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Jornalismo & Literatura [II]

Navegos reproduz importante bibliografia de publicações coletadas pelo secretário emérito da União Brasileira de Escritores- Seção do Rio de Janeiro, bibliotecário e criador do Portal Tiro de Letra, que presta assim grande serviço à cultura brasileira.

*José Victor Domingos

[email protected]

2000

MEDICI, Ademir. Literatura & memória. E jornalismo… In: Literatura & memória. Santo André: Departamento de Cultura, Prefeitura de Santo André (SP).  p. 39-46.

Breves reflexões sobre a crônica e seu caráter literário: “Eram literatos aqueles cronistas. Faziam a mais terna literatura que se tem conhecimento passando por cima do `leads` importados do nosso jornalismo e dos preciosismos às vezes chatos dos acadêmicos”. Relato sobre a experiência própria do autor na redação do Diário do Grande ABC, no início dos anos 1970, onde o diretor Fausto Polesi mandava as seguintes dicas de uma pauta qualquer:

“Vera – ir à praça Kennedy (Vila Bastos) e fazer bela e romântica reportagem sobre a praça, que está floria e linda de morrer. Os lírios amarelos contrastam com o verde do gramado, compondo um poema de beleza, que merece uma alma sensível, para traduzir em palavras. Vá ao local, porém bem cedo, porque as flores estão dando sopa e hoje é véspera de Finados. Vamos localizar a praça, antes e depois do rapa… se houver, o que acredito piamente. Levar fotógrafo e compor com uma criança, de preferência, aquelas fotos”.

Apresentação de alguns grandes jornalistas, com elevado senso literário, que passaram pelo jornal e da importância do jornalismo escrito para a preservação da memória. Conclui que “literatura, memória e jornalismo caminham lado a lado. Cruzam-se entre si. Buscam explicações e caminhos”.

2002.

CASTRO, Gustavo de; GALENO, Alex (orgs.).  Jornalismo e literatura: a sedução da palavra. São Paulo: Escrituras, 2002.

Não seria exagero dizer que estamos diante de um “tratado” sobre o tema das relações entre o jornalismo e a literatura, devido ao tratamento dado pelos organizadores à esta coletânea de ensaios. São 18 ensaios de escritores, jornalistas e especialistas em comunicação cobrindo diversos aspectos desta relação e explicitando alianças, diferenças, insídias, limites e propósitos possíveis referentes aos dois tipos de narrativa. Os temas abordados englobam a diversidade interpretativa, o estilo, a objetividade, a metáfora, a crônica, o embate com a realidade e os diferentes papéis do jornalista e do escritor. Conforme esclarecido no prefácio, a coletânea consiste num “esforço de voltar a ler o jornalismo em toda a sua complexidade, religando-o particularmente ao universo da literatura e do imaginário”.  Já no primeiro ensaio vemos que “não são poucos os literatos e ensaístas que não querem conceder ao jornalismo a categoria de literatura”, chegando a citar o poeta Salvador Novo, para quem “não se pode alternar o santo ministério da maternidade que é a literatura com o exercício da prostituição que é o jornalismo”. Outro poeta e jornalista, Renato Leduc, pegou mais leve e afirmou que “eu não saberia qualificar ou classificar o jornalismo escrito como pseudo-literatura ou como subliteratura, porém, em todo caso, não me atreveria a qualificá-lo de literatura”.

Felizmente tais conceitos se constituem em exceção e são cada vez menos pronunciados. Para confirmar a imbricação cada vez maior destas áreas, assistimos agora o retorno deste bom relacionamento com o lançamento da revista Piauí. Para concluir, acrescentando mais informações ao conhecimento desta coletânea, apresentamos os autores e respectivos ensaios:

1- Moacyr Scliar: Jornalismo e literatura: a fértil convivência;

2- Manuel Angel Váquez Medel: Discurso literário e discurso jornalístico: convivências e divergências;

3- Nanami Sato: Jornalismo, literatura e representação;

4- Juremir Machado da Silva: O que escrever quer calar? Literatura e jornalismo;

5- Bernardo Ajzenberg: Dois senhores;

6- Rildo Cosson: Romance-reportagem: o império contaminado;

7-   Gustavo de Castro: A palavra compartida;

8- Florence Draver: Palavras inconsideradas na lagoa do conhecimentoo;

9- Carlos Magno Araújo: Amor à palavra;

10- Alex Galeno: Palavras que tecem livros que ensinam a dançar;

11- Franklin Jorge: Os escritores e o jornalismo;

12- Deonísio da Silva – Imprensa e literatura;

13- Carlos Peixoto: Seis propostas para o próximo jornalismo;

14- Daniel Piza: Jornalismo e literatura: dois gêneros separados pela mesma língua;

15- José Marques de Melo: A crônica;

16- Marcelo Coelho: Notícias sobre a crônica;

17- Rogério Menezes: Relações entre a crônica, o romance e o jornalismo;

18- Josimey Costa Silva:  Escritura lavrada em pauta e alinhavos de fé.

FREITAS, Helena de Souza. Jornalismo e literatura: inimigos ou amantes? – contribuições para o estudo de uma relação controversa. Lisboa: Peregrinação, 2002.

Já no título e no subtítulo a autora deixa entrever uma certa divergência entre o jornalismo e a literatura. Independente de serem inimigos ou amantes, trata-se de uma relação controversa. Na apresentação fica claro que o objetivo do livro é fornecer “grande parte do material que consegui reunir sobre as relações, nem sempre pacíficas, entre a narrativa jornalística e a ficcional e tenta esclarecer, por um lado, o que leva os jornalistas a serem escritores e, por outro, se a convivência dos dois ofícios beneficia ou prejudica algum deles ou o próprio autor que os exerce”. Vê-se que esta questão de saber se o fazer jornalístico prejudica o fazer literário não é nova. Nesta bibliografia já contamos com dois estudos levantando a questão: João do Rio, com O momento literário (1904) e Cristiane Costa com Pena de aluguel (2005). Outro objetivo é dar a palavra “aqueles que, simultaneamente, exercem as duas escritas e os que se têm dedicado ao estudo desta parataxe, caso de docentes e ensaístas”.

