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Jó e o problema do mal

Colaborador de Navegos aprofunda sua leitura do Livro de Jó, relacionando-o com o pensamento de filósofos que analisaram as ilações do mal.

*Alexsandro Alves

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Ainda dentro da questão do problema do mal em Jó. Para Epicuro, a atitude de nos angustiarmos com nossos sofrimentos, é uma atitude de afastamento da natureza. O homem, segundo o filósofo, nasce para o prazer. Esse prazer não é, contudo, o dos excitamentos violentos, dos desejos impetuosos. Mas é um prazer egoísta, mesmo quando doa: “Deveis dar prazer a fim de receber prazer. Não deveis infligir qualquer injúria, se não desejais sofrer qualquer injúria. Vivei e deixai viver, porque o mais sensível meio de ser egoísta é não se egoísta. Sereis vosso melhor amigo sendo um bom amigo para os outros”. Da mesma forma, Epicuro proclama um deus que, mesmo todo-poderoso, não tem a preocupação de interferir no sofrimento humano, por ser, ele, desinteressado. Assim deve ser o homem também. Ansiedade gera sofrimento, e sofrer não é o destino dos seres humanos.

Essa negação do sofrimento está na atitude de Jó que, assim como para Epicuro, parece entender a questão do problema do mal enquanto questão ética e não tanto metafísica. Não como uma negação tácita, porque Jó sabe que sofre. É que Jó encontra, mesmo no sofrimento, prazer. Há um “ethos” para se sofrer, e Jó o conhece, ele sabe sofrer.  E ainda encontra uma justificativa para o sofrimento: “Receberemos de Deus o bem, e não receberemos o mal?”. Nesse ponto, Jó parece entender a divindade conforme o entendimento grego: os deuses são doadores tanto do bem quanto do mal. Mesmo que Tomás de Aquino ou Agostinho discordem, no mínimo Deus permite o mal, e isso é evidente logo nos primeiros capítulos de Jó, no diálogo inicial entre Adonai e Satã.

Agostinho compreende o mal enquanto unidade ontológica da formação do homem: em outras palavras, o mal é produzido pelo homem, a origem do mal não é divina, é apenas humana. Mesmo que todas as criaturas de Deus sejam boas, elas são corruptíveis. Jó sofre por ser homem, corrompido, o mal está nele como está em qualquer outro humano. Agostinho leva a questão para terrenos metafísicos. E assim, a solução é também metafísica: aproximando-se de Deus, o mal terminaria. A grandeza, uma delas, do Livro de Jó, é dialogar com a multiplicidade de doutrinas filosóficas. Ao lê-lo, saltam de suas páginas diferentes escolas, mas há uma unidade em Jó, e ela é literária. O livro é escrito em um ritmo que lembra o da poesia. E é poético, de fato. é escrito em uma poesia de grande valor, de alto valor simbólico e riqueza imagética profunda. Por isso que aceitamos certas disparidades filosóficas: o livro é bem escrito, eis tudo.