*Ricardo Vélez Rodrigues
Primórdios do Liberalismo. – A organização da nova forma de poder, baseada no sistema representativo, cuja doutrina encontra-se no Segundo tratado do governo civil (1680) de John Locke (1632-1704), fundamenta-se nas posses. Os cidadãos, para se tornarem elegíveis, deviam possuir determinada quantidade de bens, o mesmo exigindo-se dos eleitores.
A discussão da ideia liberal no Brasil seria fenômeno tardio, posterior à mudança da Corte para o Rio de Janeiro. Nesta unidade inicial serão considerados estes temas: 1 – A versão original do liberalismo; 2 – O momento pombalino; 3 – A Inconfidência e o panorama cultural na Colônia; 4 – O liberalismo radical; 5 – O liberalismo constitucional.
1 – A versão original do Liberalismo.
A ideia liberal somente veio a ser chamada de Liberalismo na segunda metade do século XIX. As ideias que constituem o fundo da fé liberal giravam em torno à liberdade e às condições políticas e sociais para garanti-la. É liberal a ideia de que o homem tem a liberdade de escolher sua vida, os seus objetivos, e de que o governo não pode negar essa capacidade.
Somente nos primeiros decênios do século XIX, quando o pensamento liberal já havia assumido inúmeros matizes na Europa, seu debate é impulsionado no Brasil, para onde se trasladara a Corte. Afora esse fato, num primeiro ciclo, a tarefa maior consistia em alcançar e consolidar a independência. Finalmente, vencida essa fase, havia que manter a unidade nacional e coexistir com um regime de produção apoiado no braço escravo.
Os séculos XVI e XVII, na história do pensamento ocidental, caracterizam-se por uma ruptura com a tradição clássica e medieval. A lei natural, que até então tinha sido concebida dentro da tradição cristã, passou, a partir de Jean Bodin (1530-1596), a ser entendida como uma manifestação não divina. A separação definitiva entre o humano e o intemporal veio a ser completada 50 anos depois da morte de Bodin, através da obra de Hugo Grotius (1583-1645).
Existe uma distinção fundamental entre as ideias de Grotius e o pensamento absolutista da época representado por Bodin e Thomas Hobbes (1588-1679). Diferentes quanto aos princípios, estes dois autores identificam-se quanto ao método, pois ambos voltam, sempre, à hipótese fundamental do contrato social.
John Locke, o pai do liberalismo inglês, aceita o ensinamento de Grotius e Hobbes, modificando o deste último e definindo, assim, pela primeira vez, o corpo básico da doutrina liberal. Como Hobbes, considera que o homem no estado natural vive em guerra, porque ainda não tem princípios morais. Para Hobbes, o governo absoluto disciplina a irracionalidade humana, identificando assim o bem comum com o bem do Estado. Locke estabelece neste ponto a diferença entre uma e outra doutrina. Para ele, a causa do bem comum reside no bem-estar individual.
Essa é a origem do individualismo de Locke, que serviria como ponto de partida para todo o desenvolvimento do liberalismo e que iria estar sempre presente nas doutrinas liberais dos últimos dois séculos, seja explícita ou implicitamente.
Ao lado de Locke, a contribuição de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) foi a mais importante para a formação da ideia liberal. A versão radical do liberalismo aparece com este último autor, para quem a política seria o reino da unanimidade, sendo, portanto, a primeira tarefa aquela que garantiria a implantação, no corpo político, da unanimidade. Na tentativa de tornar realidade esse modelo, qualquer meio seria válido para garantir a unanimidade, sendo o primeiro passo a eliminação da dissidência pelos “puros’”, aqueles que garantiriam o domínio inconteste da vontade geral, pois se identificariam totalmente com ela. Diferia a teoria de Rousseau da professada por Locke, para quem haveria espaço para a diversidade de posições na defesa dos interesses do indivíduo, sendo necessária, à construção do Estado, uma tarefa constante de obtenção de consensos entre os cidadãos.