O livro é dividido em três partes. Na primeira é enfocado o “jornalista-escritor, indicando exemplos estrangeiros e nacionais, do passado e do presente”, finalizando com uma análise sobre os jovens jornalistas-escritores em Portugal e suas opiniões sobre esta relação.

A segunda parte relata “algumas interseções e divergências entre as duas áreas”, demonstrada em seis capítulos:

1- O jornalista e o escritor: duas canetas, a mesma mão;

2- A reportagem e a crônica: contar ao público uma boa ‘estória’;

3- Livros-reportagem: Pai – jornalismo, mãe – literatura?;

4- New journalism: pequenas e grandes ‘estórias‘ nas páginas dos jornais;

5- A ética e a deontologia: colisão com o jornalismo literário?;

6- O jornalês e o literário: breve análise ao texto e ao papel do leitor.

A terceira parte “aponta outras afinidades, igualmente possíveis, mas menos evidentes na mesma relação”, cujos capítulos esclarecem as citadas afinidades:

1- A estrutura de um poema: a possibilidade de uma notícia?;

2- Do ensino do jornalismo ao ensino da escrita em livro;

3- Suplementos literários e espaço da crítica: terrenos férteis;

4- O folhetim: o lugar da literatura nos jornais do passado. Como conclusão e numa tentativa de responder à questão título do livro, a autora faz um apanhado das proximidades e distanciamentos entre o jornalismo e a literatura. Afinal, são inimigos ou amantes? Na sua opinião é um pouco dos dois, mantêm uma relação de proximidade e afastamento. Esclarece, contudo, que a ideia do “jornalismo mortal versus literatura eterna, que durante anos reforçou a imagem do jornalista como mero escrevente assalariado, está em declínio, confirmando-se que grandes trabalhos de investigação jornalística ou reportagem podem ficar para sempre como referência nos meandros da imprensa escrita”. Por estas razões, entre tantas outras, “os jornalistas-escritores devem manter a caneta preparada para duas folhas distintas”.

2003

VASCONCELLOS, Eduardo Martins. De quando a literatura abraça o jornalismo. <www.paralelos.org./out03/000146.htm (27/04/2007) 

A partir do trecho de uma reportagem sobre a guerra do Vietnã, escrita pelo jornalista José Hamilton Ribeiro para a revista Realidade, o autor analisa o jornalismo literário e sua versão mais famosa, o “novo jornalismo”, bem como princípio e o fim da revista, segundo declarações do próprio repórter. Revela, por exemplo, que a Realidade não foi influenciada de imediato pelo new journalism americano. “Até mesmo porque a revista nasceu junto com o movimento… Se houve influência, foi mais pela forma do que pelo conteúdo… Nós fomos contemporâneos ao novo jornalismo, mas não houve nenhuma ligação formal. Foi mais uma ligação etérea. O movimento e a revista surgiram simultaneamente de forma natural”. Ele admite que seus editores estavam a par das inovações ocorridas no jornalismo, na América e no mundo. No entanto, não houve uma única fonte criadora para o movimento, apesar da importância de certos autores norte-americanos.

Acredita que o movimento foi uma decorrência do espírito de contestação que reinava na época. “os anos 60 forma muito férteis para a experimentação e a busca pela novidade, inclusive na imprensa”. Não obstante o sucesso atingido pela revista, ela foi perdendo força após o segundo ano de publicação. Segundo o repórter, a censura foi a maior responsável pela sua queda. “Com o tempo, a Realidade foi perdendo espaço para outras publicações, até encerrar seus trabalhos em 1976. “A censura foi terrível para todos. Conosco, ela agiu de forma sorrateira e diáfana, para em seguida nos sufocar”, resume. O jornalismo literário continua presente e atuante no cenário editorial, porém não mais nos jornais, e sim em livro-reportagens. A demanda destes livros é tanta que “muitos títulos se tornam best-sellers”. Alguns lançamentos de jornalistas como Domingos Meirelles (A noite das grandes fogueiras); Ruy Castro (Chega de Saudade); Zuenir Ventura (1968, o ano que não morreu), Fernando Morais (Corações sujos) etc. confirmam o fato. Segundo o repórter, atualmente esse tipo de jornalismo não encontra espaço nas revistas devido ao alto custo. “Se o jornalismo diário já caro, o Jornalismo Literário é caríssimo”. Outro problema é o tempo de elaboração das reportagens, pesquisas, entrevistas etc. Perguntado se hoje haveria espaço para uma revista nos moldes da Realidade, ele é taxativo: “Claro! A grande revista, a publicação de qualidade, terá sempre seu lugar no mercado. O jornalismo brasileiro tem condições de se igualar com o que é praticado em parte do mundo… basta apenas investimento e vontade

2004

FERREIRA Jr., Carlos Antonio Rogé. Literatura e jornalismo, práticas políticas: discursos e Contra-discursos, o Novo Jornalismo, o Romance-reportagem e os Livros-reportagem. São Paulo: Editora da USP, 2004.

O jornalista Carlos Rogé Ferreira examina algumas relações determinantes existentes entre contradiscursos, um discurso emancipador de esquerda e narrativas literário-jornalísticas classificadas como Novo Jornalismo e romance-reportagem, considerados como paradigmas para os chamados livros-reportagem. Através da análise de obras de autores norte-americanos como Norman Mailer, Tom Wolfe, Gay Talese, e brasileiros como José Louzeiro, Renato Tapajós, Caco Barcellos, entre outros, o autor mostra como literatura e jornalismo são práticas políticas, enfatizando a natureza ideológica da comunicação, da arte e da própria existência do homem. As produções jornalísticas e literárias são entendidas como espaços importantes de descoberta e afirmação dos indivíduos e das coletividades, em um mundo no qual a questão da identidade se coloca de modo premente. O autor procura nesses textos literários e jornalísticos, escritos em épocas e locais distintos, semelhanças quanto à representação dos discursos, recorrendo à vasta bibliografia indicada ao final do livro. (Resumo da editora)

2005

COSTA, Cristiane. Pena de aluguel: escritores jornalistas no Brasil 1904-2004. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

No começo do século passado, João do Rio fez uma enquete com destacados escritores/jornalistas para saber se o exercício do jornalismo ajudava ou atrapalhava o exercício da literatura, e publicou o resultado no livro O Momento literário (Garnier, 1904). Cristiane Costa reeditou, ampliou e atualizou o projeto cobrindo o período 1904-2004. Além da pergunta principal, ela acrescentou mais algumas: pretendia ser escritor quando entrou no jornalismo? A linguagem dos jornais oferece um aperfeiçoamento formal ou bloqueia o texto literário? A profissionalização através da imprensa permite a sobrevivência financeira do escritor ou o afasta de seu caminho? Até que ponto a obra literária é influenciada pela atividade jornalística?, dentre outras. Para ficarmos no campo da atualidade, sua enquete abrangeu 39 escritores jornalistas de todo o Brasil que começaram a se destacar a partir da década de 1990. Tais entrevistas foram apenas analisadas no livro, mas foram publicadas na íntegra no site <www.penadealuguelcom.br>.

