigiosas aventuras de Tartarin de Tarascon e Cartas de meu moinho, obras que evocam com graça e espirito a vida em sua Provença natal. Já Luisa Mercedes Levinson diria-me, alguns anos depois, que quando menina, o ‘’lia loucamente’’, em sua bela casa na Calle 11 de setembro, em Belgrano, a poucos quarteirões da Casa Rosada, residência dos presidentes da Argentina. Considero um desafio, para um leitor, não amar Daudet e, na idade adulta, não amar Apollinaire.

Há, em tudo o que escreveu esse mago das Letras como que uma espécie de sortilégio que contem a própria essência da infância. Depois, mais taludinho, relia-o escondido de todos entre os folhos sombrios de velha oiticica, nos fundos da propriedade, estirado sobre dois grossos galhos que se alongavam paralelamente, em meio a sombras que filtravam um ou outro raio de sol e sugeriam à minha imaginação um divan vegetal sobre o qual o meu corpo se encaixava perfeitamente em simbiose com a natureza sobrenatural.

Era uma das muitas oiticicas que formavam um bosque, entre os rios Assu e do Panom, que só corria nas grandes invernadas. Quando passavam por nossas terras, os ciganos gostavam de se arrancharem sob suas copas úmidas e frescas, mesmo no escaldante verão. Às vezes, ao dar-se conta de que eu desaparecera, minha avó mandava o negro Antônio Conceição, alegre e prestativo, procurar-me pelos matos circunvizinhos nos quais eu me deleitava em perder-me à sombra dos carnaubais farfalhantes.

Dessa época e da leitura de Wilde, guardei a emoção de ouvir e participar da leitura de O gigante egoísta, O príncipe feliz e O rouxinol e a rosa, cujo autor parecia-me, ao lidar com as palavras, um ser magico ou um prestidigitador  estilístico a guiar-me pelos caminhos da literatura que resistiria, segundo essa minha avó inteligente e fecunda, às ferrugens do tempo e à brevidade da existência humana.