*Alexsandro Alves
O período renascentista representa para a Itália um dos pontos culminantes de sua arte pictórica e escultural: de Gioto, Donatello e Botticelli à alta renascença de da Vinci, Michelangelo, Rafael, Ticiano, Bramante, Giorgione, o período conhecido como Renascimento é de tal forma celebrado, que pode-se afirmar que o mesmo, hoje, é pop e industrial. Quantas releituras inusitadas a Mona Lisa não possui? Como uma espécie de rosto de Che Guevara da Alta Cultura, é uma das imagens mais reproduzidas do mundo.
Um de seus mais espetaculares nomes é Giorgione, nascido em Castelfranco Veneto, em 1477 e falecido em Veneza, em 1510. Morreu jovem, devido a uma peste que assolou a região naquele período.
Ele é autor de uma obra das mais enigmáticas da história da pintura, “La Tempesta”, de 1508.
Não se sabem os motivos, mas não há registros escritos sobre a pintura, de forma a especificar o que de fato ocorre nela. Há muito mistério e incertezas em tudo o que se escreveu e se escreve sobre ela, contemple-a abaixo:
A cena mostra uma região com uma cidade romana destruída. Em primeiro plano, um casal e uma criança. Os dois adultos estão calmos, tranquilos; descansam em um momento bem familiar: a mulher aproveita para amamentar, inclusive. Ele, com um cajado e vestido muito elegantemente, a observa; ela está nua e senta-se na relva, a sua mão esquerda descansa no joelho direito e a mão direita ela põe sobre o bebê. E o que é mais importante sobre ela?
Ela nos observa.
Alguns críticos desejam ver em seu olhar medo ou apreensão. De jeito nenhum. A posição de seu corpo e sua ação, a de amamentar, tranquila na relva, não despertam essa espécie de sensação. Além disso, ela está nua. Não faz sentido o medo. Por que ela tiraria a roupa, sentar-se-ia na grama e amamentaria em estado de medo? E há o homem ao seu lado.
Diferente dela, ele usa roupas e se apoia em pé, em um cajado. Quem é ele? Seria seu marido? Estão tão distantes para isso e não há cumplicidade aparente entre eles. Talvez ele a olhe com alguma ternura, mas quem não olharia uma mãe amamento dessa maneira? Assim como ela, ele também está calmo. Seu rosto, diferente do dela, está coberto por sombras, de forma que é dificultoso pontuar exatamente uma emoção emergindo dele. Essa ternura que observamos é mais pela sua pose, que de fato parece transmitir uma ideia de repouso.
Porém é mesmo o olhar da mulher um dos três pontos que centraliza nossa atenção e faz desse quadro um grande enigma.
Se há algo de assustador na obra – e de fato há – é a tranquilidade dos três: ela descansa amamentando, ele descansa em pé e a observa e o bebê, mama. Essa tranquilidade é assustadora por quê?
Porque se forma, ao longe, uma tempestade (detalhe acima). O céu está escuro e um raio amarelado brilha ao fundo, vai ser uma grande tempestade. Mas o casal está tranquilo e ainda levam uma criança de colo. Nenhum dos três se preocupam com a fúria da natureza que em breve se precipitará? Por quê?
E outra figura nos causa espanto. Talvez mais do que tudo na obra. No alto de uma das casas, sobre o telhado, há uma ave. Que também repousa a despeito do temporal que se anuncia, no detalhe abaixo, a ave circulada de preto:
Há uma tempestade, e os quatro seres vivos da obra estão tranquilos. Por quê?
E quem de fato seriam? Adão, Eva e Caim? Então a cena seria a da expulsão do Éden? Ou seria uma cena de um mito grego?
Nunca houve resposta definitiva para essa obra inquietante e fascinante. Ela permanece tão misteriosa quanto o sorriso daquela obra de da Vinci, talvez mesmo mais. Porque há tantas explicações possíveis à Mona Lisa, todas críveis. Porém para La Tempesta, não.