Conforme bem esclarece a quarta capa, trata-se de uma “radiografia da vida literária e jornalística no Brasil entre 1904 e 2004”, mostrando que “o sonho de viver de escrever pareça tão ilusório nos dias de hoje quanto no início do século XX”.

A autora dividiu “esta pequena história comparada da literatura e da imprensa brasileiras” em cinco períodos:

1 – Primórdios da imprensa, que vai de 1808 a 1830, quando se publica os primeiros jornais e livros;

2– 1840 a 1910, um período de transição entre o reinado do publicista e a república dos homens de letras (José de Alencar, Machado de Assis, Olavo Bilac, Coelho Neto, Lima Barreto e João do Rio);

3- 1920 a 1950, período onde se discute a era da modernização (Graciliano Ramos, Monteiro Lobato, Oswald de Andrade, Nelson Rodrigues, Carlos Drummond de Andrade, Jorge Amado e Érico Veríssimo);

4- 1960-1980, quando houve um boom, com o crescimento considerável da ficção feita por jornalistas (principais autores: Antonio Callado, Antônio Torres, Caio Fernando de Abreu, Carlos Heitor Cony, Carlinhos Oliveira, Ferreira Gullar, Ivan Ângelo, João Antônio, José Louzeiro, Otto Lara Resende, Paulo Francis etc.);

5- 1980-2004, quando “os escritores que trabalham em jornal progressivamente se afastam das editorias de hard news, como Política e Polícia, e passam a preferir as editorias de Cultura, dialogando diretamente com o mundo intelectual e o meio editorial”.

Vale ressaltar que o projeto de Cristiane Costa considerou “como jornalistas apenas aqueles que efetivamente trabalham na imprensa como repórteres, pauteiros, chefes de reportagem, redatores e editores, assim como escritores apenas os que produzem ficção ou poesia”. Para concluir, damos o resultado a que chegaram as duas enquetes referente a pergunta principal: o jornalismo é prejudicial ou não à literatura? João do Rio obteve 36 respostas, onde dez acharam que prejudica; onze acharam que não; onze acharam que ajuda, mas também atrapalha; três não responderam e um não entendeu a pergunta. Na pesquisa de Cristiane Costa, abrangendo 39 autores, o resultado foi o seguinte: apenas cinco acharam que prejudica; 23 acharam que não prejudica e onze acharam nenhuma coisa nem outra, ou uma coisa e outra.

KOENIG, Marília. Por uma teoria não-oficial da comunicação: o jornalismo como tema da obra Recordações do Escrivão Isaías Caminha, de Lima Barreto. Florianópolis: UNISUL – Universidade do Sul de Santa Catarina, Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem, nov. 2005.

Este trabalho se propõe a analisar como o jornalismo é tematizado em Recordações do escrivão Isaías Caminha, de Lima Barreto (1909). Nesse sentido, será visto de que maneira a referida obra descreve a prática jornalística e os valores da sociedade da época, bem como suscita uma reflexão acerca do jornalismo da atualidade. As teorias da literatura e do jornalismo servirão de base para a identificação do jornalismo como tema na Literatura. Também o conceito de tema será base para essa parte inicial. As concepções de polifonia e dialogismo (BAKHTIN, 1992, 2003), serão levados em conta a fim de que se possa compreender como o livro de Lima Barreto ora analisado se configura como uma possível sátira à realidade vivida pelo autor. Verificar-se-á de que modo este se configura como livro-resistência em contraposição ao conceito de livro-espelho (Resumo da autora.)

2006

ANDERSON IMBERT, Enrique. Periodismo y literatura. In: Escritor, texto, lector: ensayos. Buenos Aires: Corregidor, 2006. p. 83-91.

Relata a primeira grande revolução na arte de escrever proporcionada pela imprensa aperfeiçoada pro Gutemberg, no século XV. A segunda é a revolução tecnológica de nossos dias. Só que, em vez de promover a leitura, como fez a imprensa, lhe retira a primazia cultural desfrutada durante séculos. Começa, então, a crise da arte de escrever e publicar com o telefone, o rádio, o cinema, a televisão e os vídeos. Tais meios de comunicação de massa contribuíram para o advento de uma sociedade de massas, onde cada vez mais se lê menos.

Para culminar, surge a Internet casando outra revolução no processo de transmissão de informação e conhecimento. No entanto, há que se diferenciar informação de conhecimento. Tal retrospectiva serve para enfatizar a ideia que o jornalismo aliado a literatura aguentam juntos, como irmãos, estas inovações tecnológicas. Mas “já é tempo de aclarar que esses irmãos – o jornalismo e a literatura – não são gêmeos”. A diferença específica se encontra na intenção com que utilizam a linguagem escrita. “Ao escrever, o jornalista tem a intenção intelectual de comunicar fatos objetivos, enquanto o literato tem a intenção de emotiva de expressar sua própria subjetividade”.

As duas tendências, a comunicativa e a expressiva estão presentes no jornalismo e na literatura. “Às vezes confluem, como no caso do jornalismo literário e da literatura jornalística. Por outro lado, se examinarmos estas áreas em suas existências autônomas, “devemos ter cuidado para não cometer a injustiça de subestimar o jornalismo e superestimar a literatura”. Pois são áreas diferentes, onde o jornalista sofre pressões de espaço e de tempo para publicar sua matéria. O autor conclui com uma breve descrição e boas lembranças dos tempos em que era redator do jornal socialista La Vanguardia, de Buenos Aires (1932-1938).

