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Introdução ao pensamento político brasileiro [III]

Navegos publica mais uma etapa do curso sobre a formação do pensamento político brasileiro aborda o tema o Poder Moderador pelo professor Antônio Paim e se completa, na próxima edição com As origens ideológicas da Propaganda Republicana, exposição do próprio Vélez.

*Ricardo Velez Rodríguez

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O Poder Moderador, parte da nossa aula de hoje, constará dos seguintes itens: 1- As instituições imperiais; 2 – A justificativa conservadora; 3 – A justificativa liberal; 4 – A Geração de Setenta; 5 – A atualidade da questão.

1 – As instituições imperiais.

À geração que fez a Independência competia criar as instituições do sistema representativo, matéria na qual não dispunha da menor experiência. Os dois primeiros decênios da nova situação foram extremamente dramáticos devido, sobretudo, ao fato de que a elite fracionou-se nas mais variadas opiniões. A Constituição de 1824 optou pela manutenção do arcabouço institucional herdado da monarquia absoluta, nele enxertando mecanismos atenuadores de seu poder, até então ilimitado. Com a abdicação de D. Pedro I, a elite parece inclinar-se, francamente, por uma experiência republicana. Outro não é o sentido do dispositivo do Ato Adicional votado em 1834, no qual se determina a eleição do Regente. A experiência não seria bem-sucedida. Tiveram prosseguimento as desordens e insurreições nas províncias. O governante mais forte do período, o Regente Diogo Antônio Feijó (1784-1843), renunciou ao mandato.

Não amadurecera suficientemente a compreensão de que a questão nuclear consistia em organizar a representação, reconhecendo a diversidade e a legitimidade dos interesses e zelando para que fossem criados obstáculos a que determinado interesse tivesse condições de sobrepor-se aos demais.

Na fase de regência anterior à eleição de Feijó, estiveram no poder os moderados, então denominados chimangos. A oposição fracionou-se em dois grupos: os exaltados (radicais, federalistas extremados, promotores da Revolução Farroupilha e de outros levantes provinciais) e os caramurus (restauradores, que sonhavam com a volta de D. Pedro I). Com o falecimento do antigo monarca, em 1834, desaparece a razão de ser do Partido Caramuru. Nesse ano é votado o Ato Adicional e os exaltados, em parte vitoriosos, voltam-se para o processo eleitoral. Com a eleição de Feijó constituiu-se o Partido Progressista, que daria origem ao Partido Liberal.

A oposição a Feijó denominou-se, inicialmente, de regressista. Seus elementos, granjeando o apoio de antigos caramurus e outros descontentes, dariam origem ao Partido Conservador. Ambos eram, sobretudo, blocos parlamentares, a exemplo das agremiações políticas então existentes em outros países. Além disso, predominaram os elementos moderados, tanto entre conservadores como entre liberais.

Entre outras coisas, a questão do Poder Moderador faculta compreender o tipo de divergência que separava liberais e conservadores.

Tudo leva a crer que Pedro I somente aceitaria texto constitucional que lhe outorgasse prerrogativas aptas a assegurar a sua supremacia sobre a Assembleia. A ideia de dar-lhe a denominação de Poder Moderador e a forma de que se revestiu a Constituição de 1824 parecem ter surgido na Constituinte, quando da discussão do Regimento.

A ideia parece ter, desde logo, agradado a Pedro I, que nela terá visto uma fórmula para preservar os seus poderes, ainda que a monarquia se revestisse de forma constitucional. No texto da Constituição de 1824, promulgada após a dissolução da Assembleia Constituinte, adotou-se esta fórmula: “Os poderes políticos reconhecidos pela Constituição do Império do Brasil são quatro: O Poder Legislativo, o Poder Moderador, o Poder Executivo e o Poder Judicial”. As funções do Poder Moderador acham-se enunciadas como segue:

