*Renato de Medeiros Jota
Podemos reparar a influência das histórias de terror sobre o imaginário do leitor brasileiro a partir de décadas passadas como nas antigas revistas Spektro, Mestres do terror, Calafrio, Terror, gritos de terror, Neuros, Mundo do terror e tantos outros títulos brasileiros que forjaram a imagética das histórias de “susto”, como os fãs oitocentistas falam sobre as HQs desse gênero no país. E conveniente reparar como essa influência ganhou destaque no gosto e formação do leitor de nossa país, considerando o apelo ao medo atrelado a tantos temas como a violência e ao encontro com o inusitado e sobrenatural.
O que marca as HQs de terror brasileiras é a utilização de vários recursos que vai desde a utilização do folclore tupiniquim representada por uma tentativa de resgatar o aspecto medonho e maléfico de personagens como o saci, caipora, mula sem cabeça e demais lendas das regiões brazucas até utilizar nossa cultura europeia oriunda dos portugueses. Esse caldo de influências provocou o desenvolvimento de uma narrativa própria e que se utilizaria da cultura regionalistas de todos os cantos do pais, principalmente no que se refere a cultura nordestina e é precisamente esse aspecto que desejo ressaltar.
A região nordestina tem sido no imaginário popular do restante do país, geralmente relacionado a fome, miséria e pobreza, mas para os naturais dessa região o que importa é a inspiração que essa terra inóspita poderia produzir para o universo do terror. Seus galhos parecendo um esqueleto apontando os dedos tortos para cima, quando o tempo seco desfolhava a vegetação. A terra tostada formando uma colcha cinza no solo, também dava a impressão alienígena de um cenário lunar que evocava a todo momento a presença do terrível e da tragédia. Nas canções dos retirantes podemos ouvir a narrativa da cultura, folclore e dilemas do nordeste, podemos encontrar narrativa de tempos de penúria, nas mazelas que acometiam a região, histórias se desenrolam de sobrevivência envolvendo o sobrenatural misturado a narrativas que apelam para o assombroso e terrível.
Os heróis e vilões característicos da região do nordeste como os cangaceiros, vaqueiros, retirantes, caboclos, pescadores e demais personagens são um atrativo a parte para formação de conflitos e servem para insuflar o medo em um cenário bem conhecido deles. Além disso, o sincretismo religioso, os causos envolvendo botijas (baús e potes carregados de ouro e valores que pode tornar rico um homem do dia para noite, desde que esteja disposto a enfrentar fantasmas infernais são outro atrativo nesse rico folclore do terror. Nesse contexto as Histórias em quadrinhos souberam extrair o que há de melhor nesses causos e folclore para montar uma narrativa bastante inventiva e original capaz de despertar o medo no mais cético dos leitores.
É um fato interessante observar o quanto nós fãs do terror damos a outros nichos de cultura como o cinema americano, europeu e asiático exagerada atenção quando temos histórias tão assustadoras e inventivas em nosso país. Felizmente, o áudio visual vem desbravando esse nicho de tema e assim como as HQs o cinema descobriu a capacidade de se fazer terror de primeiro mundo utilizando-se de elementos puramente culturais do país. Basta observar quando se lê uma HQ de terror quais os elementos são tratados lá, geralmente ligados aos mitos, lendas e folclore de nosso país.
Ora, é muito mais fácil e menos custoso criar histórias aqui do que pagar royalties de HQs estrangerias que falem sobre o mesmo tema que podemos criar aqui. Eis a vantagem da história de terror, feitas tanto nas HQs quanto no cinema, elas são universais e podem ser feitas por qualquer um desde que tenha imaginação para isso. Na atualidade podemos encontrar nos produtores de HQs a apropriação e reelaboração do universo folclórico com interpretações inovadoras sobre o tema. Nesse sentido vale ressaltar obras como Maldito Sertão do grupo Quadro9, Lavagem de Shiko, Horas escuras de Leander Moura, VHS e seu coletivo de artistas, a nova Calafrio entre tantas outras que trabalham o tema do terror com esse jeito brasileiro de contar histórias de assombro. Nesse sentido, vale dizer que a produção do terror seja o que mais de promissor temos na produção dos quadrinhos, talvez, só equiparável a ficção cientifica que vem crescendo no gosto do público leitor brasileiro.
Quem sabe os assuntos terríveis que nossos produtores da nona arte podem desenvolver em seus projetos e quais os lugares medonhos eles podem nos levar. Quais os rostos deformados, criaturas malignas, alienígenas surreais podem ser desenvolvidos pelas mentes criativas de nossos produtores de quadrinhos. Vai saber? Só sei que foi assim, como diria Chicó. Nesse contexto, desejo agradecer a todos por terem lido essas reflexões sobre Histórias em Quadrinhos ambientadas no nordeste, torço que todos estejam bem e seguros. Mando um salve e um abração a todos os leitores.