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Minha história de vida

Em alguns poucos parágrafos, Procurador Federal aposentado resume sua história de vida, que começou em Caicó, numa casa híbrida de residência e bodega encimada por uma estrela, que lhe deu o titulo de suas memórias publicadas o ano passado.

*Rui Medeiros Fernandes

Nasci na Rua Augusto Monteiro, nº 801, na zona central da cidade de Caicó, no dia 17 de setembro de 1950, numa casa híbrida de residência e bodega. A casa onde nasci era de arquitetura simples, como a maioria das edificações daquela época; todavia, tinha na parte mais alta da platibanda uma estrela esculpida em argamassa e em cor branca, contrastando com o colorido das paredes. Não sou supersticioso, mas arrisco uma indagação: teria esse simplório símbolo alguma influência sobre minha exitosa trajetória de vida?

Vim ao mundo, de parto normal, com a assistência de uma parteira, como as crianças nascidas no solo caicoense desde a colonização até o início de década de 1960 do século XX, uma vez que não existia médico obstetra na cidade.

Naquela época, o sexo da criança só era conhecido quando o “rebento” vinha à luz, porque ainda não existiam os exames de imagem, como a ultrassonografia, que antecipa para os pais o conhecimento do sexo da criança a partir da décima segunda semana de uma gestação de aproximadamente 9 nove meses ou 34 semanas.

Meu pai Simão Fernandes de Assis, era conhecido na cidade como Simão Leleco (corruptela de Simão de Leleco) e minha mãe Francisca Medeiros Fernandes era chamada Chiquita de Simão, porque existia na Região do Seridó um vínculo familiar que subordinava as pessoas como se fossem propriedade das famílias (o filho, do pai, e a mulher, do marido).

A casa onde nasci era alugada e quatro anos mais tarde meus pais edificaram um prédio na Rua Felipe Guerra, nº 200, próximo à Prefeitura e à Igreja do Rosário, símbolos da municipalidade caicoense, que lhes serviu de residência e estabelecimento comercial até suas aposentadorias. Nesse imóvel vivi na companhia de dois irmãos – Moacir e Sidney até a juventude, quando “criamos asas” e fomos construir nossos destinos em cidades distantes de nossa inesquecível Caicó.

Na bodega, enquanto papai vendia gêneros alimentícios (feijão, arroz, milho, macarrão, café, rapadura, pão e broas), além de uma cachacinha, mamãe vendia leite in natura, trazido por um produtor para ganhar uma comissão, que, de tão pequena, só garantia o “leite das crianças”.

Meu pai dizia que sua família Fernandes era um ramo da família Fernandes Pimenta da cidade de Caraúbas; mamãe comentava que seus ancestrais eram oriundos de uma mistura das mais tradicionais famílias seridoenses – Medeiros, Araújo e Dantas.

De meus pais herdei apenas bens imateriais, uma vez que após as aposentadorias deles, precisaram vender o imóvel da bodega para continuar custeando a educação dos filhos, não deixando bens a inventariar.

O legado recebido dos pais, ainda em vida, foi constituído de princípios como educação, respeito aos mais velhos, trabalho e dignidade; essa foi minha inestimável herança. Quando constituí família, procurei transferir para minhas duas queridas filhas Danielle e Isabelle esses mesmos valores e hoje, estou gratificado porque se formaram em Direito e são duas respeitadas Promotoras de Justiça.

Tive uma infância de menino pobre, mas feliz; a pobreza de minha família não me permitia possuir brinquedos; no máximo, uma bola de meia e um triângulo, este último, um pedaço de ferro fino, com o qual desenhava figuras geométricas na areia.

Em casa, existiam poucos móveis, necessários utensílios de cozinha e dormíamos de rede; cama, só a do casal. Não havia geladeira, liquidificador, telefone ou aparelho de televisão.

Registro, uma quase coincidência: quando estudei no Curso de Jornalismo, entre 1978 e 1981, tomei conhecimento que a primeira emissora de televisão do Brasil foi fundada em 18 de setembro de 1950, portanto, um dia depois de meu nascimento. Todavia, os primeiros aparelhos de tv somente apareceram nos lares caicoenses na década de 1970 do século XX.

A educação é um capítulo muito especial em minha vida. Iniciei meus estudos em 1956, portanto, com 6 anos de idade, recebendo instruções com uma vizinha, através de uma atividade que se chamava “desarnar” (corruptela da palavra desasnar, que significava deixar de ser asno (sinônimo de burro). Nessa atividade aprendia-se a ler, escrever e a realizar as primeiras operações aritméticas, mediante duas elementares ferramentas de aprendizado: a Carta do Abc e a Tabuada; através da primeira fui alfabetizado, mediante a segunda, conheci os números e aprendi as operações aritméticas de somar, subtrair, multiplicar e dividir; até hoje não compreendo porque relegaram ao esquecimento esses dois eficientes manuais de aprendizagem.

Depois de ser “desasnado’, fui matriculado no Curso Primário, cujo ciclo era ministrado em cinco anos; terminado esse ciclo, veio a primeira batalha educacional para um pré-adolescente (a gente não sabia que estava nessa fase da vida, sequer conhecia a expressão): o temido Exame de Admissão ao Ginásio – fui aprovado e comemorei; com certeza, a primeira vitória de minha vida.

O Curso Ginasial, era ministrado em quatro anos, com diversidade de matérias como português, matemática, ciências, história, geografia, inglês, francês, educação física e um professor para cada disciplina. A conclusão do curso demonstrava sua relevância; na sua conclusão, entrega dos diplomas com solenidade, mesa diretora repleta de autoridades e baile; meu pai tomou uma radiola emprestada para eu aprender a dançar a valsa com uma moça que morava vizinho à nossa casa. Conto esse episódio para transmitir às novas gerações a importância que a sociedade dava à educação.

O terceiro e último ciclo da educação formal era o Curso Científico com três anos de duração. Pela circunstância desse curso não funcionar ainda naquele ano de 1967 nas escolas públicas de Caicó, tive que me descolar para Natal; matriculei-me no Ateneu Norteriograndense e fui morar na Casa do Estudante, um albergue que acolhia estudantes pobres de vários municípios do Rio Grande do Norte, que foi para mim a primeira “Escola de Vida”.

Concluídos os três ciclos da educação formal enfrentei a guerra do Vestibular nos primeiros dias de 1970; fui aprovado para o Curso de Odontologia, tendo me formado em dezembro de 1973.

Frequentei e concluí entre os anos de 1970 a 1990 quatro cursos universitários, todos na Universidade Federal do Rio Grande do Norte; três com vestibular e um por reopção, nessa sequência: Odontologia, Licenciatura em Programas de Saúde e Saúde Pública, Jornalismo e Direito.

Nunca estudei em uma escola que não fosse pública e posso garantir que todo aprendizado adquirido nessas instituições públicas de ensino me proporcionou plenas condições de exercícios das respectivas profissões.

Exerci todas as profissões para as quais me habilitei, entretanto, atuei por mais tempo e com mais desenvoltura na Odontologia, por 36 anos, e no Direito, onde atuo há mais de 20 anos.

Aposentei-me com Procurador Federal em 2008 e como dentista em 2009. Todavia, exerço advocacia em escritório particular, como terapia ocupacional, com atendimento seletivo, patrocinando apenas causas pelas quais me apaixono.

Mas, paixão mesmo, inigualável, é a que devoto a meus netos Heitor, Vitor, Bernardo e Melissa. Não há pessoa nem motivo que concorra com a devoção a esses “filhos açucarados”.