O funcionamento do Estado liberal e os primeiros frutos políticos, econômicos, sociais e culturais da Revolução Industrial fizeram aparecer novas forças, no mercado de trabalho, além do capital. Então, dentre os próximos termos competitivos da sociedade liberal, outros tipos de exigências vieram a ser feitas. Mesmo aqueles que não tinham propriedade passaram a ter vez na direção dos assuntos da sociedade. A democracia deixou de ser uma ameaça ao Estado Liberal e tornou-se uma das suas realizações.
Dentro desse clima intelectual, pensaram e escreveram os brasileiros do século XVIII e início do XIX. Suas fontes, raramente originais, provocaram, como veremos, algumas construções esdrúxulas. O pensamento liberal no Brasil foi sendo elaborado empiricamente e também em situação política, social, econômica e cultural diferente da dos países anglo-saxões, onde melhor frutificou.
2 – O momento pombalino.
Travou-se, no século XVIII, em Portugal, uma luta entre o reacionarismo intelectual e o absolutismo monárquico e as ideias filosóficas, estéticas e políticas do Iluminismo. O humanismo, nascido precisamente das novas descobertas marítimas, alargara a visão do homem europeu. Existia uma rápida substituição de valores. Os descobrimentos retificavam conceitos e ideias que não correspondiam à realidade do mundo. A própria tradição da cultura portuguesa era empírica.
A Contra-Reforma, iniciada por dom João III (1502-1557), o “Beato” ou o “Piedoso”, rompeu com essa tradição. A Universidade de Coimbra foi entregue aos jesuítas. O estabelecimento do Santo Ofício, em 1536, veio aprofundar ainda mais a cisão com a tradição intelectual. No terreno das ideias, o empirismo até então vigente, o saber prático e operacional, foi substituído pelo culto da forma. Enquanto isto ocorria em Portugal, nos
outros países europeus o capitalismo nascente, aliado à crescente inquietude e curiosidade científica e intelectual, servia como elemento propulsor da sociedade.
Sebastião José de Carvalho e Melo (1699-1782), marquês de Pombal, primeiro ministro do rei Dom José I (1714-1777), chamado o “Reformador”, ao optar pela restauração da autoridade monárquica e a simultânea modernização de Portugal, expulsou os jesuítas e, ao mesmo tempo, atualizou o sistema pedagógico. Isto, porém, sem fazer qualquer concessão quanto à natureza do poder real. Essa reforma, na realidade, abriu para os alunos um mundo novo. Formaram-se, na Universidade restaurada, alunos mais preocupados com a realidade concreta do que com a erudição livresca e abstrata. A inteligência preparava-se para o recebimento, depois das luzes científicas, das políticas sociais.
Todo este movimento de reforma da Universidade foi vivido pelos brasileiros que estudaram em Coimbra na época pombalina. Os fundadores da nossa nacionalidade tiveram, precisamente, essa formação intelectual. Muitas das contradições ou simples conclusões ilógicas, como acontece, por exemplo, na obra de Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810), têm sua origem na formação educacional da Universidade pombalina.
Lá estudaram, nesta época, alguns dos nossos primeiros cientistas, políticos e homens de Estado. Encontramos entre seus alunos José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838), Conceição Veloso, Arruda Câmara, Câmara Bittencourt de Sá, Silva Alvarenga, Alexandre Rodrigues Ferreira, José da Silva Lisboa, Cipriano Barata, Antônio Carlos de Andrada e Silva, Hipólito da Costa, Maciel da Costa, José Vieira Couto e muitos outros.
Através desses homens, as primeiras ideias liberais foram transplantadas para o Brasil. No reinado de Dona Maria I (1734-1816), sob o qual ocorreu a fuga do Príncipe Regente, futuro dom João VI (1767-1826) para o Brasil, a temática liberal não foi plenamente desenvolvida. Contudo, as tentativas encontradas na Inconfidência Mineira (1792), na Conjuração Carioca (1794), na Conjuração Baiana (1798) e na Revolução de Pernambuco (1817) vieram mostrar que estavam sendo lançadas as raízes do liberalismo brasileiro, ideário que somente vingaria na Independência.
3 – A Inconfidência e o panorama cultural na Colônia.
