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Luzes sombrias de dois encontros

Algumas considerações sobre questões fundamentais entre Richard Wagner e Friedrich Nietzsche a partir das ideias do compositor desenvolvidas pelo filósofo.

*Alexsandro Alves

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Minha principal referência estética é Richard Wagner. Durante meus inícios com sua música ocorreram problemas, de cunho ideológico, que chegaram a preocupar-me muito, de tal maneira, que, aos 17 anos, quando ouvi sua música, conscientemente, pela primeira vez, ao mesmo tempo em que entrei em sua órbita poderosa e colossal, surgiam questões morais e éticas, políticas, que precisavam ser respondidas, afinal, quando se é jovem, a mente trabalha da seguinte forma: ou isto ou aquilo.

O dilema maior estava na associação de seu nome com Adolf Hitler e, à medida que textos sobre o assunto eram dissecados, tornava-se claro que tal associação não era apenas uma questão do gosto musical de Hitler. Havia outras ligações, que ultrapassavam a figura de Wagner, e contemplavam membros de sua família: sua filha Eva foi esposa de Houston Stewart Chamberlain, filósofo racialista e um dos fundadores do Partido Nazista. Quando morreu, Eva teve direito a todas as honras oficiais do Regime, incluindo um discurso do Führer.

O que extirpava, em parte, esse tormento, foi saber que pessoas de melhor índole também amaram Wagner tanto quanto os nazistas: Charles Baudelaire, Marcel Proust, Thomas Mann, Oscar Wilde. Assim como ficava sumamente feliz quando encontrava referências ou citações diretas ao Mestre em obras de artistas que respeitava (e respeito), como Machado de Assis, Salvador Dalí, Verlaine ou Kandinsky. A arte salva.

Uma figura controversa nisso tudo sempre foi o filósofo Nietzsche.

Por mais que suas ideias tenham influenciado o nazismo, eu não lia muito a respeito. No entanto, em se tratando do compositor, a maldição sempre estava lá, citada abertamente ou em reticências.

Outra coisa que me chamava muito a atenção e ainda chama, pois ainda hoje isso ocorre, é a incoerência de subordinar Wagner a Nietzsche.

Recentemente vi um vídeo em que se falava que no Navio Fantasma, Wagner absorvera Nietzsche.

O que esse povo está pensando?

O navio fantasma é de 1843. Nietzsche nasce em 1844.

Quando o filósofo conhece o compositor, este já está em pleno período de sua maturidade artística. O ano é 1868 e o compositor já criara metade seu Anel e Tristão e Isolda (esta última obra que abre o modernismo musical, em1859); o filósofo, por sua vez, ainda era um ilustre desconhecido, tendo seu primeiro livro importante filiado a Wagner: O nascimento da tragédia, de 1872. Não é o compositor que deve ao filósofo, é o filósofo que continua, radicalmente, as ideias do compositor.

O nascimento da tragédia é um espelho de Beethoven, tratado estético que Wagner escrevera em 1870, em homenagem ao centenário de nascimento do Mestre de Bonn.

Quando afirmo que Nietzsche continua o caminho de Wagner, e isso se inicia com o livro de 1872, afirmo duas coisas.

A primeira: as ideias wagnerianas são radicalizadas por Nietzsche em sua fase amadurecida, todavia Wagner abandona esse caminho e se volta para o romantismo de cunho pessimista schopenhauriano.

Segundo: a exacerbação das ideias de Wagner, produzidas por Nietzsche, é que levam ao nazismo, em muitos pontos. Claro que a aversão de Nietzsche ao antissemitismo wagneriano pode levar facilmente à noção de que o filósofo não poderia ser um precursor do nazismo. Mas isso só seria válido se considerarmos o nazismo apenas uma questão de ódio aos judeus. Porém o nazismo é mais que isso.

Eu comento mais acuradamente sobre alguns desses pontos em minha dissertação de mestrado: O nascimento da Gesamtkunstwerk wagneriana (UFRN/PPGArC, 2011).