*Franklin Jorge
Sempre ouvi, da boca de minha Avó, o nome de Shakespeare, ou às vezes, apenas, ‘’O Bardo’’, a mais alta instância poética que parece avultar-se à passagem dos séculos. Espirito romântico, tinha grande apreço por Romeu e Julieta; mas também para Júlio César, Macbeth, As alegres comadres de Windsor e O mercador de Veneza.
Nossos gostos diferiam, mas acabavam se confundindo. Como apontar, de fato, o que não gostara em Hamlet. De repente, ao buscar o que me desagradava nessa peça, mais cresciam os argumentos favoráveis, como a fala dos coveiros; a treta dos atores; a defesa dos atores feita pelo Príncipe; a morte de Ofélia; a morte do áulico curioso que ouvia atrás das cortinas; enfim, as virtudes do gênio se sobrepunham a qualquer argumento.
Criador de notáveis mulheres ou personagens femininas, Pórcia e a matrona, mãe de Coriolano, Volúmnia, seriam aquelas personagens que mais profundamente me tocaram o coração e fizeram-me a alma estremecer de encantamento, por mulheres tão diversas e admiráveis. Uma, madura; a outra, expressão mesma da mocidade e do entusiasmo. Uma, movida pelo orgulho e pelo nome; a outra, pela compaixão e pela lealdade. Criaturas que não sei qual das duas apreciei mais, se a matrona romana voluntariosa e cheia de si, ou a jovem veneziana inteligente e empreendedora, ambas bafejadas pelo gênio shakespeareano, criações supremas que há mais de 500 anos nos surpreendem com a autenticidade de seus motivos. Como não gostar de Lady Macbeth, homicida e insone? Como não aplaudir o avinagrado solilóquio do Porteiro? Como refutar o argumento de Pórcia? Como não se entusiasmar com o discurso do rei em Azincourt, conclamando os ingleses a lutar por sua terra? Somente o Bardo inglês para conter em um homem toda a humanidade.
Ainda tremo só de lembrar o discurso freudiano de Volúmnia:
[…] Se meu filho fosse meu marido, eu acharia mais fácil alegrar-me com sua ausência que lhe trouxesse honra do que nos abraços de seu leito, onde mais amor ele demonstraria. Quando ele ainda tinha o corpo delicado e era o único filho do meu ventre […] levando em consideração como a honra seria desejada […], tive prazer em deixa-lo buscar perigo onde era que encontrasse fama. Mandei-o para uma guerra cruel, de onde voltou com a fronte coroada de louros. […] não saltei mais de alegria de que tinha um filho macho do que na primeira vez que ouviu que se provara um homem. […] tinha eu uma dúzia de filhos, e amando a todos igualmente, nenhum menos querido que o seu e o meu Márcio, queria antes que morressem onze nobremente pela pátria do que um na volúpia do conforto fugisse à ação (SHAKESPEARE, 1995, pág. 73).
