*Franklin Jorge
Fundador do Teatro Moderno no Rio Grande do Norte, Jesiel Figueiredo marcou uma época em Natal, sobretudo como empreendedor cultural, diretor e formador de plateias e, por fim, como professor, oficializando assim uma vocação que engrandecia o seu talento cênico.
Creio que é herança deixada por Jesiel essa ampla e crescente acolhida do teatro pelo natalense; essa predisposição para o teatro é, em grande parte, fruto do trabalho de um homem que, por 20 anos, sem descanso e sem desanimar-se com obstáculos e humilhações que sublimava em função do seu amor ao teatro, plantou num público infantil o gosto por essa magia a que os atores dão vida e faz do público partícipe. Este germe cultural Jesiel inoculou em milhares de crianças que passaram a frequentar, todos os domingos, o único programa destinado a crianças então existente.
Bom diretor e ator sofrível, Jesiel realizou admirável trabalho de educador. Utilizou o teatro em seu mais rico espectro, como parte de um processo educativo que nos tem dado bons frutos, entre os quais, o empenho em formar plateias a partir da criação de um “teatro infantil” regular, apresentado o ano inteiro, fomentando assim entre as crianças e seus pais o habito do espetáculo. Hoje, já não nos podemos queixar da inexistência de público. O que inibe e atrapalha significativa parcela do público de teatro – parafraseando Shakespeare – é o preço do ingresso!
Durante duas décadas, todos os domingos, havia em Natal um programa que alimentava a fantasia de um público fiel e participativo, o “teatro infantil de Jesiel”, um sucesso permanente, exemplo de persistente abnegação, um fato memorável na crônica do Teatro Alberto Maranhão. E tudo isso numa época em que não se cogitava de profissionalismo, fez Jesiel do teatro meio de vida e lutou pelo direito do artista ao trabalho.
Hoje o seu nome, entre nós, está esquecido ou pouco lembrado; e creio mesmo que, diante de tão grande desapreço pela Cultura – pela cultura que é conhecimento -, seriam poucos a saber redimensionar a grandeza dessa contribuição de Jesiel Figueiredo ao Teatro e a todo esse processo que se traduz em um habito salutar que tem assegurado a ida do natalense às salas de espetáculos, como opção de lazer e divertimento.
Artistas Unidos, seu grupo, fez experiência pioneira, despertando nosso teatro ate então provinciano, caudatário de uma cultura circense de dramalhões sentimentais ou de comédias ligeiras e insípidas, para uma dramaturgia nova que expulsou de vez dos nossos palcos o amadorismo tosco ou o comodismo prático de dois entre três grupos de teatro. Saímos, com Jesiel, do teatro digestivo para um teatro de ideias que incentivava ao pensamento e à reflexão. Assim, deu-nos em espetáculos marcados por profissionalismo, peças de autores como Albert Camus (“Calígula” que lhe daria o Prêmio de Direção no V Festival Nacional de Arcozelo/RJ, em 1968), Shakespeare, Eugene O´Neil, Molière, Sófocles, Nelson Rodrigues, Antonio Callado etc. difundiu entre nós os clássicos e os contemporâneos. Empenhou-se em dar-nos, em panorâmica, uma cartografia do teatro em sua pluralidade de gêneros e estéticas.
Ainda me lembro do deslumbramento que senti ao descobrir sua biblioteca, constituída por uma sucinta e bem escolhida bibliografia especializada e, naquela época, quase inacessível aos curiosos do teatro. Lá, deparei-me com a mais seleta e representativa dramaturgia contemporânea. Generoso, permitiu-me que lesse tudo aquilo, sem restrição alguma. Li e reli avidamente todas aquelas obras, inclusive a parte relativa aos estudos dramatúrgicos e técnicos que me descortinaram a estética, as ideias e a formação cultural de consagrados diretores, como Stanislavski, Meyerold e Brecht. Fiquei por dentro do teatro clássico e moderno e, em alguns momentos, pude acompanhar o seu processo de trabalho, como diretor, desde a concepção do espetáculo à preparação do ator e encenação. Foi, nesse âmbito, um dos meus mestres.