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Luísa Mercedes Levinson e os pintores

Fundador de Navegos foi amigo e se correspondeu durante vários anos com a escritora argentina Luisa Mercedes Levinson, autora de grande originalidade que nos legou La Isla de los organilleros, Sumergidos e Úrsula y el ahorcado, novela ambientada em Bruges, na Renascença flamenga. Foi noiva do escritor e poeta Jorge Luís Borges e escreveu com ele a quatro mãos La hermana de Eloisa. Não gostava muito da convivência com escritores, que considerava uma gente pedante, solene e vaidosa; preferia os pintores, mais descontraídos e acima das convenções. Quando morreu, seu nome havia sido indicado à Academia Sueca, pela Sociedade de Homens de Letras de Paris, ao Prêmio Nobel de Literatura. Não gostava de escrever cartas, mas se correspondeu até sua morte com o autor destas linhas, que a perdido de Jorge Amado traduziu seu conto O sonho violado para publicação na revista Exu, da Casa de Jorge Amado.

*Franklin Jorge

A escritora argentina Luísa Mercedes Levinson preferia os artistas aos escritores. “São mais loucos e menos solenes do que os escritores”, escreveu de Belgrano, em 28 de abril de 1985, numa carta a Jorge Antonio.

Em “Páginas escojidas” (Celtia, Buenos Aires, 1984), série de antologias da obra de importantes escritores argentinas, como Jorge Luís Borges, Ernesto Sábato e Adolfo Bioy Casares, há vários textos de Luisa Mercedes que referem aos artistas.

Em “El estigma del tiempo” (Seix Barral, 1977) a música e a pintura estão presentes em alguns dos dezessete contos do livro

“O castelo”, páginas 105—08, é o de Vauvernagues, onde viveu Picasso, citado no parágrafo final do texto.

Num texto curtíssimo, “O pintor”, homenageia Juan Batlle Planas, artista que achava morrer uma arte ainda mais divertida do que a chamada arte viver.

Corot é exaltado em “A ilhota”, 131—34: “Observé esta scena que creí haber visto ya en el país del abanico de mi abuela. Yo estaba en de puntas de pie al borde de la isleta, que vista desde lejos no desdecía la armonía del paisaje com sua redonda armonía de sombra, pero desde su límite tangible, recobraba  su amenazante poder de cosa prohibida. Quizá significaba la advertencia en la América profunda en su paisaje que parecía pintada por Corot”

“O anjo”, 86-87, é um conto breve sobre um escultor que vivia sozinho em sua cabana, na entrada do bosque, meditando sobre a medida, o peso e a forma dos anjos do céu. Foi um texto recuperado da colaboração semanal da autora em “La Nación”, onde Luisa Mercedes assinou coluna durante vinte anos.

Em “El pesador de tiempo” (1980), Luísa Mercedes faz o tempo cessar em sua duração, matando dessa forma a morte. O livro reproduz pinturas de Pérez Celis, pintor célebre.

Em “Ursula y el ahorcado” (Editorial Crea, 1981), nesse livro, que é um quadro da vida de Úrsula, a autora transcria a Flandres medieval e nos conta como uma “prostituta boa” posa para um retábulo doado por um burguês cervejeiro à Igreja de Santa Mônica.

Eleita entre todas as moças do bordel e de todos os bordéis de Bruges, a vida Úrsula a Ruiva não era fácil. Freqüentemente, ela sonhava com uma granja, filhos morenos e despensa farta. Para atrair o ouro e a clientela, desafia a lei e mantém sob os colchões a mão de um enforcado, infalível amuleto.

Ao fim de vinte sessões, posando para Memling – que pintava cercado de fogosos aprendizes – recebeu, em pagamento, uma corda de salsichas e meio barril de cerveja. O quadro da Madona foi então triunfalmente entronizado num altar lateral.

Obra originalíssima, composta de pequenos textos que se intercomunicam, numa voltagem imprevista de humor e irreverência. As ilustrações são de Alejandro Pérez Becerra. Há ainda no livro a reprodução em detalhe de “O jardim das delícias”, de Bosch, um dos artistas prediletos de Luísa Mercedes.

“Sumergidos” (incluída em “Ursula…”) é uma pequena obra-prima que exalta a música de Eric Satie e o paraíso infernal da natureza – que Luísa Mercedes aproxima do paraíso dos adamitas, uma seita que cultuava o amor total e inspirou o movimento surrealista.

“El último zelofonte” (Sudamericana, 1988) inspirou a Mildred Burton, “pintora talvez surrealista”, segundo a própria Luísa Mercedes, uma performance, “Habitáculos perversos y cerimônias alquímicas del zelofonte” (Feira do Livro, Buenos Aires, Centro de Arte Y Comunicación – CAYC).

Dotada de um grande poder descritivo, poderosamente visual e pictórico, Luísa Mercedes trabalha a palavra com lúdica disponibilidade.

Admiradora do surrealismo, autora de uma escritura realista e fantástica, ela interroga-se: Dónde nace en mi el origen de esta pasión pictórica?

Talvez a resposta esteja com o poeta Conrado Nalé Roxlo, que escreveu num autógrafo:

                            A Luísa de Valenzuela,

                            Que moja en sueños la pluma,

                            Crea castilos de bruma

                            Y sobre sus torres vuela.