Lembra que nesta época também “escrevia contos e romances, e nunca senti conflitos entre ambas as atividades. Revela o quanto lhe estimulava o exemplo de Chesterton, quando, em 1937, se viu diante de uma encruzilhada ao ler em sua Autobiografia uma confissão do grande jornalista e romancista inglês que apreciava mais seu trabalho jornalístico do que sua obra de ficção. Termina declarando o final do impasse expondo sua preferência pela literatura, mas “nunca esquecerei o que devo aos meus anos de jornalista comprometido. O jornalismo é uma boa escola”

2007

CASTELLO, José. A literatura na poltrona: jornalismo literário em tempos instáveis. Rio de Janeiro: Record, 2007.

Reúne artigos sobre literatura e jornalismo cultural, e descreve um encontro que o autor teve em Paris com a filósofa e escritora Hélène Cixous. A entrevista acabou tomando um rumo inesperado, e dela Castello extraiu uma lição: um repórter tem que agir com “precaução, cautela, silêncio, escuta”. É preciso se desarmar, deixar de lado as teses prontas, os pré-julgamentos. É com essa perspectiva que José Castello se debruça, nesse novo livro, sobre os múltiplos sentidos da escrita e da leitura, procurando desmistificar todo o romantismo que costuma rondar o fazer literário. “Todas essas idealizações atribuem à literatura uma espécie de magia, capaz de produzir efeitos extraordinários, seja na alma, no mundo, no intelecto, na realidade social, na vida prática”, ele explica. Porém, nada é mais mistificador. “A literatura, ao contrário, está profundamente entranhada no subjetivo, no íntimo, e também no precário e até no inútil”.

Os artigos reafirmam a importância da literatura como lugar de resistência frente a tempos instáveis. “Penso que, ao contrário, quanto mais o mundo se torna rápido e superficial, mais potência a literatura acumula”. Mas é também o rico itinerário de um leitor apaixonado que, generosamente, compartilha sua vasta experiência, dialogando com suas inúmeras referências literárias – Drummond, João Cabral, Fernando Pessoa (alvo de um belíssimo artigo no livro), Clarice Lispector, Kafka. É imerso no silêncio da sua poltrona que o leitor, em contato com a literatura, poderá “expandir sua liberdade interior”. A intensidade desse encontro – o “susto”, como acredita Castello – pode variar de leitor para leitor, mas o mais provável é que dele não se saia incólume.

No livro Castello nos conta sobre seus próprios embates devastadores, sua descoberta juvenil de Robinson Crusoé e, mais tarde, de Clarice Lispector, fonte recorrente de suas reflexões e de seus assombros. No livro ele narra ainda as visitas que fez à Praga de Kafka e ao Chile de Pablo Neruda, no fundo peregrinações em busca das essências desses heróis literários. (Resenha de Paulo Lima).

ABREU, Allan de. New journalism: a experiência literária no jornalismo. <www.revistaetcetera.com.br19/new_journalism/index.html> – n. 19, mar./ab. 2006 (02/05/2007)

Breve relato histórico do surgimento do “new journalism”, situando-o em 1956 com a reportagem-perfil de Marlon Brando – O duque em seus domínios -, feita por Truman Capote e publicada na revista New Yorker. Seus postulantes preconizavam que o jornalista “não seria um mero observador e transmissor de dos fatos”, e sim um “repórter-escritor, aquele que explora a sensibilidade do estilo próprio ao transmitir a notícia”. Tais ideias estão ligadas ao surgimento da contracultura nos EUA, onde o jornalismo “adquiriu as feições de um discurso crítico e interventivo social e politicamente, acompanhado da rebeldia contra obliteração dos sujeitos do discurso vigentes até então na narrativa midiática”. O movimento é, também, uma resposta à concorrência da direta da emergente televisão e consequente queda na venda de jornais. Assim, o jornalismo sente a “necessidade de regressar a um convívio mais íntimo com a literatura, aproximando-se, novamente, do jornalismo praticado no século XIX e inicio do século XX”.

Desde há muito tempo, escritores escrevem para o jornal, mas o que Capote e seus seguidores, Norman Mailer, Tom Wolfe e Gay Talese, fizeram foi “padronizar um projeto estilístico de unir jornalismo e literatura”, conforme as palavras do primeiro: “Era minha opinião que a reportagem poderia ser uma arte tão elevada e requintada quanto qualquer outra forma de prosa – o ensaio, o conto, a novela (…) Minha ideia foi a seguinte: qual o nível mais baixo da arte jornalística, o mais difícil de transformar de uma orelha de porco em uma bolsa de seda? A ‘entrevista’ com astros do cinema, no gênero Silver Scren: por certo nada seria mais difícil de enobrecer do que aquilo”.

Tom Wolfe deu sua contribuição ao novo formato empregando uma “pontuação diferente para expressar os pensamentos das personagens: vários de exclamação, hífens e virgulas encadeadas” com a finalidade de reproduzir no papel a maneira como as pessoas pensam. Outra característica sua foi a utilização do presente histórico, “no qual simplesmente se redige um texto de não-ficção no tempo presente”. Conforme sua declaração: A minha intenção, minha esperança, sempre foi a de penetrar dentro destas pessoas, dentro dos seus sistemas nervosos centrais, e depois apresentar a experiência deles na imprensa, vista de dentro para fora”. Além disso havia a vontade de ser escritor: “Eu comecei trabalhando em jornais com a ideia de que se ficasse durante algum tempo e adquirisse um pouco de experiência, depois deixaria esse trabalho e escreveria um romance”. Mas tratar a não-ficção de forma literária tornou-se sua grande paixão.

O que ele queria era tornar o texto jornalístico tão “absorvente” quanto a ficção, “fazendo com que o leitor se sentisse realmente inserido na história”. Isto é feito, de acordo com ele, empregando-se quatro estratagemas

1 – Costura do texto com a cena, contando-se a notícia por uma sequência delas;

2- Uso abundante de diálogos reais;

3- Uso de detalhes de status; observar e descrever peças de roupas, gestos, o modo como tratam as outras pessoas;

4 -Uso do ponto de vista, no qual se descreve a cena através de um determinado ângulo. Outras técnicas narrativas da literatura realista foram incorporadas ao “new journalism”, como o imediatismo das situações, o realismo concreto das cenas, a emoção, a vontade de prender o leitor, o diálogo, a descrição e o foco em terceira pessoa.

