*José Domingos de Brito
1904
RIO, João do. O momento literário. Rio de Janeiro: Garnier, 1904.
O famoso jornalista João Paulo Emílio Cristovam dos Santos Barreto, mais conhecido pelo pseudônimo de João do Rio, em fins do século antepassado, empreendeu uma enquete entre os principais escritores da época para esmiuçar a vida e o pensamento destes ilustres senhores. Segundo ele, “a imprensa que fala de toda a gente, só não falou ainda dos literatos”. Assim, ponderou que “como os homens variam e os livros não são lidos, oh senhor Deus! ler todos esses volumes – seria interessante fixar o que pensam ou o que não pensam os caros ídolos da nossa arte”. Sua pretensão não era pouca: “fazer a história do momento literário”. E atribuía certa importância ao seu trabalho. De seu ponto de vista, havia já naquela época um interesse do público em saber detalhes da vida particular dos escritores, e refletia: “imagine se cada uma dessas criaturas se resolver contar, no silêncio do gabinete, suas origens literárias, a sua formação, as preferências e principalmente o que julga do momento”. Selecionou mais de 40 nomes (Olavo Bilac, Coelho Netto, Inglês de Souza, Sylvio Romero, Affonso Celso, Raymundo Corrêa, Clóvis Bevilacqua, Rocha Pombo, Laudelino Freire, entre outros) para a entrevista (9) ou para envio das perguntas por carta (25). Nem todos se dispuseram a responder. Machado de Assis, por exemplo, recebeu com toda a gentileza a carta em mãos do próprio João do Rio e foi cobrado mais de uma vez. Em todas elas respondia com muita elegância que sim, claro! vou responder assim que tiver um tempinho. Outros que não responderam: Arthur Azevedo, Graça Aranha, Aluísio Azevedo, Emílio de Menezes, Alberto de Oliveira, José Veríssimo e Gonzaga Duque. Seu questionário foi composto com as perguntas:
1- Que autores contribuíram para a sua formação literária?
2- Qual a sua obra preferida?
3- Quanto a prosa e a poesia contemporânea, estamos num período estacionário? Há novas escolas ou há lutas entre antigos e modernos? No último caso, quais são eles?, Que escritores a representam? Qual a que julga destinada a predominar?
4- O desenvolvimento dos centros literários dos Estados tenderá a criar literatura à parte? E, por fim, a última e mais importante pergunta para o jornalista:
5- O jornalismo, especialmente no Brasil, é um fator bom ou mal para a arte literária ? Recebeu 36 respostas, e referente a esta última pergunta, o resultado foi o seguinte: 10 acharam que é bom; onze acharam que é mal; onze acharam que não é mal nem é bom; 3 não responderam e um 1 não entendeu a pergunta.
Esta enquete foi atualizada mais tarde, em 2005, pela jornalista Cristiane Costa – Pena de aluguel: escritores jornalistas no Brasil 1904-2004 -, publicada pela Companhia das Letras.
1955
OLINTO, Antonio. Jornalismo e Literatura. Rio de Janeiro: MEC-Ministério de Educação e Cultura, 1955.
