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Livros desaparecidos

Fundador de Navegos escreve sobre dois livros desaparecidos de Luís da Câmara Cascudo. Um dos quais, uma História do Ceará-Mirim, que que em 1956 o escritor Jorge Amado chegou a folhear e do qual se lembrava ao visitar Cascudo em 1976, na companhia do autor destas linhas mal-traçadas.

*Franklin Jorge

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lembro-me de uma época em que o Prof. Rodrigues Alves, há quarenta anos morador no Rio de Janeiro, ia semanalmente almoçar no apartamento do escritor Homero Homem, no Leblon, e nos dava conta do andamento do andamento de sua pesquisa e do livro que escrevia sobre sua musa, Nísia Floresta, um tema que o obsessionava e o fez abrir mão de tudo, trocando essa busca pela própria vida.

Dizia-me Homero que, entre comer e investir alguma coisa nessa pesquisa, não hesitar, razão pela qual a única refeição decente da semana era esse almoço. Não se sabia aonde morava, exceto que passava dias e dias vasculhando arquivo em busca de informações que enriqueceriam sua obra magna. Nísia estava presente em sua vida, do acordar ao dormir, como uma doença que o consumia e da qual ele jamais se queixava. Às vezes, lia algum fragmento do que escrevera, na verdade, notas e mais notas que desvelavam a vida e a obra da escritora potiguar, cuja produção era praticamente inacessível ao pesquisador e leitor comum, apesar do seu mérito e contribuição à educação de seu tempo.

Era um rato de biblioteca que vivia enfurnado na Biblioteca Nacional e no Arquivo Nacional em busca de raridades esquecidas, pesquisando sem reconhecimento e sem paga, motivado apenas pelo fado e pela ânsia de dar vida a uma morta vilipendiada por sua conterrânea e rival Isabel Gondim, que a caluniou em uma carta indigna, atribuindo-lhe a pecha de prostituta, motivada exclusivamente pela inveja doentia e mesquinha. Empenhada em apagar o talento de Nísia, Isabel Gondim conquistou apenas um lugar dispensável na História, ao tornar-se repulsiva às pessoas minimamente decentes e justas. Essa devoção à memória de Nísia o condenou à pobreza, embora tenha realizado um trabalho de mérito sobre essa brilhante feminista e intelectual, considerada a mais brilhante mulher de letras de seu tempo, nascida e criada no sitio Floresta, hoje o município que recebeu o seu nome.

Nesses almoço semanais ele costumava evocar sua influencia como educadora, em Porta Alegre e na Corte, onde manteve colégios e se destacou por seus métodos pedagógicos, antes de sua partida definitiva, já viúva, na companhia da filha Lívia para a Europa, onde veio a falecer a nos depois após uma vida aventura que a levou à Itália, à Grécia, à Alemanha e à França, onde dormir o seu sono humilde e sem cuidados. Morreu na França e sua casa, mantida do mesmo jeito em que ela a deixou ao morrer, tornou-se um monumento nacional francês, aberto à visitação pública. Tivesse morrido aqui e nada mais restaria de sua memória, exceto o seu túmulo, que tem sofrido a ação de vândalos, desde que foi transplantado de Rouen para a terra de seu nascimento e há gerações está entregue às traças e aos descuidos das autoridades potiguares. Enfim, uma relíquia história digna de cuidados e preservação. Deixou-nos uma pequena obra deleitável e única.

Um outro importantíssimo livro para a cultura e a história do Rio Grande do Norte e, em especial para o nosso depauperado e afevalado Ceara-Mirim, é a obra que custou em tempo e dedicação ao escritor e historiador Luis da Câmara Cascudo que conta a sua história desde a ocupação pelos portugueses aos dias atuais. Capítulos e mais capítulos desse livro foram lidos em saraus promovidos em sua mansão da Avenida Deodoro por Boaventura de Sá, homem rico do Ceará-Mirim que prezava as letras, entre comes e bebes. Supõem-se que os originais de dessa obra tenham ficado em poder do próprio Boaventura ou de algum herdeiro seu que não tiver a diligência de devolve-lo aos seu legitimo dono e autor. Era homem que admirava o talento e prestigiava a historia e, por isso, em homenagem à sua terra natal, promoveu várias leituras da História do Ceará-Mirim. Outros livros de Cascudo, dez se não me engano, também desapareceram sem deixar vestígios, exceto sua história da aviação no Rio grande do Norte, que tive a sorte de descobrir por puro acaso, entre os papeis do engenheiro italiano Rocco Rosso, que entrevistei para o meu livro O spleen de Natal.

Morava ele no Barro vermelho. Na tarde em que o entrevistei – entrevistada difícil porque o entrevistado tinha um pensamento erradio e insistia em dirigir o foco da entrevista, fixando-se em uma aeronauta norte-americana, Amélia Earth, que não me despertava o mínimo interesse, mas sim sua amizade com Cascudo e seus encontros com o francês Saint-Éxupèry no famoso Café Canjica, na velha ribeira. Já exausto e prestes a despedir-me, ocorreu-me perguntar-lhe se teria algum papel de Cascudo. E, ele, sem ter uma noção exata da importância do fato, reportou-me que possuía “uma papeis velhos” escritos por Cascudo.” Uns apanhados sobre a aviação no RN”, feitos a seu pedido, que queria ter um documentário daquela época de pioneirismo.

Outros livros de Cascudo desapareceram sem deixar rastos. De todos, apenas a história da aviação foi resgatado, por puro acaso e muito me orgulho de estar inserido nessa história, embora não haja registro que o comprove, mas isto me parece de menos, se o livro foi salvo e publicado em benefício de futuros pesquisadores de sua obra inigualável. Tive-o em meu puder durante dois anos, ao tempo em que morava na Redinha, mais precisamente na África, à Rua Beberibe 500, onde nada produzi, mas fui muito feliz em meio a cajueiros, mangueiras e coqueiros e meus dois gatos albinos.