*Franklin Jorge
Guardo de minha infância no Estevão a lembrança de narrativas apavorantes disseminadas por missionários e pregadores anônimos que admoestavam os antigos com fragmentos certamente colhidos no Apocalipse, o mais distópico de todos os livros bíblicos jamais produzido pelas antevisões de João.
O que não compreendíamos então parece ganhar contornos vivos e forma diante dos nossos olhos já cansados pela reiteração do mal que, desde a expulsão do Paraíso, persegue o homem e o condena a situações que nos parecem às vezes incompreensíveis ao entendimento humano.
Geralmente narrados pelos Antigos, como chamávamos aos mais velhos e extremamente idosos, mantinham-nos alertas sobre um tempo que viria como a síntese do triunfo do mal a que muitos sucumbiriam por castigo de seus pecados e maldades inomináveis.
Segundo o dicionário, seria um tempo de extremos e agruras, que hoje traduzimos presentemente como distópico. Um mundo regido pelo mal e seu cortejo de misérias, como as guerras, agora produzidas de maneira virtual, sem a necessidade de custosos deslocamentos, através a fabricação de doenças viróticas, como as pandemias que substituem os genocídios e os campos de concentração, embora alguns desses ainda subsistam em países totalitários como a China e a Rússia. Um mundo, enfim, muito parecido com este em que vivemos ou sobrevivemos.
Parece-me ainda ouvir as palavras que saíam da boca de Branca, Branquinha, sibilando entre os dentes que lhe restaram, perguntas aterradoras, das quais guardei esta, proferida quando duas pessoas que sobreviveram se encontravam em meio ao deserto: “Como escapastes?” essas duas palavras nos iravam o folego e nos fazia temer o futuro que Fatalmente viria, como veio, sob a forma que começamos a conhecer com um terror antigo e insofismável. Ainda pareço sentir a espécie de terror que sentia, ao ouvi-la do alpendre de sua casa, essas histórias que ela ouvira de seus avós.
A impressão que fica é a de que vivemos o fim dos tempos, tão temidos por aquela comunidade constituída a um tempo de pessoas empiricamente experientes e ignorantes do Saber formal. Algo que fazia parte da memória de todos e do imaginário coletivo que sobrevive de fiapos que restam na memória de cada um como açoite e uma advertência.
