*Percival Puggina
No último dia 2, vivi um ato penitencial assistindo a sequência de infortúnios do jogo entre Ceará e Internacional. Sim, sim, leitor: gosto de assistir bons jogos de futebol e sou torcedor do Internacional.
Enquanto as atropeladas e as infrações coletivas se sucediam com vigorosas reciprocidades e degeneravam em trombadas e empurrões, ficou nítida, para mim, a analogia entre o visto em campo e o observado dentro e fora das “quatro linhas” de nossa institucionalidade.
No gramado do Castelão, minutos antes do final do jogo, o comentarista já contabilizava 40 infrações (após, houve várias outras e uma expulsão), perfazendo média de uma a cada 2 minutos. Basicamente, é o que acontece no Brasil, onde membros do Congresso Nacional e do STF jogam contra a sociedade, chutam-lhe as canelas e atropelam a ordem jurídica em casuísmos de fazer inveja ao general Golbery.
No gramado, atletas encenavam, frequentemente, aquela coreografia costumeira destinada a impressionar a arbitragem e a torcida. Cobriam os rostos aos berros, como se tivessem os olhos vazados, ou, se o choque era contra o corpo, rolavam sobre si mesmos várias vezes. Se isso não chamasse toda a atenção pretendida, voltavam a acrescentar mais duas ou três voltas sem que qualquer força externa os movesse da posição anterior. Jogos de cena.
Na cena política, notórios ladrões proclamam sua honestidade. Maus julgadores explicam o insustentável dizendo agir contra riscos inerentes a uma sociedade de bárbaros. Atacam liberdades alegando defender a democracia, logo ela, que nasce da liberdade e definha em sua ausência. Jogos de cena.
Como os inquéritos no STF sobre atos antidemocráticos tramitam em sigilo, a gente não sabe por que, há três anos, rolam em campo, queixosos, alguns senhores ministros. Jogos de cena.
Durante a votação da PEC que estabeleceu estado de emergência para auxílios a caminhoneiros, motoristas, famílias carentes, etc. vários senadores oposicionistas também rolaram em campo. Diziam-se agredidos em suas mais nobres e rígidas convicções sobre uso do dinheiro público… Apelidaram a PEC de “Kamikaze”. Acusaram o governo de populismo eleitoreiro. No final, de modo hipócrita, aprovaram-na em dois turnos com apenas o voto em contrário do senador José Serra. Pelos mesmos motivos do governo, apoiaram a PEC que coreograficamente rejeitavam. Jogos de cena!
É o futebol que imita a política ou é a política que imita o futebol muito mal jogado?