*Luís da Câmara Cascudo
o conde Xavier de Maistre dedicou um volume inteiro a uma viagem ao redor do seu quarto de dormir (Voyage autor de ma chambre). Paris, 1794) E não será demasiada pretensão uma jornada dentro da cidade do Natal, 65 anos depois.
Nasci na rua das Virgens, batizou-me na Capela do Bom Jesus o Padre João Maria, maio de 1899, com cinco meses de vivente. Casa de duas janelas e uma porta, 10$ mensais, como podia pagar um tenente do Batalhão de segurança. Uma tarde Auta de Souza, amiga de minha mãe, adormeceu-me, cantando.
Passamos a viver num sítio onde principia a Rio Branco. Na esquina da atual com a Rio Branco (sem nome naquele tempo), era morada de Seu Lino, vendendo banhos, entre árvores. Vizinhos estávamos nós, num casarão baixo e alpendrado. Aí morreu minha irmã, severina, em 1903, com pouco mais de um ano.
Em 1904, morávamos na Praça Augusto Severo. Última casa antes da estação “Great Western”. Casa ilustre porque nela residiram Pedro Velho, Tavares de Lyra e Ferreira Chaves, todos três Governadores do Estado e Senadores da República. Brinquei na areia do morro que tapetava a futura praça, irreconhecível e mutilada nos dias presentes.
Em 1906, Rua do Comércio, sobrarão, número 44. Morávamos no primeiro andar e havia sótão. Ao fundo, o Potengi. Os navios suspendiam as ancoras com cabrestantes, a muque, marinheiros cantando para ritmar.
Recitei os “Meus oito anos”, de Casimiro de Abreu, numa festinha íntima, tendo a idade poética. Aí dois navios de guerras usaram de holofotes, espavorindo a Ribeira. Nosso vizinho, o Hotel Internacional, de Evaristo Sutão.
Meu pai comprou a residência de João Avelino Pereira de Vasconcelos, a maior casa particular da Ribeira, 12.000$. compreendia mais da metade do quarteirão. Aí se fundada o Partido Republicano, em janeiro de 1889.
Meu pai vendeu-a a Francisco Solon. No seu lugar está o Grande Hotel.
1919-1913 estive com minha mãe no alto sertão da Paraíba e Rio Grande do Norte, curando-me da tentativa de tuberculose. Voltamos em julho. Ficamos na Praça André de Albuquerque, 588, entre Chico Teófilo e Joaquim Feliciano Leite.
Neste 1914, meu pai comprou a terceira Vila Amélia, de Herculano Ramos, quarteirão entre as avenidas Rodrigues Alves e Campos Sales, Jundiaí e Apodi. Todo quarteirão era nosso, exceto o terreno onde se ergue a Escola de Serviço Social.
Daí saí em 1932, professor do Atheneu, já vetereno, bacharel, casado e com um filho. Ficamos na Junqueira Aires, 393. Fiz concurso catedrático. Nasceu uma filha. Meu pai morreu nesta casa.
Em janeiro de 1937 mudei-me para a Praça Sete de Setembro565, entre Nestor Lima e Duó, Laurentino Duodécimo Rosado Maia, uma das melhores criaturas que conheci neste mundo. Em frente morava Augusto Leopoldo.
Perdi minha cadeira, apesar de duas teses e aprovações distintas, graças ao “golpe” de Getúlio Vargas e voltei à cátedra pelo imperativo constitucional. Nesta casa faleceu meu sogro
Em 9 de janeiro vim para a Junqueira Aires 377, casa própria, onde minha mulher nascera, casara e nasceram meus dois filhos.
Tal é a viagem. Meu pai, em 1925 presenteara-me com um mocambo, o mais pobre e simples que resiste na aristocracia de Areia Preta. Fui, pois, neste tempo e quando veraneava, morador em Petrópolis.
Nunca residi no alecrim. Mas é a morada comum de todos nós, amigos.
A República, 17 de abril de 1959.
