*Jamal Singh
Gringo é um andarilho que percorre cidades brasileiras em busca de bicos e trabalhos manuais. Misterioso, é um homem que largou a faculdade de medicina em Minas Gerais, a sua família, e devota sua vida ao Mensur, uma luta de espadas surgida na Alemanha do Século 15, entre estudantes universitários. O objetivo da luta é que os adversários marquem o rosto um do outro enquanto impunham as espadas na altura do rosto, ganha quem aguentar por mais tempo. Não a toa, Gringo tem o rosto todo marcado por cicatrizes…
Num acerto de contas com o passado, Gringo retorna a Minas Gerais, aonde reencontra uma antiga paixão e se envolva com uma nova mulher, que levara ele a uma rota de colisão com velhos amigos. Ao mesmo tempo, uma sombra, talvez um antigo adversário, o persegue em toda a obra. Mensur poderia ser resumido assim, mas é um quadrinho com muitas camadas. Através de uma luta que parece ficticia (mas é real e existe até hoje), Rafael Coutinho faz um romance denso, sobre obsessão, hipocrisia, e esse Brasil que não aparece na grande mídia.
A ideia de Mensur surgiu para Coutinho em 2010, durante a divulgação do sucesso Cachalote, ilustrada por ele e roteirizada por Daniel Galera. Coutinho pensava que 12 meses seriam suficientes para finalizar o projeto, mas ele acabou levando sete anos. “Vejo um fim de ciclo de livros que eu fiz, que me tomaram um longo tempo, cada um de um tamanho”, explica o autor em uma longa entrevista feita em fevereiro de 2017, quando o livro de mais de duzentas páginas em preto e branco foi enfim para a gráfica.
Ao longo dos últimos sete anos Coutinho não se dedicou só a Mensur: Ele publicou três volumes da série O Beijo Adolescente; criou a editora Narval, onde lançou vários títulos e depois encerrou as atividades do selo; ilustrou o livro As Surpreendentes Aventuras do Barão de Munchausen; idealizou a coletânea O Fabuloso Quadrinho Brasileiro; organizou eventos e fez a curadoria de outros; além de editar a Nébula.
E apesar da longa gestação a obra não ficou datada: o Brasil de 2010 não é muito diferente do de 2017, quando Coutinho lançou a Obra. E lida hoje, ela faz ainda mais sentido. As mesmas pessoas em posições de poder, com vidas respeitáveis e tradicionais que escondem motivações abjetas e crimes; a mesma hipocrisia; o mesmo Brasil; tudo está aí do mesmo jeito. Uma leitura densa, incrivelmente cinematográfica (não a toa, os direitos já foram vendidos), que merece ser lida e relida para poder absorver melhor cada detalhe.