Segundo Alceu Amoroso Lima, este livro “é sem dúvida o que de melhor se tem escrito, entre nós, sobre o assunto”. Para o autor, jornalista e membro da Academia Brasileira de Letras, “existe a realidade em ato e a realidade em potência, a atual e a potencial. A ficção pode haurir seu material tanto de uma como de outra. Sua configuração geral é mais de real possível que de real atual, enquanto o jornalismo se situa quase que exclusivamente no real atual. A identidade entre as duas fontes é completa, porque na transformação por que passam, digamos assim, as duas realidades, para assumir uma forma literária, ambas se sujeitam às leis de descrição e narrativa, a que não pode fugir a reportagem (real atual) nem tampouco a ficção (real atual e possível), por mais intimista ou contraponteada que esta seja… A descrição está ligada ao espaço. A narrativa decorre no tempo. O estilo de quem descreve procura situar os objetos, as pessoas, os acontecimentos, num determinado lugar. O estilo de quem narra constrói sequência de fatos, que se desenvolvem dentro de um período de tempo. As duas condições, que cercam o homem e tudo o que ele faz, se interpenetram e formam, às vezes, uma só condição. E, tanto na vida real, nos gestos de cada instante, como no que escreve, o ser humano está dentro das limitações do tempo e do espaço, que são a sua angústia e a sua grandeza… Como o jornal vive muito de descrição e narrativa está mais ligado ao conto e ao romance do que à poesia, ao menos em sua parte material, de estilo, de ritmo de linguagem… O dilema, perigoso e sutil, que o jornalista tem de enfrentar, é o da atualidade e da permanência. Nem sempre estão as duas separadas, mas é comum não saber ele descobrir, no acontecimento que tem em mãos, a beleza latente, a verdade que o leitor precisa de saber, através das palavras… O jornalismo já foi chamado de `literatura sob pressão`. Pressão do tempo e pressão do espaço (e pressão do público). Por maior que seja essa pressão, o jornalismo tem, fundamentalmente, as mesmas possibilidades que a literatura de produzir obras de arte…O homem tem sempre notícias a transmitir. De seus amigos, de seus lugares, de si mesmo. O importante, para o artista, é colocar, na aparente gratuidade dessas notícias, um sentido capaz de permanência, uma mensagem que consiga atingir o ponto em que todos os homens se unem, a essência humana das pessoas, onde o tempo não tem presença. Eu diria até que o jornal é exatamente uma contínua luta pela fixação de realidades, uma tentativa de captar, nos acontecimentos cotidianos, algumas verdades particulares e permanentes da vida do homem… O jornalista, que tem a vocação do jornal, é um escritor, no sentido exato dessa palavra. Aperfeiçoa a sua linguagem e, tendo de fazer uma reportagem, coloca nela o melhor de seu talento e de seus esforços. Crônicas, artigos, editoriais, tudo isso faz parte do jornal, mas não é essencialmente jornalismo. O repórter de rua faz muito mais jornalismo do que o autor de um seguríssimo artigo de fundo”.
1965
CAPOTE, Truman. A sangue frio: o relato fiel de um assassinato múltiplo e suas complicações. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1965.
A inclusão deste livro na bibliografia deve-se ao seu pioneirismo – ao exemplificar em livro um retrato fiel do jornalismo literário – e a sua importância para a literatura. Se até aqui, Capote havia feito uma reportagem-perfil de Marlon Brando (O duque em seus domínios), publicada na revista New Yorker em 1956, agora ele cria o “romance de não-ficção”. Um gênero e um nome aparentemente contraditório. Mas, que é romance não há dúvida, e como diz o sub-título “relato fiel”. O autor passou seis anos investigando, por conta própria, o assassinato de uma família (pai, mãe, filho e filha), ocorrido no Estado de Kansas, EUA, em 1959, por dois jovens inexperientes no mundo do crime. O livro conta detalhadamente a história de vida e morte destas seis pessoas: a vida pacata dos caipiras norte-americanos; a caçada policial passando por diversos estados; a infância, psicologia e familiares dos criminosos; o interrogatório, o julgamento e, por fim, a execução por enforcamento. O livro de quase 400 páginas conta apenas com quatro capítulos indicando mais ou menos a divisão exposta acima. Capote foi além da pesquisa nos locais do crime e fazendo o percurso dos criminosos até a captura. Ele conversou diversas vezes com os habitantes da pequena de cidade de Halcomb, com parentes dos bandidos, com os investigadores e delegados da polícia e, evidentemente, com os próprios executores do crime. Com um deles chegou a travar um relacionamento de amizade e identificação com a sua vida na infância e adolescência. Mais tarde ele declarou em entrevista que aquele rapaz assassino teve uma vida semelhante a dele. Corre um boato que ele, já com o livro concluído, esperou a execução dos rapazes para fechar o romance, digamos com chave de ouro. Com este boato, ele foi acusado de utilizar um crime hediondo e usar o relacionamento com os criminosos em proveito próprio para escrever seu livro. Mas, visto agora, sob o aspecto puramente literário, que tirou proveito mesmo foi a literatura, sendo os leitores os beneficiários. Logo após seu lançamento, o livro foi aclamado em todo o mundo como a obra-prima dos últimos vinte anos. Nos EUA vendeu 350 mil exemplares no primeiro mês de sua publicação. O romance foi adaptado para o cinema diversas vezes e traduzido em todo o mundo. No Brasil ganhou uma primorosa tradução de Ivan Lessa, que hoje é raridade. A edição brasileira mais recente é de 2003, pela Companhia das Letras.
