*Franklin Jorge
Boêmio impenitente, o poeta Júlio Soares marcou uma época no Açu. Nascido em 1898, numa família abastada e amante da música, morreu em Fortaleza em 1954. Todos os seus irmãos e irmãs tocavam um instrumento. Sua participação nas serenatas era indispensável. Também tinha vocação para o teatro, tendo se apresentado em diversas peças que granjearam para si uma certa notoriedade como ator.
Ainda muito moço vendeu a um irmão o seu direito à herança paterna, numa antecipação a uma vida de dispersão e esbanjamento não apenas dos recursos materiais, mas do próprio talento que desapareceu com ele em condições de extrema penúria.
Em sua mocidade, graças a uma substanciosa mesada paterna, viveu vários anos no Rio de Janeiro, a capital do País, onde conheceu e se relacionou com artistas famosos, como Vicente Celestino, chegando mesmo a gozar de algum prestigio em meio a boemia carioca, por sua verve e prodigalidade que mantinha a família em estado de alerta.
Autor inspirado pela circunstância, não chegou a publicar nenhum livro nem registrou as músicas que compôs, especialmente, quando vivia no Rio. Consta que muitas dessas composições ele as vendeu a outros músicos, renunciando à autoria como era costume na época, sobretudo para financiar suas incríveis bebedeiras.
Versejando com espontaneidade e verve, produziu além da lírica, numerosas poesias fesceninas, entre as quais um soneto célebre através do qual defendeu com muita picardia a superioridade da xoxota da mulher negra sobre a das brancarronas insípidas, que considerava desenxabidas e sem fôlego nos embates sexuais.
Mestre da sátira, ao voltar para o Açu, desentendeu-se com o prefeito Francisco Amorim – Chisquito para os seus conterrâneos – e o caricaturizou impiedosamente em versos cheios de vitríolo. Vale recordá-los:
O prefeito do Açu é um ser descrente.
Um ser satânico, mordaz e desleal.
Uma figura cômica de circo,
Um sagaz jogador profissional.
Nada fez nem fará por nossa terra,
Esse tipo indolente, irresoluto,
Cuja língua babosa, suja, lambe
Continuamente a bunda de um charuto.
Salvo seja.