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Histórias em quadrinhos, distopias e representações

Em abordagem complexa, Colaborador de Navegos esquadrinha gênero que conta com grandes criadores potiguares e o coloca ao alcance de todos.

*Renato de Medeiros Jota

A compreensão sobre a escrita de ficção cientificas mais notoriamente chamadas distopias reside na neutralidade do tema por parte do escritor de hq ou de contos. No Brasil esse tema virou fonte de inúmeras controvérsias na qual a criação de um quadrinho dita de direita, vem em resposta as distopias de “esquerda?”, isso já mostra o total desconhecimento do tema em geral dos produtores dessas hqs. E o motivo de afirmar isso é que geralmente distopias não tem lados, ou conceitos políticos, o objetivo é ser um tema capaz de se encaixar em qualquer sistema que tenha o viés fascista, autoritário ou totalitário, seja em que regime político for. Por isso falta estudo para essas pessoas e leitura acima de tudo do tema que desejam abordar.

Fico aqui pensando sobre a dificuldade que tenho para escrever uma HQ ou mesmo conto para coletâneas sobre o tema distopia. Fazer isso exige estudo e aprofundamento a respeito do assunto. Não é simplesmente discordar de posicionamento A ou B, mas ter em mente que tanto um como outro posicionamento pode tender a ser reacionário e opressor a quem quer que seja. Observemos uma coisa, tomando como exemplo dois grandes escritores de livros, Ievguêni Zamiátin e George Orwell, o primeiro escreveu Nós e o segundo 1984, sendo que Zamiátin influenciou notoriamente Orwell, mas qual o ponto aqui, simples o escritor de Nós era russo e representante da esquerda comunista, enquanto Orwell era de direita democrática inglesa. Dois polos opostos que escreveram sobre o mesmo tema, denunciando em ambos os casos o autoritarismo, fascismo e totalitarismo de ambos os sistemas. Deixe-me fazer entender nesse ponto, escrever como fez Zamiátin denunciando o totalitarismo e brutalidade do sistema russo, com a ótica de viver no próprio sistema objetivava mostrar que tal sistema é um erro. Do Mesmo modo George Orwell quando escreve 1984 como muito atribuem que ele também está falando do regime totalitário da União Socialista Soviética de Stalin é uma interpretação errônea, como assim? Está louco!

Repare bem, o foco tanto de Zamiátin como de Orwell não é posicionamentos políticos que se auto intitulam de esquerda ou direita, mas o personalismo que adquiri nesses regimes autoritários, fascistas e totalitários entre o poder Estatal e o pessoal, como nos casos extremos de Hitler representado pela direita (não se enganem pelo partido Nacional Socialista Nazista que de nada tem de “social”) e por Stalin que representa a esquerda, ambos extremistas e altamente letais a liberdade e democracia. Como diz Luiz XIV “L´état ce moi” (O estado sou eu) mostra o quanto o Estado se confunde com o Pessoal e vivemos confundindo um com o outro. Essa confusão não é nova na democracia já que lá no século IV e V a.c, Platão e Aristóteles denunciavam essa relação assimétrica entre o pessoal e o estatal. Obviamente, Platão e Aristóteles e a sua democracia não pode ser comparada as democracias atuais, suas idiossincrasias e complexidades.

Por isso escrever uma distopia já rotulando algo como imperativamente “esquerda” ou de “direita” já nasce natimorta no prelo. Quando um roteirista como o Alan Moore, Brian K. Vaughan, Mathieu Bablet, Chuck Dixon, Mozart Couto abordam o assunto não estão preocupados em discutir as opções políticas do personagem. O foco dos autores está no tipo de abordagem, nas consequências decorrentes de causas puramente egoístas e autoritárias exercidas sobre pessoas inocentes, e os resultados dessas ações sobre as pessoas e o mundo, na situação em que as pessoas estão envolvidas. O objetivo de cada escritor está na situação que a utiliza para narrar sua história em quadrinhos e desenvolver o psicológico do personagem, questionar sua moral conservadora ou progressista e daí desenvolver a sua história. O problema são as limitações desses rótulos imbecis que se põe, matando e reduzindo o escopo da história deixando-a de ser universal e servir de inspiração pra todos e ficar restrita maniqueisticamente a um séquito de seguidores, pra que serve isso? Nada! A não ser que deseje agradar alguma pessoa, grupo ou séquito que tenham interesses na publicação, deixando-a de ser uma história em quadrinhos acessível a todos e fica restrita apenas a poucos.

Infelizmente a história é implacável Zamiátin e Orwell são lidos até hoje porque suas obras vão além dos parâmetros políticos onde foram escritos, já escritores que escreveram distopias declaradamente tendenciosas alguém se lembra do nome? Eu pelo menos não ainda. Ah por favor, antes que digam que Ayn Rand, escritora de a Revolta de Atlas, Frank Miller defende sua obra como sendo declaradamente de direita, Alan Moore sendo anarquista e Frank Mille como também admirando a direita são mais frutos da exploração da situação do que de tendência política, valorizando qualidades individuais como Ayn Rand, a violência no Caso de Frank Miller e da vigilância irrestrita na escrita de Alan Moore. Como refletimos acima, as distopias são situações utilizadas para denunciar regimes, Estados ou atitudes de grupos que se encaixam em situações de autoritarismo, totalitarismo e fascistas não importa de que lado sejam. Obviamente, que isso é apenas a reflexão de um escritor sobre o que escreve, mas faz-se necessário esclarecer o assunto para quem deseja abordar o assunto. Muito agradecido para quem leu esse texto até aqui.

Renato de Medeiros Jota é pesquisador em Quadrinhos