“Artigo 98. O Poder Moderador é a chave de toda a organização política e é delegado privativamente ao Imperador, como chefe supremo da nação e seu primeiro representante, para que incessantemente vele sobre a manutenção da Independência e harmonia dos mais poderes políticos. Artigo 99. A pessoa do Imperador é inviolável e sagrada. Ele não está sujeito a responsabilidade alguma. Artigo 100. Os seus títulos são: Imperador constitucional e defensor perpétuo do Brasil, e tem o tratamento de majestade imperial. Artigo 101. O Imperador exerce o Poder Moderador: 1 – nomeando os senadores, na forma do Artigo 43; 2 – convocando a Assembleia Geral extraordinariamente nos intervalos das sessões, quando assim o pede o bem do Império; 3 – sancionando os decretos e resoluções da Assembleia Geral para que tenham força de lei; 4 – aprovando e suspendendo interinamente as resoluções dos Conselhos Provinciais; 5 – prorrogando ou adiando a Assembleia Geral e dissolvendo a Câmara dos Deputados, nos casos em que o exigir a salvação do Estado, convocando imediatamente outra, que a substitua; 6 – nomeando e demitindo livremente os ministros de Estado; 7 – suspendendo os magistrados, nos casos do artigo 15; 8 – perdoando e moderando as penas impostas aos réus condenados por sentença; 9 – concedendo a anistia em caso urgente, e que assim aconselhem a humanidade e o bem do Estado”.

O tema polarizou as atenções na década de trinta. Parte da elite inclinava-se, então, pelo regime republicano. Vigorou, entretanto, uma solução de compromisso, que consistia no fortalecimento do poder central em mãos de uma autoridade selecionada entre os políticos, sem entretanto abolir a monarquia. Essa situação manteve-se até o Regresso, quando prevalece a opção pelo regime monárquico.

Nas décadas de quarenta e cinquenta não é atribuída maior relevância ao tema. A eleição de 1869 iria suscitar, de forma inteiramente nova, a questão do Poder Moderador. A exigência do referendo dos atos do Poder Moderador acabaria sendo a bandeira dos liberais nas três últimas décadas do Império. A discussão travar-se-á entre a fundamentação conservadora e a fundamentação liberal.

A ideia do Poder Moderador parece haver adquirido o máximo de prestígio nos anos sessenta. A sua identificação com o poder pessoal e arbitrário, que emergira em decorrência do resultado eleitoral de 1860, passa a segundo plano. O início da curva descendente pode ser encontrado na queda do Gabinete Zacarias, em 1868, precipitando o Partido Liberal na oposição por longos anos e facilitando a união de forças, que acabaram desaguando na ideia republicana.

2 – A justificativa conservadora.

O ecletismo espiritualista corresponde à principal corrente de filosofia estruturada no País, após a Independência. Essa filosofia familiarizou a elite imperial com algumas teses que a habituaram à flexibilidade mental, despertando a sua capacidade criativa. As duas mais importantes obras publicadas no período acerca das instituições – os livros de José Antônio Pimenta Bueno (1803-1878) e de Paulino José Soares (1807-1866), o Visconde de Uruguai – obedecem à inspiração eclética. A argumentação de Paulino José Soares em defesa do Poder Moderador consiste em invocar o papel que desempenha em benefício da harmonia do sistema. A experiência aconselharia que não se constituíssem poderes exclusivos, nem do lado da representação, nem do lado da monarquia. O Poder Moderador correspondia ao fiador do equilíbrio.

Segundo o Visconde de Uruguai, “as atribuições do Poder Moderador são essenciais em qualquer organização política. Não podem deixar de existir nela, em maior ou menor grau, mais ou menos extensas ou restritivas, distribuídas pelos diferentes poderes, ou reunidas em um”.

É sem dúvida neste sentido que diz Benjamin Constant de Rebecque (1767-1830) que o direito de manter o que existe pertence, necessariamente, ao Poder Real e o constitui autoridade neutra e preservadora; e que o direito de propor o estabelecimento do que ainda não existe pertence ao Poder Ministerial, ao Executivo. É o poder do movimento.

O tradicionalismo político não chegou a adquirir maior expressão no Império Brasileiro, ao contrário de Portugal, onde correspondia ao núcleo fundamental do agrupamento conservador. Mais tarde, o tradicionalismo político português vinculou-se abertamente ao miguelismo e encontrou seu grande teórico em José da Gama e Castro (1795-1873), que vivera no Rio de Janeiro, onde publicou sua obra fundamental – O Novo Príncipe (1841).

Os tradicionalistas brasileiros adaptaram-se ao sistema monárquico constitucional instaurado no País, sobretudo pelo fato de que este preservara a aliança com a Igreja, ao contrário do que ocorreria em Portugal. Limitavam-se a contrapor-se ao racionalismo em geral e ao ecletismo em particular. O artífice dessa linha de atuação seria D. Romualdo Seixas (1787-1860), Primaz do Brasil desde fins dos anos vinte, sendo Pernambuco um dos poucos lugares onde os tradicionalistas tinham grande ascendência sobre a intelectualidade. Sua defesa do Poder Moderador cifra-se na doutrina da necessidade imperativa da existência de um poder supremo, colocado acima de todos os outros, ao qual não se recusa a chamar de absoluto.

