*Franklin Jorge
Quando completei 40 anos, estava Thiago comigo no Acre. Dirigia então, naquele setembro de 1992, o Complexo de Comunicação O Rio Branco, integrado por um jornal diário e uma emissora de TV, e, sabedor de que alguém tomara a iniciativa de articular uma lista para arrecadar fundos para um presente dos funcionários, proibi terminantemente quaisquer outras manifestações nesse sentido.
Mesmo assim, temendo uma comemoração à revelia, aceitei a sugestão de um amigo de, após encerrar meu expediente que começava cedo e terminava tarde, refugiar-me em sua casa, para evitar alguma surpresa. Fomos, Thiago e eu, a pé, conversando até a casa de Rociberg Leandro, onde planejara ficar algumas horas conversando e bebericando alguns uísques, como seria do agrado do poeta deixara Barreirinha, no Baixo Amazonas, para fazer-me companhia dessa data única.
Quarenta anos!, exclamou abruptamente Thiago. Uma idade extraordinária para o homem que, a partir dessa cifra passará a viver plenamente a experiencia. A partir de agora, meu amigo, coisas extraordinárias lhe acontecerão…Como o que, quis saber um tanto surpreso e desconcertado com a veemência com que me afirmava tal coisa. Saiba que, amanhã mesmo você passará a se sentir um outro homem. Para começo de conversa, você se conscientizara que né feito de órgãos. Logo, a primeira coisa que vai sentir será uma dor lancinante nos testículos. E, num curto lapso de tempo, descobrirá que tem um nariz… Você sentirá uma dor na ponta do nariz. Sentirá que tem unhas… Acredite no Caboclo Thiago. Mas, releve tudo isto, porque este é o preço que se paga por alcançarmos os 40 anos.
Juntos, visitamos Mario Diogo que eu já entrevistara, escritor regionalista e político resignado à solidão e ao aconchego da família, que nos recebeu, como se dizia antigamente, de maneira calorosa e fidalga. Muito aprendi nesse encontro sobre a cultura amazônica e as misérias da política.
Por duas ou três vezes, durante essa sua passagem pela cidade, passamos algumas horas na companhia do maior escritor e artista plástico do Acre, Hélio Melo, homem simples que nasceu e cresceu num seringal, em convívio com um pajé que lhe ensinara os mistérios da fauna e da flora, dos rios e da noite que é domínio dos pagãos. Hélio Melo a quem ambos a admirávamos, por seu gênio, talento e humildade, a ganhar a vida como vigia noturno de uma escola, em reconhecimento ao seu importante e originalíssimo legado em palavras e formas de grande carisma.
Uma tarde, passeando pelo Centro de Rio Branco, após visitarmos as barrancas do rio Acre, no Segundo Distrito, onde, no Hotel Madrid, morara meu conterrâneo do Ceará-Mirim, Juvenal Antunes, uma de suas admirações que partilhávamos com Armando Nogueira e Oto Lara Resende. De repente me vi entrando no prédio da Prefeitura. Pensei que íamos em busca da Academia Acreana de Letras, instalada em suas dependências. Mas, não. Thiago arrastou-me ate o gabinete do prefeito e sem se fazer anunciar, muito senhor de si, abriu a porta e ali entramos para a minha surpresa e a do prefeito, Jorge Kalume, criador, quando senador, do Estado do Acre e dele o seu primeiro governador. Thiago de Melo, exclamou o prefeito. Quanta honra! E, olhando-me com atenção, reportou-se a Thiago amavelmente. Apresente-me seu amigo. Que faz aqui? E Thiago, de pronto: Soube que você anda dizendo que, no dia que encontrar o Diretor Geral do Complexo de Comunicação O Rio Branco, vai dar-lhe umas chicotadas porque ele tem criticado sua maneira de apoiar a cultura do Acre. Assim, para facilitar o seu esforço, tomei a liberdade de trazê-lo ao seu gabinete…
Kalume empalideceu. Gaguejou alguma coisa. Atribuiu o boato a bajuladores ou desafetos que gostariam de ver o circo pegar fogo. E, voltando-se para a sua mesa de trabalho, Thiago pegou nas mãos o famoso chicote do gaúcho Plácido de Castro, conquistador do Acre.” É com esse chicote que você quer chicotear o Diretor d´O Rio Branco…?”