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Memorial da Anta Esfolada, uma critica

Navegos transcreve crítica, originalmente publicada em Próximo Parágrafo, sobre as memórias do professor Antenor Laurentino Ramos, publicadas em 2015 pelo selo editorial Feedback, de Natal.

*Vitor Lessa

O professor Antenor Laurentino, a partir de suas memórias e de memórias que pesquisou, construiu um romance que resgata a história dessa terra e desse povo. Essa é a Nova Cruz apresentada como cenário de uma história de amor registrada no início do século XX. O autor — enquanto buscava suas próprias origens — teve essa coragem de reviver esta história vivida naquelas paisagens agresteiras fazendo a narrativa de uma forma de amor só possível naquela Anta Esfolada revivida. Pelo caminho da ficção, Antenor Laurentino revela neste Memorial de Anta Esfolada, um verdadeiro romance, onde oferece — além da ficção — elementos capazes para quem quiser aprofundar estudos sobre a formação de uma cidade e um retrato sem retoque do seu povo.

Este é o memorial do que um dia foi a Anta Esfolada, antes de tornar-se cidade de Nova Cruz. Apesar de Antenor Laurentino Ramos ter nascido em Cariri (Paraíba) sempre sentiu-se extremamente ligado à cidade de Nova Cruz (Rio Grande do Norte), pois passou toda sua infância na cidade, onde também moraram sua mãe e outros dois irmãos. Memorial da Anta Esfolada conta-nos um pouco da história de um povo, de uma cidade, de uma região e do surgimento da mais bela homenagem que este local poderia conseguir: Um livro inteiramente voltado para as raízes de Nova Cruz.

Tudo começou no século XVII, quando na divisa do estado do Rio Grande do Norte com a Paraíba um grupo de boiadeiros levantou um rancho para descanso, onde ficou conhecido como Urtigal (pela incrível quantidade da planta urtiga no local), porém, o nome de Urtigal sofreu uma terrível alteração com o passar do tempo, devido o surgimento de uma lenda urbana. Um caçador conseguiu aprisionar uma anta em uma armadilha, porém, ela fugiu deixando um coro em suas mãos. Estima-se que ela tenha morrido e seu espírito tenha ficado vagando sem direção pelas redondezas, o que causou uma lenda urbana que se perpetuou e fez com que o local batizado de Urtigal recebesse o nome de  Anta Esfolada.

Com o passar do tempo, Frei Serafim de Catânia vindo de Santa Cruz, trazendo um cruzeiro feito de angico para evangelizar aqueles povos, prometeu exorcizar toda a cidade da maldição da anta. Com o passar dos tempos, a cidade recebeu o nome de Nova Cruz, a cruz trazida por Frei Serafim para expulsar o espírito maligno da Anta que afligia a cidade.

O romance escrito por Antenor Laurentino é um dos mais memoráveis com os quais você terá contato como leitor. Laurentino possui uma escrita voraz, visceral e contemporânea, sua ambiguidade ao falar dos sentimentos, emoções, lembranças e descrições acerca de memórias são incrivelmente profundos e tocantes de uma forma singular, única e esplendorosa. Percebe-se o enorme afeto do autor para com a cidade, sua ligação com o povo, com a história, com a construção da cidade e do estado e principalmente seu envolvimento direto (e indireto) com o povo desta região, a qual fala — com tons de paixão — revelando-nos um tom de saudade, muita das vezes entristecido em suas linhas, porém, carregados de satisfação por tê-los vividos.

Encontrar uma obra como a de Laurentino é sem sombra de dúvida, uma tarefa complicadíssima, não somente pelo incrível trabalho editorial explícito desde o primeiro contato com a obra, mas por sua escrita contagiante e apaixonante acerca da construção minuciosa e detalhada de um povo que desde os primórdios de sua relação com a terra nunca deixou de lutar por dias melhores.

O livro dividido em trinta e dois capítulos procura explorar de forma minuciosa as lembranças e percalços do autor Laurentino. O autor foi criado desde menino em Natal, porém, em suas férias tirava um tempinho para desfrutar um pouco da cidade de Nova Cruz, o que sempre esteve vivo em si foi a vontade de criar relatos e reviver momentos dentro desta cidade que sempre teve um espaço em seu coração.

Um romance quase que poético inspirado em fatos reais assolam as páginas deste livro. Esta é a história de amor, resistência e persistência de uma família que muito contribuiu para o avanço da cidade de Nova Cruz. Aqui compreenderemos um pouco mais sobre a vida de Julia Galdina — personagem principal e foco deste romance — e claro Ernesto Belmont, ao qual possuí um único capítulo dedicado ao seu empenho no desenvolvimento da cidade de Nova Cruz.

Tudo começou quando a cidade ainda chama-se Urtigal, quando as linhas ferroviárias usadas pelo Great Western cruzavam a divisa da Paraíba com Rio Grande do Norte, onde fora levantada uma pensão para acolher os boiadeiros que ali descansavam, até que chegou o momento do surgimento da lenda, das primeiras pessoas influentes, do novo batismo da cidade e subsequentemente todo o respaldo histórico aqui relatado.

Ler um livro como este é algo que poucas pessoas sabem apreciar. A obra de Laurentino foi lançada no ano de 2015 e prestigiada até mesmo pelo prefeito da cidade na época (que honra). A obra poética, histórica e biográfica é um memorial para todos aqueles que desejam manter vivos em suas cabeças, o surgimento e o desenvolvimento da cidade do agreste.

Detalhes importantes acerca do desenvolvimento, da vida das pessoas influentes, dos sentimentos e do aflorar da história focada em uma limítrofe sem precedentes. Um livro, de fato, memorável.

Em destaque, capa do livro Memorial da Anta Esfolada, Editora Feedback, Natal, 2015; acimas o autor.