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Ítalo Calvino e a literatura

Em fragmento de seu livro O escrivão de Chatham, ainda inédito, Fundador de Navegos descreve o relacionamento de um dos maiores escritores do nosso tempo com a literatura, vista como a “Terra Prometida”.

*Franklin Jorge

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Ítalo Calvino viu a literatura como a “Terra Prometida” em que a linguagem se torna aquilo que na verdade deveria ser — mais que uma superfície –, um campo lavrado, não de maneira casual e descuidada, porém segundo exigências capazes de traduzir as “nuanças do pensamento e da imaginação”.

Ele o diz na terceira das seis conferencias que faria no Massachussets, a convite da Universidade de Harvard, em 1985-86, como escritor visitante daquele ano letivo que foi também o da sua morte.

Como sabemos, Calvino chegou a escrever cinco das seis conferencias previstas, posteriormente reunidas por sua mulher, Esther Calvino, no livro “Seis Propostas Para o Terceiro Milênio” (Cia. Das Letras, São Paulo, 1990). A última, que não chegou a escrever, versaria sobre a Consistência. As demais abordam os seguintes temas: 1) Leveza; 2) Rapidez; 3) Exatidão; 4) Visibilidade e 5) Multiplicidade. Todas relacionadas com o processo da criação literária.

Escritor italiano, nascido em 1923 em Santiago de La Veja, Cuba, morreu em Siena quando se preparava para viajar para a América em atendimento ao honroso convite de Harvard.

A exatidão, segundo Calvino, prevê pacientes e minuciosos ajustamentos – à maneira de Borges –, para resultar, no caso do texto literário, no que é: algo cristalino, sóbrio e arejado, sintético e esquemático, que conduz a uma linguagem tão precisa quanto concreta.

Pertence Ítalo Calvino àquela maçonaria de escritores que conseguem ser além de criadores literários, críticos, autocríticos e metacríticos. Artistas, enfim, cônscios do que criam. Por isso, pode afirmar após quarenta anos escrevendo ficção, que

“(…) logo me dei conta de que entre os fatos da vida, que deviam ser minha matéria-prima, e meu estilo que eu desejava ágil, impetuoso, cortante, havia uma diferença que eu tinha cada vez mais dificuldade de superar. Talvez que só então estivesse descobrindo o pesadume, a inércia, a opacidade do mundo – qualidades que se aderem logo à escrita, quando não encontramos um meio de fugir delas”.

Como explorador e artífice que nunca é vago ou aleatório em seus desígnios, Calvino mergulha no universo infinito da literatura. Apressa-se, pois, lentamente, atormentado, como Baudelaire, pelo demônio da lucidez. Em busca da “escrita breve” expõe seu conceito de literatura total, conjectural e multíplice, decodificado nos valores que, segundo afirma ao referir-se a Valéry – tanto admira, sobretudo por seu rigor –, gostaria que fossem transferidos para a própria escritura.

Entre esses valores está principalmente este:

“(…) o de uma literatura que tome para si o gosto da ordem intelectual e da exatidão, a inteligência da poesia juntamente com a da ciência e da filosofia”. 

 Uma literatura, em resumo, tão precisa quanto concreta constitui o seu legado para o Milênio. Uma literatura, como diria Calvino, que tomasse a escrita como modelo de todo processo do real e mesmo como toda realidade cognoscível, ou, ainda, a única realidade possível.