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Minhas tardes cascudianas

Fundador de Navegos reproduz fragmento de livro inédito, Cascudo no Planeta Hemp,  no qual evoca suas memórias do autor de Prelúdio e fuga do real.

*Franklin Jorge

Luís da Câmara Cascudo gostava de ser chamado de Professor Câmara Cascudo. Adquirir, amealhar e transmitir conhecimentos terá sido sua primeira e maior aspiração.

Quando trabalhava na organização da Pinacoteca do Estado, descuidei-me de visita-lo. Ele desejava informar-se desse processo de criação que esbarrava às vezes na má vontade de gestores da Fundação José Augusto, os principais obstáculos ao trabalho sério e às realizações de interesse dos pagadores de impostos que eu, em minha boa-fé, pensava ser meu dever e obrigação como servidor dessa instituição que a rigor sempre viveu de aparências e oba-oba.

Deplorava que Natal não tivesse um museu de arte. Dizia-me que a Pinacoteca devia ser minha grande missão como homem de cultural. Antevia que devia lutar e opor-me aos obstáculos que nunca são poucos para os idealistas e visionários.

Gostava de saber detalhes da vida das redações. Dos novos valores que se alevantavam, como Fernando Gurgel, Vicente Vitoriano, Diniz Grilo, Erasmo, Carlos José, Nivaldete, que fora certa vez visita-lo, ao mudar-se para Natal.

Numa dessas conversas [se assim as podemos chamar…] lembrou-se que não havia gosto em Natal para a apreciação das artes plásticas, e louvava o heroísmo de Newton Navarro e Dorian Gray, aqui ficando e resistindo como artistas plásticos… Erasmo Xavier teve sucesso lá fora. Os Palatnik, nossos amigos… Gilvan Bezerril… De fato, Natal não consagra nem desconsagra ninguém, talvez quisesse dizer-me.

Procurava ouvi-lo mais do que falar ou escrever no bloquinho que estava sempre à disposição do visitante. Ouvia mal. Frequentemente Dona Dahlia falava-lhe ao ouvido, bem alto e sucintamente. Destacava sempre a palavra-chave. Waldemar Henrique… Ascendino Leite… João Lins Caldas… Maria Eugênia Maceira, que sabia ser minha amiga e mestra… Erasmo Xavier… Sua História do Ceará-Mirim, apresentada e saudada em sarau na residência de um grão-senhor do Ceará Mirim, à Avenida Deodoro. Outros livros perdidos, como corre a alguns escritores, que me lembre João Lins Caldas, o Professor Câmara Cascudo, Cosme Lemos e a alegoria da Paz em clássicos versos épicos, poema dedicado a Maria Eugênia Maceira Montenegro… Desapareceram como os ossos do poeta.

Queria que o visitasse mais para trazer-lhe as novidades. O teatro do mundo exterior do qual se tornara, pela doença, espectador. Escrevia algumas vezes em seu cartão de visitas, cobrando-me a presença em sua sala de estar, onde sentava na cadeira que pertencera a seu pai, o Coronel Cascudo. Na parede, o retrato de Daliana, creio que com com doze anos. Poucas vezes estivemos em sua biblioteca. Ele preferia a velha cadeira de balanço que pertencera a seu pai, Francisco Cascudo, disposta em um ângulo da sala de jantar., à sombra da cristaleira das condecorações, como eu a chamava.

Alguns temas, por assim dizer, pareciam nos espreitar, como o suicídio de escritores e o suicídio como um fim honroso, libertador e simbólico, na Grécia e em Roma. Evocava com emoção o suicídio de Raul Pompéia, inesperado, chocante, após a consagração de O Atheneu e de suas reportagens jornalísticas. Aparentemente um jovem bem sucedido, autor de contundente e original relato da vida em um internato burguês. Uma obra que deu o que falar entre leitores de jornais de todo o país.

Muitos jovens que se espelhavam em Raul sentiram-se fraudados por sua morte voluntária. Sentia-se a sua morte mais pelo que deixara de escrever do que pelo que escrevera e publicara. Muitos sentiram que perdiam alguém que conheciam e admiravam. Por aquele jovem que escrevera O Atheneu e se rebelara contra o estabelecido. Havia, ainda, o suicídio relativamente recentes dos surrealistas.