1969
LIMA, Alceu Amoroso. O jornalismo como gênero literário. São Paulo: Com-Arte: EDUSP, 1990.
Este livreto integra a coleção “Clássicos do jornalismo brasileiro”, lançada pela Editora da USP. Tal relançamento se deve ao fato de Alceu Amoroso Lima ter provado que “o jornalismo apresenta o traço diferencial da literatura ao colocar ênfase no estilo, como meio de expressão”. Antes de procurar saber se o jornalismo é um gênero literário, o autor indaga se ele pode ser considerado como literatura. Após enfocar a literatura – cuja definição mais sucinta é arte da palavra – em três acepções: em sentido lato; em sentido corrente e em sentido estrito, conclui que o jornalismo “tem todos os elementos que lhe permitem a entrada no campo da literatura, sempre que seja uma expressão verbal com ênfase nos meios de expressão”. Só deixaria de ser se considerarmos a literatura do ponto de vista estrito, como estética pura ou como ficção. “O jornalismo como gênero literário, deve antes de tudo ser uma arte, isto é, uma atividade livre do nosso espírito no sentido de fazer bem alguma coisa. Essa obra, para ser arte estética; e não apenas arte mecânica ou liberal, deve fazer de seu modo de expressão o seu fim, ao menos relativo. O jornalismo é uma arte da palavra, em que esta possui um valor próprio. O modo de dizer é um elemento capital para que o jornalismo, como qualquer outro emprego da palavra, seja ou não uma arte. Quando a utilização da palavra, em um jornal, tem apenas um fim pragmático não é jornalismo. Mas por seu lado, se tem um fim puramente estético, mesmo que esteja numa folha diária, também não é jornalismo. Uma poesia publicada em um jornal não é jornalismo, continua a ser poesia. Assim, a crítica etc. O que faz o gênero jornalismo não é o meio de expressão, é o modo de expressão, é a natureza da expressão. E a marca principal, como vimos, é de uma apreciação e não uma criação em si, sob a forma de ficção, de biografia ou de crítica. É uma certa apreciação, a apreciação dos acontecimentos, dos fatos”. Quanto ao estilo jornalístico, o autor ressalta que a “objetividade é outro traço natural do jornalismo, como gênero literário. O importante é manter o contato com o fato. Tudo mais deriva daí: a informação do fato; a formação pelo fato; a atualidade do fato; o estilo determinado pelo fato. O fato, o acontecimento é a medida do jornalista. Como a obra é a medida do crítico. Como o homem é a medida do biógrafo, o interlocutor do conversador, o auditório do orador, o destinatário do missivista. São todas formas de literatura que recebem antes de dar e exigem não apenas uma provocação exterior, mas uma constante sugestão de fora para dentro. A preocupação da verdade desempenha um papel capital em todos esses gêneros literários, que os põe mais em contato com o espírito científico do que a literatura de ficção e esta do que a poesia em sentido estrito”.
1987
SEABRA, José Augusto. Fernando Pessoa e o texto jornalístico. O Estado de São Paulo, 27/06/1987. caderno Cultura, p. 1-2.
