*Vitor Lessa
O professor Antenor Laurentino, a partir de suas memórias e de memórias que pesquisou, construiu um romance que resgata a história dessa terra e desse povo. Essa é a Nova Cruz apresentada como cenário de uma história de amor registrada no início do século XX. O autor — enquanto buscava suas próprias origens — teve essa coragem de reviver esta história vivida naquelas paisagens agresteiras fazendo a narrativa de uma forma de amor só possível naquela Anta Esfolada revivida. Pelo caminho da ficção, Antenor Laurentino revela neste Memorial de Anta Esfolada, um verdadeiro romance, onde oferece — além da ficção — elementos capazes para quem quiser aprofundar estudos sobre a formação de uma cidade e um retrato sem retoque do seu povo.
Este é o memorial do que um dia foi a Anta Esfolada, antes de tornar-se cidade de Nova Cruz. Apesar de Antenor Laurentino Ramos ter nascido em Cariri (Paraíba) sempre sentiu-se extremamente ligado à cidade de Nova Cruz (Rio Grande do Norte), pois passou toda sua infância na cidade, onde também moraram sua mãe e outros dois irmãos. Memorial da Anta Esfolada conta-nos um pouco da história de um povo, de uma cidade, de uma região e do surgimento da mais bela homenagem que este local poderia conseguir: Um livro inteiramente voltado para as raízes de Nova Cruz.
Tudo começou no século XVII, quando na divisa do estado do Rio Grande do Norte com a Paraíba um grupo de boiadeiros levantou um rancho para descanso, onde ficou conhecido como Urtigal (pela incrível quantidade da planta urtiga no local), porém, o nome de Urtigal sofreu uma terrível alteração com o passar do tempo, devido o surgimento de uma lenda urbana. Um caçador conseguiu aprisionar uma anta em uma armadilha, porém, ela fugiu deixando um coro em suas mãos. Estima-se que ela tenha morrido e seu espírito tenha ficado vagando sem direção pelas redondezas, o que causou uma lenda urbana que se perpetuou e fez com que o local batizado de Urtigal recebesse o nome de Anta Esfolada.
Com o passar do tempo, Frei Serafim de Catânia vindo de Santa Cruz, trazendo um cruzeiro feito de angico para evangelizar aqueles povos, prometeu exorcizar toda a cidade da maldição da anta. Com o passar dos tempos, a cidade recebeu o nome de Nova Cruz, a cruz trazida por Frei Serafim para expulsar o espírito maligno da Anta que afligia a cidade.
O romance escrito por Antenor Laurentino é um dos mais memoráveis com os quais você terá contato como leitor. Laurentino possui uma escrita voraz, visceral e contemporânea, sua ambiguidade ao falar dos sentimentos, emoções, lembranças e descrições acerca de memórias são incrivelmente profundos e tocantes de uma forma singular, única e esplendorosa. Percebe-se o enorme afeto do autor para com a cidade, sua ligação com o povo, com a história, com a construção da cidade e do estado e principalmente seu envolvimento direto (e indireto) com o povo desta região, a qual fala — com tons de paixão — revelando-nos um tom de saudade, muita das vezes entristecido em suas linhas, porém, carregados de satisfação por tê-los vividos.
Encontrar uma obra como a de Laurentino é sem sombra de dúvida, uma tarefa complicadíssima, não somente pelo incrível trabalho editorial explícito desde o primeiro contato com a obra, mas por sua escrita contagiante e apaixonante acerca da construção minuciosa e detalhada de um povo que desde os primórdios de sua relação com a terra nunca deixou de lutar por dias melhores.
O livro dividido em trinta e dois capítulos procura explorar de forma minuciosa as lembranças e percalços do autor Laurentino. O autor foi criado desde menino em Natal, porém, em suas férias tirava um tempinho para desfrutar um pouco da cidade de Nova Cruz, o que sempre esteve vivo em si foi a vontade de criar relatos e reviver momentos dentro desta cidade que sempre teve um espaço em seu coração.
Um romance quase que poético inspirado em fatos reais assolam as páginas deste livro. Esta é a história de amor, resistência e persistência de uma família que muito contribuiu para o avanço da cidade de Nova Cruz. Aqui compreenderemos um pouco mais sobre a vida de Julia Galdina — personagem principal e foco deste romance — e claro Ernesto Belmont, ao qual possuí um único capítulo dedicado ao seu empenho no desenvolvimento da cidade de Nova Cruz.
Tudo começou quando a cidade ainda chama-se Urtigal, quando as linhas ferroviárias usadas pelo Great Western cruzavam a divisa da Paraíba com Rio Grande do Norte, onde fora levantada uma pensão para acolher os boiadeiros que ali descansavam, até que chegou o momento do surgimento da lenda, das primeiras pessoas influentes, do novo batismo da cidade e subsequentemente todo o respaldo histórico aqui relatado.
Ler um livro como este é algo que poucas pessoas sabem apreciar. A obra de Laurentino foi lançada no ano de 2015 e prestigiada até mesmo pelo prefeito da cidade na época (que honra). A obra poética, histórica e biográfica é um memorial para todos aqueles que desejam manter vivos em suas cabeças, o surgimento e o desenvolvimento da cidade do agreste.
Detalhes importantes acerca do desenvolvimento, da vida das pessoas influentes, dos sentimentos e do aflorar da história focada em uma limítrofe sem precedentes. Um livro, de fato, memorável.