O texto de Braz Florentino Henriques de Souza (1825-1870) intitulado: Do Poder Moderador: ensaio de direito constitucional evidencia o quanto a sua linha de argumentação se distancia da fundamentação eclética, antes apresentada: “Na verdade – frisa o autor – qualquer que seja a forma de governo – monárquico, aristocrático, democrático ou misto – é sempre absolutamente necessário, segundo a observação das mais elevadas inteligências, que haja ali um poder supremo, a cujas decisões todos sejam submissos, um poder ‘absoluto’ que julgue em última instância, e que por ninguém possa ser julgado”.

3 – A justificativa liberal.

No seio do sistema representativo, por toda parte onde surgiu, apareceram duas grandes facções, geralmente denominadas de conservadoras e liberais. A denominação deste último tipo não significa que encarne, preferentemente, o ponto de vista do sistema representativo. Na verdade, tanto conservadores, como liberais encontram-se nos marcos do liberalismo, isto é, daquela corrente de pensamento político que se bateu pela adoção de uma Constituição e pela eliminação do poder absoluto do Monarca. No Brasil, a grande divisão que se estabeleceu logo seria entre radicais e moderados. O processo de constituição dos partidos políticos compreende o isolamento dos radicais. Os moderados é que se fracionariam em conservadores e liberais.

O liberalismo pretendia o fracionamento do poder do monarca, em nome da diversidade de interesses vigentes na sociedade, partindo da comprovação histórica de que a nobreza ou o funcionalismo burocrático não os representava. Semelhante conceituação aparece, no País, desde os primórdios da discussão da ideia liberal, em especial na obra de Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846).

O liberalismo radical partia de consideração diversa. Animava-o a convicção de que os tempos modernos conduziriam os povos à sociedade racional. A educação faria de todos os homens seres morais. O obstáculo a semelhante propósito era a monarquia. Desse esquema simplista resultaria a tese de que os pontos de vista divergentes não podiam coexistir no mesmo território. Se o Rio de Janeiro preferia o ponto de vista monárquico, as províncias deveriam separar-se. Assim, em nome do liberalismo, chegava-se a uma proposta de fracionamento do País. A ideia da Confederação do Equador e da República Farroupilha ameaçava fortemente a unidade nacional. E em nome desta é que a elite moderada conseguiu isolar o liberalismo radical.

A descentralização administrativa, em vista da vastidão do território, era reconhecida como imperativa, do mesmo modo que a mais adequada distribuição das receitas provenientes de impostos. Em nome de tais princípios, em torno dos quais ia se formando o consenso, aparece a proposta de se constituir a “monarquia federativa”. O ato votado em 1834 facultaria uma autêntica experiência republicana, sem entretanto revogar a estrutura institucional inserida na Carta de 1824. O fracasso da experiência com o Regente Feijó, corresponderia a um golpe no liberalismo radical. Deste modo, nos três primeiros lustros subsequentes à Independência, emerge o centro liberal, equidistante dos que sonhavam com um monarca forte, como daqueles que aspiravam à abolição da monarquia.

Os elementos moderados, afinal vitoriosos, é que se fracionariam em liberais e conservadores. A prática governamental, nas décadas de 40 e 50, acabaria virtualmente confundindo-os, a ponto de dizer-se “que nada há mais parecido a um conservador do que um liberal no poder”. Essa circunstância deveu-se, em grande medida, à chamada política de conciliação, subsequente ao Regresso. Paulatinamente, entretanto, nas décadas restantes do Segundo Reinado, ao liberais elaboram plataforma distinta dos conservadores. Uma das principais diferenças radicava na conceituação do Poder Moderador. A interpretação liberal emergiria nos começos da década de sessenta, quando intervenções do Imperador, no cumprimento de atribuições do Poder Moderador, são identificadas com o arbítrio do poder pessoal.

4 – A Geração de Setenta.