Análise de uma faceta pouco conhecida da multifacetada obra de Fernando Pessoa: sua experiência jornalística. Antes mesmo de participar da fundação da revista Orpheu, em 1915, iniciando o “Movimento Modernista” em Portugal, colaborava com a revista Águia, em 1912. Neste período escreveu, também, para O Jornal e participou ativamente das revistas Portugal Futurista (1917), Atena (1924), Revista de Comércio e Contabilidade (1926) e Presença (1927). Vale lembrar que esta experiência como jornalista se dá num momento de efervescência cultural. Foi com o heterônimo Álvaro de Campos, que o poeta investiu o seu entusiasmo jornalístico:
“Notícias desmentidas nos jornais,
Artigos políticos insinceramente sinceros,
Notícias passez-à-la-caisse, grandes crimes –
Duas colunas deles passando para a segunda página!
O cheiro fresco a tinta da tipografia!
Os cartazes postos há ouço, molhados!
Vients-de-paraître amarelos com tinta branca!
Como eu vos amo a todos, a todos, a todos,
Como eu vos amos de todas as maneiras,
Com os olhos e com os ouvidos e com o olfato
E com o tato (o que palpar-vos representa para mim!)
E com a inteligência como uma antena que fazeis vibrar!
Ah, como todos os meus sentidos têm cio de vós!”
Noutra oportunidade, o mesmo Álvaro de Campos evoca os poderes do jornalismo citando o jornal inglês The Times:
“Sentou-se bêbado à mesa e escreveu um fundo
Do times, claro inclassificável, lido,
Supondo (coitado!) que ia ter influência no mundo…
Santo Deus!… e talvez a tenha tido”.
Nestes dois textos o poeta faz “ao mesmo tempo o elogio e a crítica do jornalismo, traçando-lhe as ambições e os limites. As relações entre o jornalismo e a literatura são tratadas num texto em que, dialogicamente, conversa com um jornalista. Assim delineia a tese – de que é pressuposta a antítese – segundo a qual o jornalismo tem a ‘força mental da literatura’, pois literatura é. Com esta reserva (mental ainda): ‘como, porém, o seu fim não é senão ser literatura naquele dia, ou em poucos dias, ou, quando muito, numa breve época ou curta geração, vive perfeitamente conforme os seus fins’”.
1997
LAJOLO, Marisa. Jornalistas e escritores, a cordialidade da diferença. Jornal da Tarde (SP), 05/07/1997.
Ensaio sobre as relações nem sempre harmoniosas entre jornalistas e escritores através da análise de autores clássicos da literatura com ampla experiência na área jornalística, tais como Machado de Assis, Eça de Queiroz, José Saramago Antonio Callado.
1998
RIVAS, Manuel. El periodismo es un cuento. Madrid: Alfaguara,1998
1999
MORALES, Carlos. Diferencias entre periodismo y novelística. Chasqui (Quito, Ecuador). n. 65, marzo 1999.
Crítica ao “new journalism” quanddo empregado em seções do jornal onde não há espaço para exibição de estilos literários. “Quando a seção noticiosa de um jornal informa sobre acontecimentos atuais, que requerem uma urgente atenção do público, esse jornal se obriga a comunicá-los de maneira rápida, direta, concisa e sem rodeios nem demonstrações de estilo que entorpeçam a finalidade principal da notícia, que é chegar ao seu destinatário”. Afirma que o”new journalism” nasce como gênero literário e não jornalístico. “É mais inventivo do que descritivo e Tom Wolfe o considera um sucessor do romance, não da notícia”. O autor se apresenta como um estudioso dessa corrente jornalística e acha correto seu emprego em reportagens mais densas, análises interpretativas ou artigos biográficos. No entanto, é totalmente contra seu emprego em notícias e apresenta, como exemplo, um caso onde cinco rapazes incendiaram um conjunto residencial em que morreram 30 pessoas: “Assim, como num jogo de crianças que passam a culpar uns aos outros, sem se importarem com a tragédia, assim se negavam ontem, em Caracas, os cinco piromaníacos do Chacao que incendiaram o conjunto residencial “La Caminadora”, com um saldo de 30 pessoas mortas e prejuízos de 500 mil bolivares”. Na sua opinião, o texto é atrativo, inovador, quase original, mas “é também uma aberração informativa e quase um insulto a inteligência dos leitores e a sensibilidade das famílias afetadas”.