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Humanismo Virtual

Colaborador de Navegos, intrigado com a realização de uma copa do mundo em um país como o Catar, escreve sobre o mundo das virtudes e dos engajamentos virtuais e de ocasião, que temperam a cozinha insossa das relações contemporâneas.

*Alexsandro Alves

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As sinalizações das virtudes virtuais, em nosso mundo em rede, descobriram o Catar. Esse país islâmico que proíbe mulheres de irem ao estádio, que proíbe exibições de amor entre pessoas do mesmo sexo, que detesta cachorros e que tem o clube de charutos mais exclusivo do mundo, em um hotel da rede Marriot. Detalhe: mulher não entra. O Catar também é famoso pelos direitos trabalhistas: morreram milhares na construção dos equipamentos para a copa da FIFA e muitos dos que estão vivos ainda nem foram devidamente pagos.

A seleção alemã resolveu entrar com braceletes com as cores do arco-íris, como um “protesto” contra a política desumanizadora catari. Tomaram uma invertida da FIFA: se usarem esses braceletes, cartão amarelo. E “amarelaram”…

Esses “protestos” desses jogadores, que apenas servem para preencher “reels” e “status” nas redes sociais, é um exemplo do bom mocismo falso que domina a cabeça dessa geração que já nasce imersa no mundo virtual. Um protesto sério, como aqueles de antigamente, seria um boicote ao Catar e à FIFA – como ocorreu na Alemanha nazista ou na URSS. Boicote. Simples assim. Protesto de verdade.

Porém hoje, basta você preencher suas postagens com um arco-íris, ou com um livro de Evaristo, ou inserir um Munduruku, um Wapichana, um Krenak no nome e, melhor ainda, assinar o abaixo-assinado do Greenpeace contra o marco temporal, como se a entidade tivesse algum peso sobre o STF, e mostrar (compartilhar) para sua rede de amizades. Amar a humanidade é mais fácil do que amar pessoas. As abstrações garantem um não comprometimento e a internet ajuda nessa nossa “humanização impessoalizada”. Aprendemos a amar entes abstratos. E acreditamos que, no fim, o amor vence.

A copa está sendo realizada em um país homofóbico, misógino, racista, ultrapreconceituoso, fechado a qualquer diversidade ou aos direitos humanos – essas criações da cultura do malvado Ocidente! Alá não as conhece e nem os mundos não ocidentais. Uma pergunta para rasgar a consciência tranquila das bondades virtuais: será que gastaríamos nosso dinheiro com empresas que não apoiam a diversidade e nem os direitos humanos? Será que preencheríamos nosso tempo assistindo… Só se for a FIFA no Catar, aqui no Brasil, isso é fascismo! Aprendemos a dizer “sim” e “não” para as mesmas coisas.

Mas calma! Após o jogo, iremos para a internet, para as nossas redes sociais e postaremos: #foraFIFAcapitalista, #Cataropressor, #maisdiversidade, e assim, faremos nossa parte pela humanidade.