Nos começos da década de 70, o País foi varrido pelo que se convencionou denominar de “surto de ideias novas”. Sílvio Romero (1851-1914) definiu-o desta forma: “De repente, por um movimento subterrâneo, que vinha de longe, a instabilidade de todas as coisas se mostrou e o sofisma do Império apareceu em toda a sua nudez. A Guerra do Paraguai estava a mostrar, a todas as vistas, os imensos defeitos da nossa organização militar e o acanhado de nossos progressos sociais, desvendando, repugnantemente, a chaga da escravidão; tudo se põe em discussão: o aparelho sofístico das eleições, o sistema de arrocho das instituições policiais e da magistratura e inúmeros problemas econômicos”.

O ponto de referência do novo ciclo parece ter sido a crise governamental de 1868, quando os liberais são afastados do poder e o Imperador constitui um gabinete conservador, ao arrepio da maioria parlamentar. Nesse quadro, o tema do Poder Moderador servia apenas de pretexto para a crítica demolidora da monarquia. Expressa-o Tobias Barreto (1839-1889) ao escrever, no auge daquele clima, não descobrir naquele tema “o que seja capaz de interessar aos espíritos que, uma vez adquirido o senso das grandes coisas, recusam pagar tributo às frivolidades do dia”. O propósito do pensador sergipano é muito mais o de propagar as novas ideias do que, efetivamente, proceder à avaliação crítica da obra de autores brasileiros dedicados ao assunto. Contudo, é essencial considerá-la, porquanto a falta de perspicácia, que revela, (para compreender as razões profundas pelas quais exigiu a sociedade um poder colocado acima das instituições do sistema representativo), teria curso, ao longo do período republicano, determinando que a instância moderadora acabasse sendo improvisada no bojo das crises.

A argumentação de Tobias Barreto desdobra-se em dois segmentos. No primeiro, afirma que o governo parlamentar é uma criação inglesa resultante do desenvolvimento histórico daquela nação, estando fadadas ao fracasso as tentativas brasileiras de copiá-lo, porquanto não se podem reproduzir aqui as condições que lhe deram origem. O segundo segmento da argumentação resume-se à crença de que a ciência pode desvendar a “lei” do curso histórico brasileiro. Essa crença não se sustentaria na sua obra posterior. Para fazer justiça a Tobias Barreto cumpre indicar que, mesmo na fase cientificista, jamais desceu a qualquer espécie de materialismo.

Tobias Barreto distingue governo parlamentar de constitucionalismo. Para ele, o governo parlamentar inglês é a expressão exterior de algo profundamente arraigado em tradições. Afirmaria a propósito: “O regime parlamentar dos ingleses é um regime segundo as leis e por meio das leis. O que nos apraz designar pelo nome de constitucional, ali é simplesmente legal. As leis, por que se regula o exercício da autoridade pública, têm adquirido uma extensão crescente desde o tempo da Magna Carta (1215). O direito administrativo inglês, baseado em inúmeros estatutos do Parlamento e milhares de leis, forma a parte desconhecida da Constituição do Estado. O que mais importava conhecer da organização política, foi justamente aquilo que se deixou de lado. Como os próprios juristas nacionais, que têm a procurar nos papéis do Parlamento, em número de mais de dois mil infólios, a matéria e os motivos das leis vigentes, não poderiam acomodá-los à compreensão do estrangeiro, só restava, para seguir-se, este alvedrio: – considerar não existente a porção desconhecida do direito público inglês. Daí resultou que todos os trabalhos de cultura e transplantação se concentraram no que havia de mais superficial. Destarte, a composição das duas câmaras, o direito eleitoral ativo e passivo, os modos de eleição, os direitos do Parlamento, sua influência sobre o gabinete (…) eis o que tem ocupado, desde os tempos de Montesquieu (1689-1755), a sociedade europeia”.

Em seu ensaio Tobias Barreto examina, de forma pormenorizada, as características peculiares da evolução cultural e política da Inglaterra. Os acréscimos de 1883 tiveram, mais que tudo, este propósito. Em síntese, a sua conclusão é a seguinte: ”De feito, admitidas as premissas, nem eu concluiria que tudo deve ser confiado à bondade do rei, nem também, como é fácil inferir, que a Constituição se ressente de vícios e lacunas capitais. Minha conclusão seria outra. O Governo do Brasil não pode ser parlamentar, à maneira que oferece a terra dos Pitt e dos Palmerston; porquanto esse regime supõe ali uma penetração recíproca do Estado e da sociedade, que em geral, nos outros países vivem divorciados. O Governo do Brasil não pode ser tal, atento [ao fato de que] que o sistema inglês é resultado de um germe poderoso, deposto pela Providência, isto é, pela mesma índole do povo, no largo ventre de sua história”.

