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Lembrando Tonheca Dantas

Musicólogo e pesquisador resgata para as novas gerações um dos mais importantes artistas potiguares de todos os tempos.

*Cláudio Galvão

Vivemos uma época em que o progresso tecnológico interfere até nas emoções e na arte. Nos começos do rádio e respectiva difusão das gravações em discos, os procedimentos se afirmaram. A TV hoje usa de seus potentes recursos e promove a ascensão de valores sem valor que, pela repetição e insinuações, findam caindo no gosto de numeroso público. Isto significa altos lucros com gravações de sucesso e mais apresentações de shows caríssimos. Isto tudo vem da década de 1920, quando o rádio passou a se tornar viável no país. Mas, sempre houve uma classe de artistas que, por falta de recursos próprios e de patrocinadores fortes, ficaram reduzidos a pequenos públicos e subsequente esquecimento.

No Rio Grande do Norte um nome se tornou exemplo da vitória do valor apesar da modéstia dos recursos econômicos. Antônio Pedro Dantas – o nosso Tonheca Dantas – enquadra-se bem dentro dessa classificação.

Nascido e criado no ambiente culturalmente limitado de uma pequena cidade do interior, teve um futuro digno de admiração. Carnaúba dos Dantas de seu tempo era um arruado de casas, mas sua família possuía uma riqueza que não se compra: a tendência inata para a música. Os irmãos todos tocavam diversos instrumentos, participando de festas particulares, cívicas e da igreja. Iniciou-se no clarinete com um irmão e com pouco tempo dominava, não só a técnica do instrumento, mas os difíceis caminhos da parte teórica da música. Tanto é que, em 1898, ele com 27 anos apenas, candidatou-se à função de regente da banda de música do Batalhão de Segurança (Polícia Militar), em concurso realizado na capital. Na ocasião, teria que tocar à primeira vista, uma peça musical especialmente composta para a ocasião. Quando lhe perguntaram que instrumento ele preferia, respondeu: “Qualquer um, o senhor escolha!” Tamanha pretensão deve ter chocado os examinadores que, testando o candidato, ouviram-no tocar a música em todos os instrumentos da banda. Assim, sem nunca haver estudado em uma escola de música, o jovem sertanejo foi nomeado regente da mais importante banda do estado.

Dalí em diante sua vida foi um constante enfrentamento às dificuldades que encontrou, mas que conseguiu ultrapassar todas elas. Renunciando à função de regente, decidiu tentar a vida no sul, mas tomou o rumo do Pará. Em Belém residiu de 1903 a 1909, integrando a Banda do Corpo Municipal de Bombeiros do Pará. Retornando ao seu estado reingressou na Polícia Militar e, pouco tempo depois já estava na Paraíba. Em 1911 voltava para Natal, onde, por breve período, foi professor da Escola Normal. O ano de 1913 foi-lhe muito favorável. Inaugurado o cinema (mudo) Royal Cinema, tocou no conjunto que animava as sessões. Foi nessa oportunidade que o proprietário do cinema lhe pediu que fizesse uma valsa para ser tocada antes e depois das sessões. Nascia, assim, valsa Royal Cinema, que marcou o início de uma nova fase para Tonheca. Executada nos pianos das famílias, pela Banda de Música da Polícia Militar e, também, de cidades do interior, alcançou grande popularidade. Depois, tocada por bandas de todo o país, houve quem garantisse tê-la ouvido na emissora BBC de Londres, durante a fase da 2ª Guerra Mundial.

Mas Tonheca não “esquentava lugar”. Em 1915 estava em Santana do Matos; em seguida, em Alagoa Grande; em 1927 estava João Pessoa (que ainda se chamava Parahyba) retornando a Natal em 1931. Findava, então, o ciclo de tantas viagens em busca do sustento para a numerosa família. Voltando a ser anexado Polícia Militar, Tonheca chegava ao fim de suas aventuras e desventuras: porém sua graduação era tão somente a de soldado. Portador de uma úlcera gástrica tinha problemas alimentares e enfraquecia fisicamente. Era dispensado de tocar, ficando encarregado da parte burocrática, como copiar músicas.

É importante, nesta ocasião, que se faça um esclarecimento. Muitas informações circularam de que Tonheca teria deixado mais de mil músicas compostas. As pesquisas realizadas para a publicação do livro “A desfolhar saudades – uma biografia de Tonheca Dantas”, indicaram apenas sessenta e duas composições – valsas, dobrados, hinos, e outras, todas relacionadas no livro citado. Decorrido o tempo, mais umas poucas forem encontradas. O arquivo da banda de música do Corpo de Bombeiros de Belém, Pará, guardava, no ano de 1996, pilhas de pacotes contendo partituras musicais compostas por seus componentes. Posteriormente não foi encontrada nenhuma música originária daquele período. É inadmissível pensar-se que Tonheca tenha passado 6 anos ali e não composto uma música sequer. Aquele monte de pacotes espera alguém com audácia suficiente para pesquisar. Certamente muitas composições do nosso Tonheca estão por lá, esquecidas e desconhecidas.

Tonheca Dantas faleceu com 68 anos no dia 7 de fevereiro de 1940, uma quarta-feira de cinzas. Nenhuma notícia nos jornais, apenas uma referência em uma coluna e uma crônica de um poeta seu admirador. Nada deixou para a numerosa família a não ser uma modesta pensão de soldado da Polícia Militar. Suas lembranças estão publicadas em uma biografia; muitas gravações de Royal Cinema foram feitas, inclusive no sul do país. A 27 de abril do ano de 1967, Tonheca tornou-se patrono de uma cadeira da Academia Norte-riograndense de Letras, que teve como primeiro ocupante o também compositor Oswaldo de Souza. Em 2013, no centenário da valsa Royal Cinema, publicou-se um livro com um CD somente com gravações da valsa. Há poucos anos uma empresa da cidade patrocinou um excelente trabalho de transcrição de várias de suas músicas para orquestra sinfônica, que foram gravadas e apresentadas pela Orquestra Sinfônica do Rio Grande do Norte, em memorável noite no lotado Teatro Riachuelo.

Ainda é pouco para o muito que legou e ainda merece.

Gravações da Orquestra Sinfônica do RN disponíveis em: https://www.grupovila.com.br/cultura/tonheca-dantas/

Partitura de Tonheca Dantas.