*Renato Medeiros
Já faz cinco anos do lançamento do quadrinho Lovenomicon do Grupo Quadro9, quadrinho que homenageia o escritor norte americano H.P. Lovecraft. publicação datada de 2015. Falar que a obra é revolucionária não tem exagero, já que a sua elaboração buscava não só homenagear o escritor, apresentando-o em uma mídia popular como os quadrinhos mas tinha a intenção de incentivar a leitura de seus livros e universo.
Nascido em Providence Rhode Island, EUA, notabilizou-se em escrever histórias para revistas pulp surgidas em 1900 (revistas feitas em papel barato de origem da polpa de arvores por isso o nome pulp, na qual continha vários escritores que publicavam seus contos e recebiam por eles) muito popular na época em seu país. Foi responsável por revolucionar o gênero terror, criando uma mitologia chamada de mitos de Cthulhu. Intitulava a forma de sua escrita como contendo um terror cósmico, ou seja, ele ressalta o terror extraterreno tendo o universo como ameaça terrível e incompreensível para a mente humana. A influência do escritor de Providence pode ser encontrada em toda a cultura popular e de massa. Hoje em dia a enorme influência do autor na cultura e mídia é enorme, o que não era o caso durante o período em que escreveu.
O universo lovecrafteano ganhou notoriedade após sua morte chegando a ser comparado suas criações as de J. R. R. Tolkien e C.S. Lewis. Sua influência na cultura popular se faz sentir na música (várias banta de Gotic Metal cantam seus mitos), na literatura vários autores sob sua influência visitaram seu universo e criaram outros incluindo os jogos de tabuleiro RPG e histórias em quadrinhos. Além disso, podemos notar sua presença no cinema, tevê e desenhos animados, ou seja, Lovecraft e seu universo é um espectro importante na atualidade na cultura de massa.
Tomando como base isso, em 2014 o coletivo Quadro9 percebendo a força da escrita do autor de Providence, percebeu que faltava uma publicação de hq do universo cosmológico do escritor no Brasil. E juntando forças com a editora Jovens Escribas foram os primeiros a publicaram um quadrinho com histórias de Lovecraft como inspiração. Dessa forma decidiram produzir uma Novela gráfica que não só prestasse uma homenagem ao escritor norte americano influenciada por sua obra, mas também buscar influências tupiniquim capazes de acrescentar uma característica diferenciada na publicação o que tornaria essa obra única. Pois, diferentemente das edições publicadas no mundo e mais especificamente na América Latina, só o Brasil na época não tinha alguma hq que homenageasse Lovecraft, o grupo decidiu preencher essa lacuna. Mas em todos era unanime a ideia de não só adaptar fielmente os contos do escritor de Providence, mas ir além da mera “adequação” e acrescentar um pouco da cultura brasileira misturando a mitologia cosmológica de Lovecraft.
A homenagem a Lovecraft pelo grupo antecedeu uma tendência que viria ser constante nos anos subsequentes de homenagens ao autor e várias publicações em hqs e livros que compilavam seu universo e contos. Entretanto, o que se deve salientar nessa homenagem é a ousadia na produção dessa hq. Essa hq é uma homenagem ao escritor norte americano, mas também louva a cultura nordestina e da cultura baiana de origem africana. A proposta de todas as histórias está localizada no RN, e transita pelas diversas áreas do Estado e da capital Natal. Os artistas têm a ideia de utilizar os mitos lovecrafteanos e seus mitos em histórias que transita por uma natal noturna e imersas na soturnidade, em um clima de mistério e medo. Suas esquinas sombrias e ruas labirínticas como os da cidade alta ou amplas como a avenida Salgado Filho onde a impressão de abandono está presente sendo ótimos cenários para desenrolar histórias e conflitos com o horror cosmológico.
Não pretendo aqui falar de cada artista, mas das histórias e as impressões que tive ao ler a obra. Primeiramente o que podemos constatar é a ousadia dos artistas em buscar misturar elementos cósmicos e naturais da mitologia cosmológica de Lovecraft com o folclore brasileiro que é igualmente sombrio. Essa mistura poderia ser perigosa devido o perigo de pesar a mão de um lado ou de outro do assunto, mas não é o que acontece em Lovenomicon. Dos terrores dos assassinos seriais ao portal no forte dos reis magos, o terror cósmico e o folclore se misturam e criam uma nova linguagem.
Um amalgama que consegue se manter e provocar o terror nas páginas da hq, como em Terra negra por exemplo, na qual uma comunidade de pescadores na zona norte de Natal sofrem um ataque da besta de mil crias Nyarlathotep, Em outro momento do quadrinho uma simples viagem de ônibus pode nos levar ao encontro do terror pelo fato de cruzar um trecho onde vários acidentes de carro ocorreram sem explicação. Já o poço do desespero envolve uma escavação e a descoberta de uma passagem que pode mudar tudo o que sabemos sobre a construção do forte dos reis magos. Existem outras histórias onde o terror faz o arrepio vir automaticamente.
Podemos encontrar entre as histórias de Lovenomicon outras que parece não haver conexão com o autor de Providence, como é o caso de “metamorfose”, mas que logo somos surpreendidos ao notar uma evidente ligação entre a loucura do assassino e a descoberta do alfabeto cthuliano em tatuagens de algumas pessoas. Em todas as histórias o horror ganha conotações bizarras, mas com a familiar faceta brasileira. Os artistas dessa hq não se centraram em fazer uma mera transcrição baseada nos contos de Lovecraft, criaram outro universo tomando como base a gênese dos contos e adaptando-as ao jeito brasileiro acrescentando sua cultura e mitologia locais.
Outra ousadia que poderíamos afirmar é localizar o RN como o centro dos acontecimentos bizarros e suas peculiaridades. Podemos notar que o horror pode vir de qualquer lugar e ter as mais diversas formas como numa luta religiosa entre evangélicos e umbandistas em uma das comunidades da capital natalense na história chamada O terreiro do horror. Essa história certamente uma das mais controversas, devido a clara mensagem a respeito do fanatismo ser confundido com a loucura e insuflar a atos violentos para expressar o seu amor desviado.
Enfim, o que podemos notar é que o grupo Quadro9 fez mais do que adaptar para quadrinhos a obra lovecrafteana, eles foram além conseguiram criar uma nova linguagem do terror cósmico só que em linguagem própria, fazendo surgir uma nova versão dos horror cósmico acrescentando os medos de três etnias formadoras da cultura e misoginia do país portugueses, indígenas e africanos. Fazer essa a homenagem a obra de Howard Phillips Lovecraft sem contar novas histórias e misturá-las as mitologias ameríndias e africanas, a toda a psicologia e fobias brasileiras e desperdiçar uma oportunidade de acrescentar um diferencial a mitologia ao Escritor original.
Nesse sentido, o sucesso da publicação do Lovenomicon (esgotada) e pelo ineditismo dessa homenagem no país, foi a primeira obra, que não só prestou homenagem ao Escritor pulp Lovecraft como acrescentou novas histórias a sua mitologia. Poderíamos dizer que os artistas fariam parte do círculo Lovecraft? (esse nome dá-se a todos aqueles que participaram com Lovecraft em New York e compartilhamento de sua mitologia em suas criações literárias). Obviamente, acredito que todos aqueles que utilizam e compartilham da criação do escritor de Providence podem se dizer :fazer pare do círculo Lovercraft e nisso acredito que os autores tem algumas credenciais para isso. Finalizo por aqui, valeu pela atenção e por terem lido essa reflexão sobre uma hq tão importante para os quadrinhos do RN, parabéns a todos envolvidos.