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Leila Míccolis: palavras com sentido

Escritora, poeta, crítica, editora e dramaturga (autora de Barriga de aluguel -TV Globo), a carioca Leila Míccolis dialogo com o Fundador de Navegos, de quem foi parceira no livro Impróprio para menores de 18 amores (Edições Limiar, 1979) e expõe de maneira nua e crua as dificuldades de produzir arte no Brasil, e lembra as dificuldades que enfrentou em Natal em sua última visita ao ser convidada da Fundação José Augusto para participar de evento cultural.

*Franklin Jorge.

Em Natal, em sua última passagem, viveu Leila Míccolis momentos de terror nas mãos de Isaura Rosado Maia, que sem vínculo com o estado continua mamando na cultura local como presidente da Sociedade Amigos da Pinacoteca, ideia roubada sorrateiramente de criador das Pinacoteca do Estado em 1993, mudado autocraticamente por ela para Pinacoteca Potiguar. Isaura quis passar-lhe um calote, fechando a mão para não pagar-lhe o cachê e quase a matando-a de fome, ao trancafia-la em um flat de sua propriedade no Potengi Flat, em Petrópolis. Nem roupa de capa e banho lhe oferecera. De fato, foi uma experiência traumática para Leila, que ali ficara com finada pela secretária de cultura odiada pelos artistas de Natal e Mossoró.

De Leila Míccolis, tenho muito a dizer, a começar por seu excepcional e variado talento, que fez dela uma referência nos anos de 1970, como criadora e ativista cultural no Rio de Janeiro, onde a conheci, escrevendo incansavelmente e participando da vida cultural da cidade. Morei em sua casa uns tempos e juntos produzimos um livro de poemas com originais ilustrações do artista Rodolfo Capeto, um dos grandes criadores de sua geração e do nosso tempo. O livro, que despertou o interesse da critica e se transformou em um livro cult, recebe o título, dado por ela, de Impróprio de 18 amores, atualmente uma raridade bibliográfica, citado em diversas obras de pesquisadores como Heloisa Buarque de Holanda, que se dedicou a estuda r a poesia dos anos de 1970 e a cultura jovem no Rio de Janeiro, da qual participamos ativamente, ela e eu. Sobretudo ela, que, por ser mulher, sofreu essa condição na própria pele.

Cinquenta anis de amizade e admiração mútuas nos une desde 1972, quando a visitei em sua casa, num subúrbio carioca, para entregar-lhe uma carta da dramaturga potiguar Nati Cortez, sua amiga. Unidos pelo desejo de criar uma obra que nos representasse no futuro, em certa época perdemos o contato, pois em luta pela sobrevivência, vi-me obrigado a viver em nove estados brasileiros, sempre escrevendo e produzindo sem esperança nem temor.

Tornei-me amigo de seu pai, Hugo Míccolis, homem gentil e cordial, advogado um tanto poeta e editor, sócio da editora Benjamin Costallat & Míccolis, em 1928, a casa editora que teve alguma projeção e publicou autores como o abolicionista Patrocínio Filho, Ribeiro Couto e Orestes Barbosa. Suas publicações primavam pelo sensacionalismo, como a série Mistérios do Rio e Cidade do Vício. Era casado com dona Corália Míccolis, que certa vez me ligou para mim às duas ou três horas da manhã, apavorada, porque suspeitara que sua casa em Jacarepaguá, distante subúrbio carioca, havia sido invadida por ladrões. Peguei um táxi e corri para lá. Ela estava trancada num quarto, morta de medo. Dei a volta por toda a casa e, nu terraço interno, descobri que uma vaca entrara pelo portão aberto e não conseguia voltar aos pastos. Jacarepaguá era ainda, então, um conglomerado de sítios e vacarias. Os dois me consideram o filho que não tiveram e me tratavam com apreço e carinho. Dona Corália gostava de trocar comigo receitas de bolo e Dr. Hugo, como o chamava, contava-me histórias fantásticas sobre João do Rio e Trinaz Fox, grandes escritores e artistas da época. Possuía um precioso quadro de Trinaz Fox, artista argentino que vivera e morrera no Rio, como parte de um grupo formado por Guignard, Portinari, Ismael Nery e Sílvio de Leon Chalréo, que seria minha grande e querida amiga por muitos anos.

Ontem à noite, conversei via internet, menos do que desejava com Leila Míccolis, sua filha, amiga querida e sempre lembrada, embora nos últimos anos, tivéssemos perdido o contato. Abaixo transcrevo o que ela deixou escrito parte do que deixou como registro da nossa conversa:

“Franklin, suas palavras me comoveram. Você é um dos poucos que me conhece bem e valoriza o que eu faço. Continuo sendo uma máquina de fazer poemas, não consigo parar, poesia é o ar que eu respiro… Mas aos olhos de todos estagnei, paralisei, desisti, porque não publico, não me autodivulgo, não abro concessões a uma mídia que celebra mediocridades na maior parte do tempo.

É, coragem eu sempre tive, fui a primeira a escrever como quase todo mundo escreve agora e levei muitas pedradas de todos os lados por causa disso. Mulher não escreve assim… era o que eu mais eu ouvia naquela época… Mas, sobrevivi e cá estou firme e forte.

Vão fazer cinco anos que não moro Rio mais. Moro em Cândido Mota, uma cidade pequenina ao lado de Assis, e que faz fronteira com o Paraná. Bem difícil a adaptação até hoje, mas… já foi muito pior.

Sim, quem sabe ainda volto a Natal, sem ser pela Fundação (José Augusto), porque as lembranças de minha última estadia aí realmente foi traumática… risos.

Vou dormir agora também, estou bem cansada, mas antes quero te dizer que fico muito feliz com esta nova reaproximação, temos muito ideias a trocar e conversas a colocar em dia.

Dorme bem e até amanhã (já é amanhã… olha a hora…)”.