*Renato de Medeiros Jota
Nas páginas de hqs um elemento primordial de composição é o lugar, local onde os personagens passeiam, vivem e desenrolam-se os seus conflitos e histórias. A questão do espaço preenchido no quadrinho, o que fica por trás dos personagens faz parte da ornamentação, mas vai além deles, o lugar onde andam e moram diz muito sobre eles. Isso vai além da simples ornamentação do local, onde as cenas e a história se desenrolam e os personagens passeiam por mosaicos criados pelas diversidades de objetos e paredes. Nestes espaços encontramos histórias que falam sobre a vida do personagem e expõe o que pensam através das suas paredes, contorno e diversos ornamentos que compõem o lugar.
Para quem lê quadrinhos e vai além do mero entretenimento percebe que o local, onde o personagem vive ou passa por ele e acrescenta uma enorme profundidade à história que mau podemos perceber, mas necessário para a produção de uma hq. Agora imaginemos quando o cenário ou o local é a própria história e tem a função de prosseguir com as aventuras dos personagens só que, dessa vez, conduzindo-a. O cenário é o centro da história e por ele que as coisas acontecem, claro, não há diálogo entre um local ou lugar com o personagem, isso acontece mais através de insinuação ou indiretamente através de acontecimentos que acontece no lugar, como um ruído, uma porta fechando, o piso rangendo, a parede rachada, larga ou estreita, passando emoções e influindo sobre os sentimentos dos personagens.
Exemplos de lugares nos quadrinhos que são protagonistas nas histórias são: a Terra do sonhar, Casa dos sussurros e Casa dos mistérios existem na hq de Sandman, Satélite da liga da justiça, Mansão da família Wayne de Batman, O cemitério local comum de zumbis, As cidades abandonadas ou tomadas por zumbis em hqs como the Walking Dead, filmes e games. Outros locais são mais abstratos como um cenário bárbaro ou período histórico como a era hiboriana ou o futuro pós apocalíptico de Kamadi herói humano da Dc. Existem muitos outros exemplos que poderíamos citar aqui. Mas a pergunta que fica é como um lugar pode ser um personagem se ele não é uma pessoa? Aí que está nos quadrinhos, filmes e livros o protagonista pode não ser uma pessoa, um ser humano, mas um lugar. Ora, basta constatar na literatura no Livro de William Hope Hodgsom A casa no limiar ou no Iluminado de Stephen King com O hotel como foco da trama, outros lugares poderiam serem mencionados, mas já deu a entender aqui a importância do local onde acontece a trama e o desenrolar narrativo.
Quem notou que o lugar ou local era parte importante da narrativa foi o mestre Will Eisner. Ele soube como ninguém trabalhar nas páginas a relação do lugar como foco narrativo. Quem não leu o Edifício ou avenida Dropsie e ficou emocionado com os dramas e conflitos humanos que ocorriam entre as paredes e em torno do Edifício ou nas cercanias da avenida, dentro e fora de suas casas. Explorar o espaço em que vai acontecer a trama é algo interessante para ambientar e preparar o leitor ou espectador para o que está por vir. A localidade também tem a função de falar sobre o personagem e adiantar algumas explicações sobre sua personalidade e jeito de viver. Diminui o tempo de comentários sobre o tempo que ocorre a ação, sobre o ambiente, cultura e sociedade em que a história está inserida. Tudo isso é função do espaço onde ocorre a cena narrativa numa hq, a descrição em um livro ou a cena de um filme.
É quase obrigatório que o cenário exista, sem ele não é possível a narração de uma história. Encaremos o lugar como espaço onde desenhistas, escritores ou diretores colocam suas peças para mover em uma narrativa que é possível através da interação da imaginação e o local em que ocorre à ação. Se supormos que uma cidade como New York ou São Paulo são lugares que tem além de muita gente, uma população imensa, podemos supor obrigatoriamente que existem lugares como Times square ou bairro da liberdade que são locais onde reconhecíveis até mesmo para quem nunca foi lá. Locais e lugares tem vida própria, uma história particular capaz de atiçar a imaginação. Quando falamos no serial killer Jack o Estripador é quase impossível não mencionar Whitechapel, quando mencionamos a mansão onde fica os x-men logo vem o nome da cidade de Salem center. O local tem relevância para a história, principalmente numa hq.
Até mesmo mundos são protagonistas de várias histórias, não sendo mero adorno além de conter cenários fantásticos e incríveis esses lugares são capazes de representar uma oposição poderosa aos personagens como apocalipse, mundo de Darkside ou Eon o planeta vivo da Marvel. Como pode se constatar, o lugar ou local onde ocorre uma história tem suma importância para o desenvolvimento da história, mas ela vai além, pode ser a própria história que guia os personagens e interage com eles. Nesse sentido, os quadrinhos são de importância magnifica para o desenvolvimento de tais temas.
Por fim, gostaria de falar mais sobre essa questão da relação do lugar/local com personagem, essa ligação é bem mais psicológica e também emocional. Uma rua nos desperta sentimentos nostálgicos, uma avenida evoca saudades de alguém ou tempo distante. O cheiro de certos lugares também nos trás lembranças queridas de situação ou pessoa que se foi. Os lugares contam histórias que estão lá para nos lembrar ou nos fazer imaginá-los como deveriam terem acontecido. A importância narrativa desses lugares e locais é incalculável para o escritor ou roteirista e sem eles a história se moveria em um vazio insosso. Por isso toda vez que ler um quadrinho, livro, escutar uma música ou ver um filme não se esqueça da localização onde ele ocorreu e o lugar onde mora o personagem, porque isso faz toda a diferença. Agradeço a todos pela paciência em ler essa reflexão/resenha sobre a importância sentimental ou meramente imagética de um lugar para nosso entretenimento ou por nos trazer boas recordações.