De qualquer modo, deve haver sempre a veracidade de qualquer reportagem, “embora ousasse a busca de uma verdade mais ampla que aquela possível por meio da mera descrição de informações”. Como estes jornalistas faziam algo como “reportagem psicológica”, Gay Talese ousa ao ponto do transcrever o pensamento de seus entrevistados: “Tento absorver todo o cenário, o dialogo, a atmosfera, a tensão, o drama, o conflito e então escrevo tudo do ponto de vista de quem estou focalizando, revelando inclusive, sempre que possível, o que os indivíduos pensam no momento que descrevo”.

Neste ponto a polêmica se instala e os novos jornalistas são criticados por outros jornalistas, como Haynes Johnson: “Quando os ‘novos jornalistas’ inventam personagens e chegam a descrever o que seus entrevistados pensam, eles não estão exercendo o papel de jornalista, mas de Deus”. Carlos Morales, por sua vez, sustenta que o new journalism é um gênero literário, e não jornalístico. “É mais inventivo que descritivo e Wolfe o considera um sucedâneo da novela, não da notícia”. Já para Daniel Piza, o movimento foi uma experiência, mas que “se excedeu em literatices”. Logo, o pecado do new journalism foi “não sucumbir a tentação de empregar, também no jornal, recursos que a literatura ficcional comportaria, como o narrador onisciente, ou o personagem síntese”.

O movimento começou a perder importância com o jornalismo investigativo – Caso Watergate – e com Janet Cook, que “perdeu o perdeu o Prêmio Pulitzer ao se descobrir que a personagem de sua reportagem havia sido forjada. Outro fator que contribuiu, segundo Tom Wolfe, “foi o excesso de padrões na narrativa jornalística, que sempre faz com que os autores, principalmente os mais jovens, se mostrem excessivamente constrangidos”. No Brasil, o movimento foi bem sucedido na a revista Realidade e Jornal da Tarde, nos anos 1960. Ainda hoje, revistas como New Yorker, Esquire e Rolling Stone praticam, de algum modo, o new journalism.

2007

LAJOLO, Marisa. Jornalistas e escritores: a cordialidade da diferença. <www.unicamp.br/iel/memorias/ensaios/ensaio31html> (16/04/2007)

Análise das divergências entre jornalismo e literatura, que remonta à época de Machado de Assis, quando perguntava: o jornal matará o livro? O livro absorverá o jornal? A polêmica se deve ao caráter tardio com que imprensa chegou ao Brasil com a vinda de D. João VI, em 1808. A questão cruza o século e reaparece no início do século XX com João do Rio perguntando à diversos escritores se o jornalismo prejudica ou favorece a literatura. Trata-se de uma antiga polêmica devida ao “fato de a imprensa, durante um certo tempo e em certos casos, financiar a literatura talvez constitua a manifestação mais visível desta intercomunicabilidade. E talvez constitua, igualmente, razão eventual para os desentendimentos que entre elas se registra”. Tais desentendimentos são encenados na pena de Eça de Queiroz, que tem seus melhores romances habitados por jornalistas, particularmente em O Primo Basílio (1878). Neste romance, o autor (ele mesmo um jornalista/romancista) se utiliza da figura do jornalista e de alguns jornais para ora desmerecer a profissão, ora elogiá-la em diversos momentos. Mais tarde, a questão ressurge em outro patamar, no romance de José Saramago, O ano da morte de Ricardo Reis, cujo estilo “faz o leitor mover-se por um bombardeio de informações, onde a contiguidade de diferentes assuntos (como no jornal) acaba criando imprevistas relações semânticas entre eles”. Neste livro, cuja leitura faz “o leitor arfar sem fôlego, o jornal que o protagonista lê é signo ambivalente. É emblema do mundo que não se pode recusar e, simultaneamente, matriz da linguagem na qual se constitui este mundo, remetendo-se, pois, a questão jornalismo/literatura para um patamar mais complexo”. Outro enfoque desta relação encontra-se no último romance de Antonio Callado, Memórias de Aldenham House.

2008

LUSTOSA, Isabel (org.) Imprensa, história e literatura. Rio de Janeiro: Casa de Rui Barbosa, 2008.

O papel exercido na imprensa por Hipólito da Costa, Carlos Drummond de Andrade, José de Alencar, Monteiro Lobato etc. é comentado por nomes como Marisa Lajolo, professora da Unicamp.

LIMA, Edvaldo Pereira. Páginas ampliadas: O livro-reportagem como extensão do jornalismo e da literatura – jornalismo literário. 4ed. São Paulo: Manole, 2008.

Discute técnicas, analisa procedimentos e apresenta exemplos cativantes, casos brilhantes e iniciativas memoráveis no Brasil e no exterior referentes ao jornalismo literário, numa retrospectiva que vai de Euclides da Cunha à revista Realidade; De John Reed a Tom Wolfe. O objetivo é explorar o jornalismo utilizando-se das técnicas literárias: como se pauta; como se observa a realidade; como se apuram as informações e como se escreve. Ou seja, como se desenha o retrato vivo de pessoas, lugares, acontecimentos, situações, cenários e épocas. Um tratado sobre o jornalismo literário, como pode-se ver através do sumário, resumido abaixo:

1-Fronteiras ampliadas de um território em conformação…

Os contornos visíveis – Em busca de um quadro conceitual –   Os        pilares fundamentais do jornalismo – O espaço da reportagem – Um conceito em progresso do livro-reportagem – Uma proposta de classificação. Tipos de livro-reportagem: perfil, depoimento, retrato, ciência, ambiente, história, nova consciência, instantâneo, atualidade, antologia, denúncia, ensaio e viagem.

