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Milan Kundera, In Memorian

Alexsandro Alves, escritor e professor, homenageia um de seus escritores contemporâneos preferidos, o tcheco Milan Kundera, falecido a poucas horas. Autor do consagrado A Insustentável Leveza do Ser.

*Alexsandro Alves

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Conheci Kundera aos 18 anos através de seu livro A Insustentável Leveza do Ser, uma crítica, através da leveza e do descompromisso de existir, contra os tanques soviéticos que invadiram Praga quando jovens protestavam por mais liberdade.

Naquela época, a crítica ao comunismo, já às portas com a queda do muro de Berlin e Chernobyl, era fundamental.

E a crítica feita por Kundera advinha apenas da existência mais comum dos personagens. Eles não erguiam punhos em praças, eles apenas sorriam.

Após o sucesso de A Insustentável Leveza do Ser, a Nova Fronteira publicaria A Brincadeira, esse mais pesado, e mais cômico, do que seu antecessor.

Um detalhe: em seu país natal, A Brincadeira foi publicado antes e marcou um período de perseguições ao escritor por parte da URSS. Quando decide exilar-se em Paris.

A Insustentável Leveza do Ser só foi publicado em tcheco na século XXI, isso porque após a queda do muro e a libertação de seu país, seus compatriotas o viram como um covarde, que fugiu ao invés de ficar e lutar. Mas Kundera já havia sido preso inúmeras vezes pelo comunismo.

A Brincadeira é um desse livros que analisam as relações sociais a partir de uma ótica política, sem nunca esquecer a ternura.

Ludvik, seu personagem central, envia um cartão postal para uma amiga. O cartão contém, no entanto, uma frase perturbadora! O otimismo é o ópio do povo! – E aqui faço uma ligação com o povo cinza e sombrio dos livros de Svetlana Alexijevich. Esse livro é cínico, erótico, cheio de vida transbordando – embora cruel – e antissocialista.

Por que ditaduras odeiam o riso?

Ludvik e seu criador são condenados à prisão. Kundera tem seus livros proibidos em território soviético, apenas por uma brincadeira!

A forma dos romances de Kundera é diferente do que estamos habituados com esse gênero; talvez Thomas Mann não o consideraria um romancista, caso tivesse a oportunidade lê-lo. São livros de histórias fragmentárias, como em O Livro do Riso e do Esquecimento, que se unem por um fio muito tênue, em que se entrelaçam autobiografia, filosofia, política e ficção. Dentro dessa forma leve, que parece ser feita de reticências e descontinuidades, Kundera insere temas sérios. Porém sem nunca, no auge da seriedade, esquecer o riso.

Os temas preferidos de Kundera são: o choque entre vida privada e pública – é aqui que, sempre, o indivíduo se vê frente à máquina da revolução; a frivolidade dos sentimentos, como o amor sexual, que injetam em suas tramas aquele cinismo leve e libertário, mas que, por outro lado, não deixam de trazer culpa, que é o caso do quarteto amoroso Thomas, Teresa, Franz e Sabina, da Insustentável Leveza do Ser. Thomas é casado com Teresa, mas a trai constantemente com Sabina, que é amante ocasional de Franz. Sabina é uma pintora que não deseja se ligar emocionalmente a nenhum dos dois homens e acaba desenvolvendo uma amizade muito próxima com Teresa. Esta, descobrindo as constantes fugas do marido, decide traí-lo também, porém não consegue; outro tema importante é a especulação filosófica que permeia cada página de seus livros. Sobretudo Camus e Nietzsche são referenciados na sua obra. A própria forma da Insustentável Leveza do Ser é obtida pela ideia nietzschiana do eterno retorno.

Milan Kundera morreu em Paris, cidade de seu exílio. Nasceu em Brno, República Tcheca, em 1 de abril de 1929.

Brno, sua cidade Natal

 

O escritor