O Brasil, no dizer amável de D. João VI, “era a vaca leiteira de Portugal”. O nativismo nascido no século XVII foi a primeira manifestação de sentimento coletivo e compreensão dos interesses e objetivos comuns dos habitantes da colônia. A conquista e a defesa da terra, durante os séculos XVI e XVII, marcaram o caráter doa baianos, pernambucanos e paulistas. O ciclo do açúcar criara, no início do século XVIII, uma sociedade que despertava. O ciclo do ouro, como mostra João Camillo de Oliveira Torres (1915-1973), veio criar um novo tipo de organização social. A cidade mineira apresentou características próprias, notando-se os primeiros sinais de concentração urbana. A estrutura social montada pelo explorador do ouro permitiu o aparecimento de uma incipiente classe média urbana. Alie-se ao tipo de estrutura social o fato de ir para Minas Gerais uma enorme leva de funcionários, magistrados e personagens da Corte.
Funcionando dentro dessa estrutura, surgia na cidade a classe média. Em Minas, formada por funcionários, padres e brancos não senhores; em Pernambuco, por comerciantes, padres, brancos, portugueses e brasileiros; Na Bahia, por artesãos, oficiais, soldados, padres, brancos e mulatos. Essa nova classe, com exigências próprias, principiando pela atividade comercial, iria ter o terreno onde melhor fermentariam as ideias revolucionárias do século XVIII.
A história ideológica das revoluções burguesas, no Brasil do século XVIII, processa-se dentro de um modelo político em que o Estado português, apoiado nos governadores e na aristocracia da terra, oprimia e regulava com mão de ferro todas as possibilidades de desenvolvimento autônomo do Brasil.
Estava formada a cadeia dentro da qual iria desenrolar-se a crise da Inconfidência. De um lado, o exaurimento das minas de ouro, acompanhado da política monopolística de Portugal; por outro lado, através dos doutores de Coimbra, dos padres e dos viajantes, transmitem-se para o Brasil as ideias francesas e o exemplo da Revolução Americana.
Tradicionalmente as questões de educação e cultura foram entregues à Igreja, especialmente aos jesuítas, desde o início da colonização. Este Estado incompetente absorveu, de repente, as obrigações cumpridas pelos jesuítas. Dessas escolas régias, com suas graves deficiências estruturais e pedagógicas, iria sair, para os bancos das Universidades europeias, ou para a vida prática, a primeira geração de políticos, publicistas e intelectuais brasileiros.
A reforma do ensino de Pombal iria criar uma geração brilhante de naturalistas, cientistas e homens públicos, com as limitações que a própria filosofia da reforma impunha. A incipiente ideologia que iremos encontrar na Inconfidência Mineira reflete a problemática e pouco definida situação ideológica da metrópole transplantada para o Brasil. O nativismo necessitou de muletas ideológicas, que foram encontradas na França e no exemplo americano. O individualismo possessivo vestiu ideologicamente a burguesia diante do Estado. O liberalismo inconfidente refletia, do ponto de vista econômico, a frustração da nascente burguesia nacional com o fracasso do sistema político, administrativo e social instalado por Portugal no Brasil.
Encontramos, presentes na Inconfidência, duas linhas ideológicas definidas e superpostas. De um lado, o nativismo libertário de Joaquim José da Silva Xavier, o “Tiradentes” (1746-1792), que acabou, no balanço geral do movimento, absorvido pelo iluminismo revolucionário da elite social que participou do movimento.
”O espírito do tempo” marcou os nossos inconfidentes. Parece, porém, que os conspiradores não foram além de discutir as ideias mais gerais de todo o movimento iluminista. Na colônia, o poder efetivo, contrapondo-se ao poder administrativo dos funcionários da Coroa, residia no senhor da fazenda, de terras e da casa grande. Ocorreu então o fenômeno observado por Nestor Duarte (1902-1970). O poder privado constituiu, na verdade, o poder político e, por essa razão, a conscientização da pequena elite de inconfidentes não teria a menor influência na estrutura do poder colonial.
Explica-se, assim, diante da impraticabilidade real e efetiva de realizar suas esperanças, a falta de precisão dos inconfidentes, a propósito da forma do novo Estado que desejavam estabelecer. A frágil concepção republicana seria complementada por igualmente pouco elaboradas ideias sobre a nova nação.
