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Malandros e heróis

A traição feminina volta a ser assunto no país do carnaval, do samba e do futebol. E como sempre ocorre nesses momentos, é a hora do massacre na fogueira…

*Alexsandro Alves

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I

Eu jamais esquecerei esse livro: Carnavais, malandros e heróis, do antropólogo Roberto da Matta. Li esse livro em 1990 e não pude deixar de ficar impressionado. Na época, eu não conhecia essa ciência, a antropologia e nem a sociologia, e por isso li esse livro como uma espécie de tratado sobre comportamento, e nesse caso, comportamento do homem brasileiro.

Naquela idade, 15 anos, o livro me soara como uma análise do comportamento, no sentido mesmo da psicologia. E assim eu o li e o reli várias vezes. E achei aquele livro muito diferente dos outros que estava lendo, os que tradicionalmente sempre lia, os livros de literatura brasileira e estrangeira e os dicionários de português e enciclopédicos.

Porque o autor escrevia, e eu tinha mesmo essa sensação, de que havia muita observação e jornalismo nas suas páginas. Como disse, ainda não conhecia nada da antropologia ou sociologia, assim, procurei  por algo que me fosse familiar para classificar: psicologia e jornalismo. Da Matta citava autores que nunca havia lido ou ouvido falar: Viveiros de Castro, Levi-Strauss, Evans-Pritchard, Durkheim, Weber… sociólogos e antropólogos.

Mas da Matta também citava nomes que eu conhecia e vários eu já havia lido, por exemplo, ele citava Jorge Amado. E foi exatamente em uma das citações ao baiano, eu lembro muito vividamente, como se fosse agora, que tive um dos grandes espantos que esse livro me causou. Eu aceitei a palavra de da Matta como uma verdade em si mesma, eu dizia: é assim que é.

Mas isso me causou também um grande impacto de tristeza. O livro colocava certas situações tão reais e as analisava, que eu parava e observava a minha casa, a minha família, sobretudo o homem da casa, o chefe, o meu pai. Da Matta falava sobre o homem brasileiro. Então falava sobre si mesmo, sobre mim e sobre ele. E ao citar uma frase de Jorge Amado, de seu livro País do carnaval, ocorreu esse grande espanto que mencionei no parágrafo anterior.

Só me senti brasileiro duas vezes. Uma, no carnaval, quando sambei na rua. Outra, quando surrei Julie, depois que ela me traiu.

É do personagem Paulo Rigger. Então, aí estava a alma brasileira, do homem brasileiro. Dissolver-se na massa e agredir a amante.

II

MC Guimê resolveu se separar da esposa, Lexa, porque ela o traiu. Ele já havia traído várias vezes, inclusive em um programa de TV, reality show, da qual foi expulso por assédio sexual. É o carnaval de Guimê.

Lexa o perdoou. E não apenas isso. Foi para a mídia explicar e atenuar o comportamento do marido.

O contrário não é verdadeiro.

Mas as agressões estão a cargo da Internet.

Quando o homem trai, é mais fácil ser perdoado pelo Brasil. O exato contrário ocorre quando a mulher trai.

O apedrejamento virtual é uma substituição da agressão física masculina. Mas nesse caso, há agressoras.

Como explicar?

Qual seria a alma da brasileira? Me parece que nenhuma pesquisa acadêmica tentou decifrá-la.

Grande parte das agressões via redes sociais que Lexa recebe são de mulheres.

III

O que penso sobre o assunto?

Eu acredito que devemos naturalizar a traição feminina da mesma maneira que a traição masculina é naturalizada, perdoada e estimulada.

A mulher precisa ter a mesma igualdade de liberdade que o homem usufrui. Evidente que isso é difícil e esbarra em muitas dificuldades morais para o brasileiro.

Momentos assim precisam ser uma espécie de gatilho para estas discussões. Não é inocentando um ou outro. Mas se um lado tem todo a liberdade e goza da fraternidade tanto de outros homens quanto das mulheres, em sua maioria, que seja, pois, ao menos, equiparadas as situações.

Isso não se dará de uma hora para a outra. Mas ninguém merece e nem precisa sofrer pelo desejo, até certo ponto, claro, porque o desejo sempre é sofrimento. Mas falo de sofrer por conta do moralismo acusatório, esse ninguém merece.