*Alexsandro Alves
A artista Marília Scarabello teve sua exposição cancelada pela Caixa Econômica Federal após suas obras ofenderem alguns personagens políticos atuais do Brasil e elogiarem, por sua vez, outros.
Dentre os ofendidos está a senadora Damares Alves. Dentro os elogiados, o presidente Lula.
A artista também conta que está sofrendo ataques nas redes sociais e ameaças, por isso apagou todas as suas redes sociais.
Nenhuma forma de arte deveria ser censurada. Assim como nenhum artista deveria ser ameaçado por conta da exposição de suas ideias estéticas ou políticas. Isso é horroroso.
Tudo tem limite, menos a criação.
Porém vivemos em um país de lados, e assim, há indignação de um lado por uma coisa, mas não por outra.
Um dos grandes feitos da arte é o mal-estar.
Nós deveríamos agradecer aos artistas por isso, por nos instigar. Uma obra que nos provoca revolta deve ser saudada como uma benção e como uma oportunidade de reflexão.
Isso vale para todos.
Isso vale para Marília Scarabello, que colocou Arthur Lira, Damares Alves e Paulo Guedes numa lata de lixo. Alguns amaram, outros odiaram.
Isso também vale para Léo Lins. Aquele humorista que faz humor às custas de homossexuais, às custas da dor de mães atípicas, às custas do politicamente correto.
Ela, petista; ele, bolsonarista.
É duro? Mas Léo Lins, enquanto humorista, não deveria sofrer represálias por suas piadas. Alguns conseguem rir delas, outros, não.
Eu sou do tempo (que frase, hein?) que Ary Toledo fazia rir usando o português, o negro, o índio, a bichinha, a loira, o machão. É duro? Mas isso é o humor. O humor, pelo menos o melhor humor, sempre foi politicamente incorreto. Do tempo em que o TV Pirata exibia Tonhão, Preta de Neve (antecipou a nova Disney)… E por aí vai.
Hoje, no país, as mesmas coisas são tratadas de forma diferente, dependendo da visão política. A liberdade do artista ou do humorista só é tolerada a partir do compartilhamento das visões políticas iguais.
Eu sou contra a censura à Marília Scarabello! Mas sou a favor da censura a Léo Lins!
Eu sou a favor da censura à Marília Scarabello! Mas sou contra a censura a Léo Lins!
Duas faces da mesma moeda.
E não somos isentões, não. Somos, sim, apaixonados pela liberdade criadora. Não pode ter limite. Por mais que force o nosso estômago, que revire nosso intestino, que nos ponha de quatro com o nosso mundo desabando. Os artistas – e os humoristas -, precisamos aceitar, têm liberdade completa.
Isso é arte?, pergunta a senadora Damares.
É, senadora.
Mas Léo Lins faz piadas com autistas!
Faz. E daí?
Quem vai censurar? O governo? Alguma lei que algum governo assine? E quando mudar o governo?
Não podemos ficar dependentes de ideologia nenhuma.
Lembremos que, nas Flores do mal, Baudelaire poetisa o assassinato de esposas pelos maridos, a crueldade com os animais, a necrofilia e tantos outros temas de igual peso. O julgamento, a censura e a multa que Baudelaire pagou, isso tudo foi justo? A multa que pagou, os poemas censurados, os livros recolhidos por conta do ultraje à moral pública, isso é válido? Talvez alguém tenha apoiado por conta dos bons costumes.
Mas nem a arte e nem o humor devem aos bons costumes. Sendo assim, os artistas e humoristas são, sim, amorais. E não podem pagar penalidades por suas criações. Não podem ser julgados, nem censurados e nem ameaçados por serem criadores. Sejam de esquerda ou de direita.
Precisamos entender que a estética e o humor, algumas vezes, serão como mastigar vidro.