*Alexsandro Alves
Interrompo a série de artigos “Do mundo como ideologia e representação”, para um assunto importante e inesperado dentro do panorama da música erudita atual.
O maestro e pianista Daniel Barenboim, por recomendações médicas, ficará afastado dos palcos até 2023. Ele já havia, no início do ano, cancelado seu Anel em Berlim, agora se retira para tratar da saúde.
Barenboim, judeu, nasceu na Argentina em 15 de novembro de 1942. No início da carreira, em 1952, o pianista, aos 10 anos de idade, sempre expressava seu desejo de reger orquestras, segundo ele, dominar Wagner era um desafio que o fascinava e as sinfonias de Bruckner estavam entre suas paixões musicais maiores. Ou seja, era um pianista com alma de regente.
Como pianista, gravou todos as sonatas de Mozart e de Beethoven, todos os concertos para piano de Mozart, tanto como pianista quanto como regente, todos os concertos para piano de Beethoven e uma grande de quantidade de concertos para piano românticos. Com relação às sonatas de Beethoven, geralmente os pianistas escolhem suas preferidas ou gravam uma integral completa, ele é o único pianista a gravar duas vezes a integral das 32 sonatas.
Como regente, estreou em 1966. No ano seguinte, casa-se com a violoncelista Jacqueline du Pré, ela havia se convertido ao judaísmo no ano anterior. A esclerose múltipla da violoncelista, descoberta em 1973, a faria abandonar os palcos e os estúdios. O casamento dura até 1987, quando morre du Pré. A partir de 1981, Barenboim inicia um relacionamento com a pianista russa Elena Bashkirova, casam-se em 1988, com quem tem três filhos, sendo que os dois primeiros, gêmeos, nasceriam em 1983, o mais novo é de 1985.
Na regência, Barenboim destaca-se em Wagner, Beethoven, Mahler e Bruckner. É o regente do mais impressionante ciclo do Anel moderno, o de Bayreuth, gravado nos anos de 1991 e 1992, disponível em áudio e em vídeo. Mas o drama de Wagner que o fascina mais é Tristão e Isolda, do qual tem 4 gravações completas, duas delas no Festival de Bayreuth, de 1983 e 1995. Em Bayreuth ele estreou em 1981, interpretando regularmente até 1999, quando grava Os Mestres Cantores de Nuremberg, com mise-en-scène de Wolfgang Wagner.
Colecionador de polêmicas, Barenboim por quatro vezes tentou reger Wagner em Israel, sempre com muito estardalhaço. Na última vez, conseguiu concluir o Prelúdio de Tristão de Isolda, antes de ser expulso por judeus raivosos. “Se não querem nada que lembre o nazismo aqui em Israel, deveriam banir também a Mercedes, a BMW e a Volkswagen”, ironizou o maestro certa vez.
Politicamente ativo, fundou, juntamente com o intelectual palestino Edward Said, a Orquestra do Divã Ocidental-Oriental, que reúne músicos judeus e palestinos. Segundo o músico, a música gera um processo civilizatório que rompe as ideologias políticas que separam as nações. Verdade ou não, é uma missão ao qual se impôs. Seu afastamento é a retirada de um titã, que sua sombra esteja sobre nós o mais breve possível.