*Valterlucio Bessa Campelo
Carlos Ayres Brito, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, hoje em dia superadvogado de supercausas junto aos supertribunais, disse em entrevista recente que, do ponto de vista jurídico, o presidente Jair Bolsonaro cometeu crimes de responsabilidade que justificariam um processo de impeachment contra ele.
“O povo diz ‘saúde é o que interessa, o resto não tem pressa’, a Constituição, que saúde é dever do Estado e direito de todos. Salta aos olhos: ele promove aglomerações, não tem usado máscara, não faz distanciamento social. Respostas como ‘e daí? ou, ‘não sou coveiro’ não sinalizam um caminhar na contramão da Constituição?”, questionou o ex-ministro do STF.
“Se o presidente não adota políticas de promoção da saúde, segmentos expressivos da sociedade —a imprensa à frente— passam a adverti-lo de que saúde é direito constitucional. Prioridades na Constituição não estão sendo observadas: demarcação de terra indígena, meio ambiente”, lembrou Ayres Brito.
Ainda de acordo com o ex-ministro do STF, o impeachment é a “mais severa sanção” e “tem explicação”. “Somente se aplica àquele presidente que adota como estilo um ódio governamental de ser, uma incompatibilidade com a Constituição. É um mandato de costas para a Constituição, se torna uma ameaça a ela. E aí o país se vê numa encruzilhada. A nação diz, “olha, ou a Constituição ou o presidente. E a opção só pode ser pela Constituição’, disse. Em outro momento, o ex-ministro afirmou que Bolsonaro merece um processo de impeachment pelo “conjunto da obra”.
O que vemos acima, sabe muito bem o ex-ministro, figurinha fácil diante de holofotes e microfones da imprensa, pode ser facilmente classificado no item falácia da ampliação indevida, proposto pelo filósofo alemão Artur Schopenhauer em sua dialética erística, publicada postumamente e popularizada como “38 estratagemas para ganhar uma discussão sem ter razão”. A julgar por sua entrevista, Ayres Brito é um falacioso descarado, que conta com o favor da mídia militante para reverberar seus falsos argumentos como verdadeiros.
Neste caso, Ayres Brito usa o estratagema da ampliação indevida. Trata-se, em síntese, do seguinte: Quanto mais genérica for a acusação, maior será a possibilidade de ataques a ela, portanto, a tese mais genérica é, também, a mais indefesa porque admite um número bem maior de ataques.
Quando, Ayres Brito diz que o “conjunto da obra” faz razão de pedir o impeachment ele, voluntariamente, abre um leque quase infinito de ataques ao presidente. Ou seja, qualquer declaração ou ação do Presidente em dois anos de mandato, pode ser apresentada como “prego” na construção da bomba que derrubaria seu mandato, embora, em si mesma nenhuma delas seja de fato relevante. Obviamente, Ayres Brito não faz essa argumentação medonha como jurista respeitável, ele fala como se ainda fosse filiado ao PT, onde militou por 18 anos. Seus antigos companheiros agradecem.
Por outro lado, fica o alvo – Bolsonaro, obrigado a se defender de todos os “pregos” argumentativos lançados diariamente, sem trégua, pela imprensa e políticos adversários. Aí está a falácia da ampliação. Ou Brito acha que a frase “não sou coveiro” derruba um presidente democraticamente eleito? Quem sabe, o não uso de máscara vira crime de responsabilidade? Soaria ridículo, se não fosse trágico. Na falta de motivos, ele apela para o meio ambiente, política indígena etc., somando tudo como um saco de batatas a que dá o nome de conjunto da obra.
Bem sabe Ayres Brito que, a não ser por novo salto triplo hermenêutico no STF, os argumentos elencados por ele mesmo são ridículos e “conjunto da obra” não enseja impeachment. Do contrário, a extensa trama político-administrativa que envolveu o mensalão teria derrubado Lula e a Dilma nem teria sido reeleita. Aliás, fica ele devendo o artigo que estaria tipificado o “conjunto da obra”.
Ciente disso, em outra frente, mais pragmática, mas no mesmo sentido, labuta agora o Deputado Rodrigo Maia, também conhecido pela alcunha “botafogo” nas planilhas da ODEBRECHT. Sugere o filho de César Maia (outro enrolado com a Justiça), que “não há como o governo escapar de uma Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI em razão da questão da falta de oxigênio em Manaus”. Maia, o novo/antigo aliado da extrema-esquerda quer criar o “fato determinado” que caracterize uma CPI, para que daí surja um eventual crime de responsabilidade capaz de motivar um pedido de impeachment. Se tudo sair como planejado, o Baleia Rossi estará a postos como presidente da Câmara dos Deputados para o serviço seboso.
Voltemos a Schopenhauer. Da falácia da ampliação indevida decorrem outras formas de ganhar o debate sem ter razão. Uma delas é a mudança de sentido de frases ou palavras. Tomemos a declaração do ex-ministro em forma de pergunta: “Respostas como ‘e daí?’ ou ‘não sou coveiro’ não sinalizam um caminhar na contramão da Constituição?” Ora, é obvio que as frases infelizes do Bolsonaro não são mais do que isso mesmo – infelizes. Vistas em seu contexto, cada uma das respostas dadas pelo Presidente foi, no máximo, indelicada. Que história é essa de “caminhar contra a constituição”? Neste caso, Brito altera o sentido da frase de Bolsonaro (Schopenhauer explica) e o ataca sem nenhuma lógica. Novamente, está sendo intelectualmente desonesto.
Em outro trecho, Ayres Brito insinua que o presidente “adota como estilo um ódio governamental de ser, uma incompatibilidade com a Constituição. É um mandato de costas para a Constituição, se torna uma ameaça a ela”. Notaram a palavra ódio colocada na frase sem cabimento? Ela apareceu aí do nada? Não. No melhor estilo descrito pelo filósofo alemão ela foi inserida como sinônimo de qualquer coisa que se queira, para que se possa atacar este “ódio” fantasioso. Que contorcionismo hermenêutico encontraria sentido neste “ódio governamental”? Entretanto, o sujeito – Bolsonaro, terá que se defender dessa sinonímia picareta criada apenas para atacá-lo.
Enfim, percebe-se ao olhar de modo um pouquinho mais apurado, que nos dias de hoje a “verdade” lida nos jornalões não existe. A grande mídia morreu. A imprensa mainstream renunciou ao seu melhor papel, o da informação, e dedica-se exclusivamente a militar por uma causa – o progressismo e a necessária eleição de governos de esquerda. Para isto, atrai, como vimos, uma autoridade do mundo jurídico, o que também já está em Schopenhauer (argumento da autoridade), que se presta ao serviço de construir em entrevista flagrantemente guiada, uma falácia ampliada indevidamente, visando sustentar a viabilidade jurídica de um impeachment contra o presidente que se elegeu e se sustenta contra todo o establishment.