2 -Os procedimentos da extensão…

A extensão pela pauta (liberdade temática, de fontes etc.) – A complementação pela captação (entrevistas, histórias, memória etc. – A fruição pelo texto (narração, exposição, ponto de vista, edição etc;

3 -A demanda do níveis de excelência…

Jornalismo e literatura, fronteiras interpermeáveis – Primeiros sinais para uma história da reportagem – A ousadia experimental do new journalism – Mais sinais para uma história da reportagem – O espaço conquistado e o espaço por ocupar – Romance, história, reportagem – Instrumento de reconstituição do passado – Perspectiva em mosaico

4 -Impulsos quânticos para um jornalismo holístico…

Considerações sobre o reducionismo -Morfogênese do futuro possível –

O sentido de uma proposta.

Simbiose com o jornalismo literário e o futuro…

Arte narrativa da vida real (exatidão e precisão – contar história – humanização – compreensão – universalização temática – estilo próprio e voz autoral – imersão – simbolismo – criatividade responsabilidade ética)

Outros sinais para uma história (imediata) da reportagem (jornalismo da intimidade – panorama brasileiro);

Formatos e gêneros (reportagem temática – biografia – perfil – memórias – ensaio pessoal – jornalismo literário de viagem.

Bibliografia extensiva e atualizada;

Para certificar a obra como um tratado sobre o tema enfocado, o livro traz anexo dois índices detalhados: um analítico e outro onomástico.

ANDRADE, Marcela Heitor de. Jornalistas podem ser escritores?: 21 entrevistas brasilienses. Monografia apresentada à Faculdade de Comunicação da UnB, habilitação jornalismo, sob a orientação do Dr. Gustavo de Castro. Brasília: UnB, 2008.

Este trabalho de conclusão do curso de jornalismo da Universidade de Brasília (UnB) apresenta um panorama dos jornalistas escritores do DF. A pesquisa conta com a participação de 21 autores que já trabalharam na imprensa e publicaram livros de poesia ou ficção no cenário literário brasiliense. As entrevistas, realizadas entre agosto e outubro de 2008, mostram o que eles pensam sobre a literatura candanga, os conflitos no convívio jornalismo e literatura, as dificuldades do mercado editorial e os benefícios e prejuízos que o trabalho midiático traz para a atividade literária.

2009

COELHO, Eulália Isabel. Jogo do imaginário em Caio F. Caxias do Sul. RS.: EDUCS. 2009.

O objetivo é aproximar os discursos e convergências entre literatura e jornalismo na poética do escritor gaúcho Caio Fernando Abreu (1948-1996). Com tal anseio, a obra contempla esse recorte e serve como instrumento didático e esclarecedor para leituras ou estudos e pesquisas dentro e fora do ambiente acadêmico. Literatura e jornalismo em convergência delineiam um percurso que, além de mapear marcas intertextuais e estilísticas na obra do escritor em questão, assumem contornos discursivos e avaliativos segundo categorias da factualidade e da ficcionalidade. Nessa discussão, não ficam de fora as categorias da justaposição entre gêneros, com o destaque inevitável para a crônica, em par com a reportagem e o próprio conto, como, também, a interferência da imagem no discurso breve etc. De certa forma, a poética de Caio F. é vista, pelos olhos de Eulália Isabel Coelho, como desejo de se espraiar e fisgar qualquer leitor interessado em sua prosa – fiada ou sisuda, leve ou aparentemente despreocupada, poética ou epifânica – que salte das letras como telas rápidas e influenciadas pela imagem.

O livro é dividido em dois capítulos chaves – “Interface entre o literário e o jornalístico” e “Domínio do irremediável em Caio F: Palavra/imagem”. Antecipadamente, confirma-se que um ponto de vista da confluência de gêneros da literatura e do jornalismo em Caio Fernando Abreu, sem dúvida, é a narratividade. Desse conjunto, esse primeiro momento da pesquisa é dividido em “O des(enlave) real/imaginário”, o registro do real evanescente, o estilo jornalístico, a construção em discurso denotativo-factual, o instante narrado ou descrito, o real e a enunciação jornalística, a intertextualidade, “a reportagem-conto”, “a reportagem-crônica”, o imaginário e o lugar do leitor. Das divisões em rubricas, Eulália busca um painel do escritor-jornalista, flashes da vida na prosa curta, certos instantâneos do tempo em registros. Eles, de certa forma, atingirão a grande força expressiva justamente na capacidade de imprimir alguma “exatidão” e escolhas verbais na crônica e nos contos do escritor de Pequenas Epifanias. Como se percebe, conformações típicas de um gênero narrativo literário podem conter algum sentido de parentesco com as de um jornalístico; e, ao mesmo tempo, o trânsito de discursos permite algumas formas de expressão aparentemente deslocadas na prosa do escritor-jornalista.

Essas marcas discursivas, sempre muito legíveis no romance Onde Andará Dulce Veiga desse escritor – e apesar de não terem sido exploradas no livro de Eulália – são sugestões aparentes e procedimentos narrativos de captação de temas e assuntos relacionados com a imagem. Trata-se de um jornalista-narrador que procura por uma cantora desaparecida em determinada época. O segundo capítulo, pautado no livro de contos mais conhecido de Caio Fernando Abreu, busca acolher manifestações textuais, literárias e jornalísticas, marcadas, significativamente, pelo traço da narratividade/visualidade, além de lançar, um olhar crítico sobre alguns quadros contextuais da obra do referido escritor. Dessas marcas, fica claro que o discurso de Caio Fernando Abreu denuncia, através de Morangos Mofados, a fúria e a suposta leitura de “um outro morango”: escaldante, vermelho-erótico, alegórico. Por trás dos contos e dos personagens que vivem na cidade, os morangos guardam um grito, um silvo angustiado que quer vir à superfície e se fazer ouvir para além do “mofo”.