4 – O liberalismo radical.
Muitos dos impasses do pensamento político até o final da segunda década do século XIX devem ser atribuídos a uma formação intelectual defeituosa, na qual a razão ficava liberta das peias religiosas e da superstição científica e, ao mesmo tempo, era imediatamente canalizada para a pesquisa e descoberta do mundo natural. Nasceu daí a contradição profunda do liberalismo, na época, e que viria atingir o seu paroxismo no radicalismo do Frei Joaquim do Amor Divino Rabelo e Caneca (1779-1825).
O exemplo mais marcante desta distorção foi o próprio fundador do Seminário de Olinda, o bispo Dom Joaquim da Cunha Azeredo Coutinho (1742-1821), típico representante do homem culto do Iluminismo. Liberal nas ideias, porém, um conservador convicto. O papel desempenhado pelo Seminário de Olinda foi decisivo na evolução posterior do liberalismo em Pernambuco. Existiu, no entanto, uma aguda defasagem entre as ideias do fundador e as de seu sucessores. O liberalismo de Dom Azeredo Coutinho parava nos limites da pedagogia moderna aplicada ao estudo das primeiras letras, das ciências e das técnicas. Nos anos que se seguiram, o Seminário de Olinda transformou-se num centro gerador de ideias políticas e foi lá que se formaram os revolucionários de 1817 e alguns dos líderes do movimento da independência.
O clero, primeiro do que qualquer outra comunidade nacional, compreendeu, na época colonial, a dependência do Brasil em relação a Portugal e a Igreja firmou-se como um outro poder diante do Estado, o que viria a se refletir na participação política do clero.
Essas contradições levariam os brasileiros a tratar o problema da institucionalização do regime liberal, de forma circunstancial. A paixão política e a insuficiência teórica encaminhariam o contraditório processo de 1817 para o caminho ideológico escolhido por Frei Joaquim do Amor Divino Rabelo e Caneca, a expressão do liberalismo em sua forma mais radical.
Os pernambucanos haviam aceitado a monarquia constitucional proposta por Dom Pedro I (1798-1834), em virtude das circunstâncias do movimento da independência, mas Frei Caneca afirmava que “os povos seguem a doutrina liberal; não são obrigados a obedecer aos seus governantes, quando as ordens se chocam com as leis natural e divina”. Neste texto, Frei Caneca expressa duas ideias básicas da ideologia liberal: a – o direito à revolução; b – a representação como instrumento da vontade popular.
O conceito de representação vinha mostrar a pouca elaboração que tivera no Brasil a ideologia liberal. Frei Caneca, sentimentalmente ligado à manifestação popular, não desenvolveu o conceito de representação porque não herdou a confiança no homem comum da tradição liberal. A inadequação entre o sentimento e a ideologia atingiu seu paroxismo durante a crise de fechamento da Assembleia Constituinte, onde defrontaram-se duas forças políticas definidas; de um lado, o liberalismo, consciente da necessidade de organizar o Estado e implementar o exercício do poder; de outro, o liberalismo, que aceitara a monarquia constitucional como solução provisória e mais identificado com a ideia de república do que com a constituição de uma ordem política e social garantidora dos direitos e liberdades individuais. Dissolvida a Constituinte, Dom Pedro I envia às Câmaras Municipais o novo projeto que, outorgado por ato seu, deveria receber a sanção popular através das municipalidades.
A crítica de Frei Caneca ao Projeto de Constituição demarcou algumas teses básicas do liberalismo brasileiro. A defesa da federação viria caracterizar uma das bandeiras. O poder moderador é considerado “a chave mestra da opressão da nação brasileira e o garrote mais forte da liberdade dos povos”. Observa-se, na linhagem intelectual do liberalismo radical, a perplexidade, sempre presente, diante do exercício do poder. Enquanto isso, o problema da origem da autoridade política colocava-se com clareza e precisão.
