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Mestre Lua, corta-jaca de meu pai

Escritora nascida em Carnaúba dos Dantas, de tradicional família potiguar que nos legou um ilustre prelado, D. Marcolino Dantas, estreia como Colaboradora de Navegos. Residente, há anos, em Goiás. Iracema Dantas já publicou um livro infantil com apresentação do Príncipe Charles, herdeiro do Trono inglês. Aqui ela escreve sobre o “corta-jaca”, figura antiga que levava e trazia recados de namorados.

*Iracema Dantas

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Antigamente quem decidia pelos nubentes eram os pais. Gostando ou não gostando o jeito era subir ao altar e confirmar “sim” ao que o pároco dizia. Os recém-casados abastados seguiam em lua-de-mel. Tal qual hoje.

Com a minha mãe não foi diferente. O pai dela, alcunhado por Coronel (e conhecido como parente por todo mundo) reservou alguns bons partidos para ela. A lista era extensa e incluía primos carnais, homens inteligentes, cultos, gente com sucesso financeiro e futuro garantido.

divórcio, amigação, morar junto, ficar, dar um tempo não eram permitidos, nem figuravam em nenhum dicionário de Língua Portuguesa. Todos acreditavam que o que Deus uniu o homem não separa.

Meu bisavô materno se casou com uma sobrinha dele. Dessa união nasceram 22 filhos. O casal viveu junto 75 anos, na mais perfeita felicidade.

A primeira núpcias do meu avô foi com uma menina de 10 anos, fruto de uma aposta ganha em um jogo de pôquer. No primeiro parto ela veio a óbito e levou junto o bebê.
Meu avô não demorou a encontrar outra que pudesse lhe dar um herdeiro pra quem ele deixaria sua fortuna. A pretendente foi fácil encontrar: uma prima bonita e prendada, que estava dando sopa nesse mundão de Deus. Viveram juntos pouco tempo. Na hora que nasceu sua primeira filha – minha mãe -, ela partiu para o céu, lugar onde ficam as pessoas boas, obedientes e dedicadas aqui na terra.

Para economizar sogra, meu avô casou com a cunhada, uma semana depois do enterro da falecida. Dessa união nenhum dos seis filhos que nasceram vingou. Mas a cunhada era uma irmã Dulce em pessoa e não media esforços para dar tudo do bom e do melhor para Tereza, sua sobrinha/filha adotiva: educação, amor, boas virtudes, bons livros, valores morais…

Tereza tinha tudo o que queria, além do amor da família. Em 1944, quando concluiu o curso de Guarda-Livros (Contabilidade), foi admitida em uma empresa de representação que abrangia todo o Nordeste. Além de falar e escrever português corretamente, também entendia francês e inglês.

No entanto, e apesar de ser uma mulher economicamente independente e revolucionária para os idos 40-50, o Coronel a levava e buscava no serviço, próximo da casa dela uns 10 minutos a pé, caminhando devagar.

Em um dia que o céu estava brilhando mais do que de costume, o Coronel não pode buscar sua amada filha (de 27 anos) no serviço e ela teve que voltar sozinha pra casa.

E esse dia mudou toda a sua história. A Contadora viu-se frente a frente com um belíssimo rapaz de olhos azuis e de uma timidez camuflada debaixo do uniforme de cabo da Aeronáutica.

Foi amor à primeira vista e, num flash, trocaram endereços e bolaram um código onde só os dois tinham acesso.

O Coronel, depois que trazia a filha do trabalho, saía para negociar. Enquanto isso, sua esposa se deitava numa rede, de papo pro ar, e ficava assim a tarde inteira.

O cabo ficava nas proximidades da casa, esperando o toque de autorização para dar uns passos em direção à sua amada. E Mestre Lua entrava em ação com Asa Branca. Na hora da despedida, Mestre Lua atacava de novo com ABC do Sertão. E assim eles fizeram até que um dia decidiram ficar juntos para sempre. Fugiram sem deixar rastro.

O Coronel morreu de banzo e a mulher dele agüentou ficar sozinha mais uns anos.
Até hoje Mestre Lua (Luiz Gonzaga) – o Rei do Baião – tem entrada livre lá em casa.

* – corta-jaca – pessoa que faz companhia a casal de namorados, ficar de vela. Expressão usada no Nordeste do Brasil.