*Enrique Vila-Matas
Acho muito sedutor apresentar livros que não existem e acho que se assemelha a um gesto pioneiro de Borges: revisar um livro inventado. Apresentar livros que se escreveu, por outro lado, não é muito sedutor. Parece que alguém é punido por ter escrito aquele livro. É como se fosse uma sanção imposta a você por tê-lo publicado, como se quisessem avisá-lo para não pensar em fazê-lo novamente.
O que teria acontecido se Kafka tivesse sido perguntado, repetidas vezes em entrevistas, o que significava o besouro em A Metamorfose? Mesmo que ele respondesse que não sabia, eles teriam nos privado, como leitores, do mistério e da liberdade de imaginação, dois dos grandes encantos de toda leitura. Agora percebo que era exatamente sobre isso que você e eu estávamos conversando, Jean, no corredor do auditório do Institut Franais da última vez que nos vimos, que foi quando você apresentou Je m’en vais em Barcelona.
Na verdade, eu tenho certeza que você sabe, nós só nos vimos em lançamentos de livros. Mas acho que o destino de nossa amizade não precisa necessariamente passar pelos odiosos lançamentos de livros. Olha, Jean, devemos começar a pensar em nos encontrarmos em um cenário diferente: na apresentação de um livro que não existe, por exemplo.
Enrique Vila-Matas
Sobre a impostura na literatura
Foto: Enrique Vila-Matas e Jean Echenoz