As rupturas ideológicas que se encontram no radicalismo devem ser atribuídas, também, à necessidade imediata da ação política. O radicalismo representou, socialmente, em última análise, a expressão ideológica, levada às últimas consequências, da nascente burguesia urbana do Brasil. As construções teóricas para justificar essas aspirações falharam, muitas vezes, pelas condições em que foram transpostas e aqui interpretadas as ideias políticas e sociais da época.
5 – O liberalismo constitucional.
O liberalismo brasileiro encontrou a sua forma mais elaborada na obra de Hipólito da Costa (1774-1823) e Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846). Ali se lançaram, na verdade, os fundamentos teóricos incorporados à cultura política da época. O liberalismo brasileiro identifica-se, originariamente, como uma forma cabocla do liberalismo anglo-saxão. Nele não encontramos os anseios de democracia e igualdade existentes no liberalismo de raízes rousseaunianas. O liberalismo no Brasil não se confundiu com a liberação de uma ordem absolutista, mas com a necessidade de ordenação do poder nacional.
O papel do Estado seria o de promover o bem comum, e por isso era necessário que se fizessem reformas. Essas reformas, porém, deveriam partir do Governo e não do povo.
A ideia implícita de que tudo deveria ser feito para o povo, mas nada pelo povo, antepunha-se ao liberalismo radical expresso pelos pensadores revolucionários. Outra característica que irá informar a feição vitoriosa da ideia liberal no pensamento brasileiro é a de que cabe ao Estado papel preponderante na sociedade. A anarquia revolucionária constituía a maior ameaça ao bem supremo, à liberdade. Esta somente seria garantida quando o regime estabelecido, pela lei, pudesse ordenar os diversificados interesses políticos e econômicos vigentes na sociedade.
Esse temor fez com que o liberalismo advogasse o fortalecimento do poder através de reformas. Lutava, porém, não pelo poder absoluto, no qual a vontade real e a aristocracia constituíssem a lei magna, mas por um Estado que incorporasse o proprietário de terras, o comerciante e a burguesia urbana. Procurou-se, em última análise, a cooptação, pelo Estado patrimonialista português, de grupos sociais que terminariam por modificar a sua própria essência.
A mesma preocupação encontrada em Hipólito da Costa quanto à necessidade de institucionalização legal do poder, será desenvolvida por Silvestre Pinheiro Ferreira. A reforma da monarquia, no entanto, deveria ser feita evitando-se, sempre, a ameaça democrática.
O mesmo fator de estabilidade – a autoridade real – apontado por Hipólito da Costa e por José Bonifácio, é explicitado por Silvestre Pinheiro Ferreira. A tranquilidade do Estado e a felicidade da Nação são inconcebíveis, a não ser que a realização das reformas liberais seja feita pela autoridade monárquica. No entanto, a fidelidade à monarquia não significava a defesa dos privilégios aristocráticos, A aristocracia, fundamento do Estado patrimonial, representava, para Silvestre Pinheiro Ferreira, um fator de desequilíbrio social. O liberalismo representou a tentativa ideológica de ruptura do círculo de ferro estabelecido pela aristocracia em torno dos centros de poder. O Estado deveria ser o instrumento, pois a sorte da autoridade real – este é o ponto a assinalar – não se deveria deixar identificar com a sorte da aristocracia. No fundo, o que os liberais solicitavam era a correção dos abusos aristocráticos através da monarquia constitucional. O sistema monárquico constitucional teria o seu funcionamento baseado na representação política. A representação seria, portanto, o meio de controle do poder executivo, sendo essa função exercida, principalmente, na atividade que mais diretamente incidia sobre os interesses econômicos da burguesia, isto é, a função tributária. Este sentimento do papel restrito da representação política é que provocou o choque havido, na Assembleia Constituinte de 1823, entre radicais e liberais.
Os liberais, dentro das linhas doutrinárias comuns à época, distinguiam o Poder Constituinte do Poder do Monarca. Este último antecedia o Poder Constituinte e tivera sua origem no pacto originário da monarquia brasileira, quando o povo, reunido em praça pública, solicitara ao Príncipe Dom Pedro, que ficasse no Brasil.
Nascia, nas discussões da Constituinte, a ideia de que a representação nacional era o poder maior.
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