Esse olhar vem metaforizado pela aparência do vermelho da fruta e da errância que percorrem toda a coletânea. Do jogo especular e das interfaces entre jornalismo/literatura, a estudiosa afirma que: “Ligado ao seu tempo e ao jornalismo, o escritor traduz em seus textos inquietações do homem da era pós-industrial, marcando sua escritura com dramaticidade e intimismo, informação e poeticidade” (2009, p.61). Além das interfaces propostas, outras alusões, na poética do escritor gaúcho aparecem nesses diálogos imbricados. Cinema, pintura e a própria literatura – com Clarice, Virgínia Woolf e Fernando Pessoa – juntam-se nesse jogo polifônico de influências. Nessas aproximações semióticas, portanto, o caminho das reciprocidades entre literatura e jornalismo percorrido por Eulália, também jornalista, revela uma interessante imagem desfocada/nebulosa da poética de Caio F. Desfocada porque se afigura, ela mesma, como imagem fugidia na poética do escritor esteta. Nebulosa porque a identificação de uma suposta matriz influenciadora e a busca de um foco primordial de irradiação tornariam, talvez inoperante, e nada essencial a pergunta: o fluxo de influência parte da literatura em direção ao jornalismo ou em sentido contrário? Aliás, o melhor a fazer, nesse caso, é apostar – como fez a professora e jornalista – que alguma riqueza desse jogo lúdico reside mesmo nessa indefinição, porque está mesmo incrustada na escritura e no “jogo imaginário em Caio F”.

(Resenha de Rodrigo da Costa Araújo, extraída de www.verbo21.com.br em 04/07/2012)

2010

SILVA, Mauricio. Consagração e decadência do academicismo literário: o caso do jornalismo. Aletria: Revista de Estudos de Literatura (UFMG) v. 20, nº 1, 2010

O presente artigo analisa o contexto cultural brasileiro durante a passagem do século XIX para o XX. Para tanto, enfatiza a profissionalização do autor e sua relação com o jornalismo. Este trabalho procura ainda abordar as principais tendências literárias do Pré-Modernismo brasileiro, por meio da análise de características estéticas presentes em alguns de seus principais representantes.

 

CASTRO, Gustavo de. Jornalismo literário: uma introdução. Brasília: Casa das Musas, 2010.

 

Um livro para estudantes e profissionais de comunicação interessados em conhecer ou aprofundar a relação entre o jornalismo e a literatura. O texto foi orignalmente escrito em forma de apostila para atender o interesse de estudantes universitários, que procuravam informações sobre o tema. Neste sentido, o livro é acessível a todos e de fácil compreensão, fugindo, contudo, do apelo didático para arriscar uma reflexão no âmbito de uma Filosofia da Comunicação. Logo na abertura – O que é jornalismo literário, o autor tenta definir a noção, entendendo-a como “Literatura de complexidade”, para logo em seguida, no Gêneses do jornalismo literário, mostrar os vários segmentos históricos do conceito, assim como os personagens que deram contorno ao tema. Literatura de complexidade; Os caminhos da palavra; O novo jornalismo; A prosa poética brasileira e A arte de começar… e continuar formam capítulos que compõem o restante da obra, que traz ainda anexos com sugestões de leitura e tipos de livros-reportagem possíveis de serem trabalhados.

REBINSKI JUNIOR, Luiz. Jornalismo literário: a arte do fato? Digestivo Cultural, 20/10/2010.

O termo jornalismo literário é tão evasivo quanto são fascinantes os livros que costumam povoar esse hipotético gênero literário. O termo é altamente contestável, mas quase tudo que é publicado sob essa etiqueta costuma ser bom. Isso porque, no fundo, apesar de toda a discussão que permeia a origem desse tipo de escrita, o jornalismo literário não é outra coisa senão literatura. Um tipo de literatura específica, mas essencialmente literatura. Feita, sobretudo, por escritores que se iniciaram no jornalismo.

O assunto é tão fascinante que nem mesmo especialistas entram em consenso sobre a definição do que seja jornalismo literário. Situação que se agrava quando a pergunta feita é sobre a origem do gênero. Por mérito ou simples capricho da História, sempre que se toca no assunto, quem aparece como tutor do gênero é o gordinho efeminado Truman Capote, autor do monumental A sangue frio. O livro realmente é uma obra-prima, mas não é a obra inaugural que o marqueteiro Capote nos fez acreditar que era.

Em dois minutos de pesquisa, nomes como os de Charles Dickens e Balzac vêm à tona e nos mostram que o buraco é bem mais embaixo. É no século XIX, e não a metade do século XX, que o barato de misturar ficção com fato noticioso surgiu.

Mas agora, com alguns anos de atraso, nos chega um livro que tenta colocar a casa em ordem em relação à geração mais festejada do gênero. A turma que não escrevia direito (Record, 2010, 392 págs.), de Marc Weingarten, não esmiúça a história do gênero; pelo contrário, passa raspando por uma investigação mais profunda, mas avisa logo de cara que seu objetivo é outro: falar sobre um período específico do jornalismo literário americano, o qual ficou conhecido como “novo jornalismo” e que, segundo Weingarten, teve uma trajetória curta, mas intensa. É sobre a turma de Talese, Hunter Thompson e Tom Wolfe que trata o livro.

“Na Nova York do início dos anos 1960, com toda a discussão sobre a ‘morte do romance’, o homem das letras parecia estar emergindo novamente. Havia uma discussão considerável sobre criar uma ‘elite cultural’, baseada no que os literatos locais acreditavam que existia em Londres. É claro que essas esperanças foram frustradas pelo surgimento repentino de uma horda de visigodos, os Novos Jornalistas”, diz uma citação de Wolfe no livro de Weingarten.

O “novo jornalismo”, portanto, surge no vácuo de um período de crise da ficção americana. Ou, conforme o jornalista e professor Sergio Vilas Boas definiu para mim em uma entrevista, “Truman Capote atirou no que viu (renovar a literatura de ficção com a não-ficção) e acertou no que não viu (o jornalismo)”. Fato corroborado pela própria trajetória de Capote. Apesar de ter conseguido um emprego chinfrim ainda garoto na revista The New Yorker, que ficaria famosa pelo estilo literário de seus textos e colaboradores, Capote já era conhecido como um promissor escritor de ficção antes de escrever A Sangue frio. Com apenas 24 anos já havia conquistado a crítica com seu livro Other voices, other rooms. O exemplo de Capote não é regra, mas dá uma boa noção do perfil dos “novos jornalistas”.

