*Iracema Dantas
Antigamente quem decidia pelos nubentes eram os pais. Gostando ou não gostando o jeito era subir ao altar e confirmar “sim” ao que o pároco dizia. Os recém-casados abastados seguiam em lua-de-mel. Tal qual hoje.
Com a minha mãe não foi diferente. O pai dela, alcunhado por Coronel (e conhecido como parente por todo mundo) reservou alguns bons partidos para ela. A lista era extensa e incluía primos carnais, homens inteligentes, cultos, gente com sucesso financeiro e futuro garantido.
divórcio, amigação, morar junto, ficar, dar um tempo não eram permitidos, nem figuravam em nenhum dicionário de Língua Portuguesa. Todos acreditavam que o que Deus uniu o homem não separa.
Meu bisavô materno se casou com uma sobrinha dele. Dessa união nasceram 22 filhos. O casal viveu junto 75 anos, na mais perfeita felicidade.
A primeira núpcias do meu avô foi com uma menina de 10 anos, fruto de uma aposta ganha em um jogo de pôquer. No primeiro parto ela veio a óbito e levou junto o bebê.
Meu avô não demorou a encontrar outra que pudesse lhe dar um herdeiro pra quem ele deixaria sua fortuna. A pretendente foi fácil encontrar: uma prima bonita e prendada, que estava dando sopa nesse mundão de Deus. Viveram juntos pouco tempo. Na hora que nasceu sua primeira filha – minha mãe -, ela partiu para o céu, lugar onde ficam as pessoas boas, obedientes e dedicadas aqui na terra.
Para economizar sogra, meu avô casou com a cunhada, uma semana depois do enterro da falecida. Dessa união nenhum dos seis filhos que nasceram vingou. Mas a cunhada era uma irmã Dulce em pessoa e não media esforços para dar tudo do bom e do melhor para Tereza, sua sobrinha/filha adotiva: educação, amor, boas virtudes, bons livros, valores morais…
Tereza tinha tudo o que queria, além do amor da família. Em 1944, quando concluiu o curso de Guarda-Livros (Contabilidade), foi admitida em uma empresa de representação que abrangia todo o Nordeste. Além de falar e escrever português corretamente, também entendia francês e inglês.
No entanto, e apesar de ser uma mulher economicamente independente e revolucionária para os idos 40-50, o Coronel a levava e buscava no serviço, próximo da casa dela uns 10 minutos a pé, caminhando devagar.
Em um dia que o céu estava brilhando mais do que de costume, o Coronel não pode buscar sua amada filha (de 27 anos) no serviço e ela teve que voltar sozinha pra casa.
E esse dia mudou toda a sua história. A Contadora viu-se frente a frente com um belíssimo rapaz de olhos azuis e de uma timidez camuflada debaixo do uniforme de cabo da Aeronáutica.
Foi amor à primeira vista e, num flash, trocaram endereços e bolaram um código onde só os dois tinham acesso.
O Coronel, depois que trazia a filha do trabalho, saía para negociar. Enquanto isso, sua esposa se deitava numa rede, de papo pro ar, e ficava assim a tarde inteira.
O cabo ficava nas proximidades da casa, esperando o toque de autorização para dar uns passos em direção à sua amada. E Mestre Lua entrava em ação com Asa Branca. Na hora da despedida, Mestre Lua atacava de novo com ABC do Sertão. E assim eles fizeram até que um dia decidiram ficar juntos para sempre. Fugiram sem deixar rastro.
O Coronel morreu de banzo e a mulher dele agüentou ficar sozinha mais uns anos.
Até hoje Mestre Lua (Luiz Gonzaga) – o Rei do Baião – tem entrada livre lá em casa.
* – corta-jaca – pessoa que faz companhia a casal de namorados, ficar de vela. Expressão usada no Nordeste do Brasil.