5 – A atualidade da questão.

No esquema imaginado por Locke no Segundo Tratado do Governo Civil (1690), os poderes do sistema representativo seriam o legislativo, o executivo e o federativo. Parecia-lhe que o legislativo não precisaria dispor de existência permanente, cabendo-lhe reunir-se periodicamente para elaborar as leis. O executivo é que funcionaria ininterruptamente. Sem embargo, proclama que o legislativo é o poder supremo, cabendo ao executivo tão-somente cumprir seus ditames. O poder federativo ocupar-se-ia da segurança externa e das relações com outros países.

A experiência do meio século de funcionamento do Parlamento inglês seria resumida por Montesquieu, quando então se populariza a doutrina dos três poderes. Ao transplantar-se o sistema inglês para outros países – sobretudo de tradição católica – tornou-se imprescindível explicitar algo que se achava implícito na experiência social da Inglaterra: a existência, na sociedade, de uma esfera que não está sujeita à barganha ou à disputa político-partidária. Quando se criou, na Inglaterra, o sistema representativo, supunha-se que todas as questões atinentes à convivência social inseriam-se em sua esfera de competência. A prática e a discussão pública levaram à dissolução do nexo entre moral social e religião. Fixada a independência da moralidade social em face da religião, o debate teria lugar em torno de critérios segundo os quais a sociedade sanciona os princípios e as regras morais.

Sobretudo, depois da Revolução Francesa, emerge no Continente a consciência clara de que algumas questões extravasam a competência, seja do Príncipe, seja dos Partidos que compõem o Parlamento. A principal delas seria a conservação do próprio sistema representativo. Assim, a faculdade de dissolver o Parlamento adquiriu extrema magnitude. Dessa forma, embora o instituto do Poder Moderador tenha sido enxertado na Constituição Brasileira de 1824, para atender ao autoritarismo de D. Pedro I, o tema revestia-se da maior importância, nos destinos do sistema representativo em nossa terra. Silvestre Pinheiro Ferreira é, sem dúvida, o pensador que mais de perto apreendeu a singularidade da experiência social inglesa e, por essa razão, buscou diluir a competência, naquela matéria, que ultrapassava a política partidária, e que definiu como dizendo respeito à guarda dos direitos dos cidadãos e à independência e harmonia dos poderes públicos. A isso denominou de Poder Conservador.

A doutrina do Poder Conservador de Silvestre Pinheiro Ferreira não seria adotada pela elite imperial que o seguiu em diversos outros passos. A par disto, a prática do Poder Moderador acabaria obscurecendo a questão magna da moral social. O país não chegou a criar os mecanismos requeridos pelo estabelecimento do consenso nas questões relativas àquela esfera, mecanismos que foram substituídos pelo magistério moral do Imperador e da Igreja Católica. Os críticos da Monarquia Constitucional brasileira, em especial a geração de 1870, tampouco contribuíram para situar o tema de forma adequada. Na verdade, acabaram regredindo aos primórdios da prática do sistema representativo, quando se desconhecia a magnitude dos problemas que ultrapassavam a competência da política partidária, como a integridade do território, a manutenção do sistema representativo, etc. Ao longo da República, toda vez que tais princípios estiveram em perigo, considerou-se legítima a intervenção das Forças Armadas, sem que, entretanto, o tema tivesse ensejado discussão teórica.

A Escola Superior de Guerra, ao identificar o que denomina de objetivos nacionais permanentes, contribuiu, sem dúvida, para delimitar aquela esfera que, correspondendo às aspirações supremas da Nação, ultrapassaria os simples limites da política partidária. Contudo, não se preocupou em determinar as formas de seu estabelecimento, contentando-se com vagas alusões à tradição, sem enfatizar o papel do consenso, nem deter-se no exame de seus possíveis mecanismos. Além disso, a hierarquia de tais objetivos não é dada automaticamente a partir do seu simples enunciado, como bem o demonstrou o professor José Alfredo Amaral Gurgel (1929-2012) [Cf. Gurgel, 1976]. Por tudo isto, a questão do Poder Moderador preserva inteira atualidade.

Foto O filósofo Antônio Paim [reprodução]