Admitindo, de saída, os precursores do estilo, Weingarten se concentra em alguns nomes da cena americana dos anos 1960 que se utilizaram do jornalismo para produzir literatura. E aqui surge outra encrenca conceitual. Não dá para chamar de “movimento” ou “corrente literária” o “novo jornalismo” americano. Isso porque não foi algo planejado e não nasceu de um conluio de três ou quatro cabeças que pensavam de forma parecida. Pelo contrário, os membros desse clubinho imaginário não poderiam ser tão distintos. Os novos jornalistas tinham de um lado o dândi Tom Wolfe, com seu impecável terno branco, e de outro o maluco-mor Hunter Thompson, que em 2005 se matou com um tiro na cabeça.

“O problema de Wolfe é que ele é rabugento demais para participar de suas histórias. As pessoas com as quais ele se sente confortável são chatas como bosta de cachorro, e as pessoas que parecem fasciná-lo como escritor são tão estranhas que o deixam nervoso. A única coisa nova e incomum no jornalismo de Wolfe é que ele é um repórter extraordinariamente bom”, escreveu Thompson em um ensaio que tinha como objetivo distinguir sua abordagem agressiva daquela de seu rival mais próximo, Tom Wolfe.

Outro contraste, que reforça o caráter antigrupo do “novo jornalismo” americano, se dá entre o próprio Wolfe e Jimmy Breslin, um jornalista nova-iorquino que ficou famoso por retratar a plebe de sua cidade, assim como fez George Orwell em Na pior em Paris e Londres, outro clássico do gênero. Breslin, que teve o seu livro O Traidor, sobre a máfia americana, publicado por aqui, tem uma de suas reportagens mais famosas esmiuçada por Weingarten. Quando os Estados Unidos choravam a morte de Kennedy, Breslin virou seu bloquinho para outro personagem: o coveiro que enterrou o homem mais importante do país.

Weingarten descreve assim as diferenças entre os dois escritores:

“Se Jimmy Breslin era o principal cronista dos despossuídos e esquecidos no Herald Tribune, Tom Wolfe era o escritor brilhante da classe de status que surgia naquela década, da nova cultura jovem dos anos 1960 e de seus costumes. Breslin e Wolfe trabalharam em extremos opostos do espectro socioeconômico, mas compartilhavam o mesmo talento excepcional para personagens e cenários”.

Mas talvez seja exatamente pela falta de explicações razoáveis para o seu surgimento que o chamado “novo jornalismo” americano tenha se tornado algo curioso e extraordinário. Em comum, Wolfe, Thompson, Talese e outros caras de talento que estavam cheios de energia criativa na metade dos anos 1960 tinham o desdém pelas regras básicas do jornalismo americano. A tal pirâmide invertida não servia para as suas histórias.

É famosa a frase de Gay Talese que diz que “a humanidade só será feliz no dia em que o último editor for enforcado nas tripas do penúltimo”. A tirada pode ser espirituosa, mas foi graças à figura castradora do editor que a maior parte das obras-primas do jornalismo americano veio ao mundo.

Não é nem preciso dizer que jornalismo de qualidade custa caro. E também não é preciso dizer que não há um editor gente boa, disposto a financiar e avalizar pretensas obras-primas, em cada esquina. Então editores de grandes revistas, como Esquire e The New Yorker, foram essenciais para que grandes trabalhos viessem à tona.

Ao todo, sete escritores fazem parte d’A turma que não escrevia direito. Além dos figurões conhecidos do público brasileiro (Tom Wolfe, Hunter S. Thompson e Gay Talese), Weingarten fala de autores como Joan Didion, John Sack, Jimmy Breslin e Michael Herr.

Em uma espécie de reportagem da reportagem, Weingarten reconstitui os passos dos escritores retratados no livro em busca de suas histórias. Quase todos os livros comentados por Weingarten, foram pensados inicialmente como grandes reportagens. Mas todos, sem exceção, foram escritos por grandes escritores, ainda que, quando da feitura dos trabalhos, não passassem de… jornalistas. Ótimos jornalistas. Assim, o livro O teste do ácido do refresco elétrico, de Tom Wolfe, surgiu de uma reportagem para a revista New York. Wolfe encontrou o tema em junho de 1966, quando recebeu uma caixa de cartas enviada anonimamente. Endereçadas ao romancista Larry McMurtry, as cartas haviam sido escritas pelo escritor Ken Kesey, que havia sido preso por porte de maconha em janeiro de 1966 e fugido da liberdade sob fiança, indo para um exílio no México. Wolfe vai atrás do autor de Um estranho no ninho e tenta desvendar o mistério que o cerca. Depois de escrever seu best-seller, Kesey virou uma espécie de guru de um grupo que se tornaria conhecido como Marry Pranksters e que via no LSD o caminho para a salvação. O livro de Wolfe, além de ser uma investigação minuciosa sobre um personagem interessante, trazia várias invencionices literárias (onomatopéias, parágrafos escritos em formato de poemas, etc.), que à época deram uma boa chacoalhada na literatura de ficção americana.

Livros como os de Wolfe e Hunter Thompson, que no mesmo período escreveu Hell’s Angels: medo e delírio sobre duas rodas, iam além do meramente factual. Os escritores se permitiam entrar na história e interferir no resultado daquilo que estavam contando.

Foi o que fez o repórter freelance Michael Herr no Vietnã. Herr era um talentoso jornalista que não gostava de redações e que convenceu o editor da revista Esquire a mandá-lo para a guerra com o objetivo de contar boas histórias de maneira pouco convencional. Herr entrevistou mais de duzentos soldados enquanto esteve no Vietnã. A partir dessas conversas, “seguiu seus impulsos literários, o que significava inventar soldados cujas personalidades eram costuradas a partir do que observava durante as muitas altas horas da noite que passava em conversas regadas a uísque, maconha e rock psicodélico de Jefferson Airplane e Grateful Dead”. Bem, este resumo do modus operandi de Herr poderia facilmente definir o jornalismo literário.

Baseado nesse estilo, Herr compôs Despachos do front, um dos livros sobre guerra mais influentes ainda hoje. Ainda assim, apesar de o novo jornalismo ter originado tantas obras-primas, seu método sempre despertou críticas. Afinal, como pode, por exemplo, um jornalista/escritor saber o que seu personagem estava pensando quando descreve um monólogo interior? Isso é jornalismo ou pura ficção? Perguntas difíceis de responder e que continuam fazendo do jornalismo literário um enigma delicioso. (Texto integral)