*Alexsandro Alves
A tragédia, segundo Aristóteles, não precisa mostrar um assassinato para ser verossímil. As atuações e as falas, assim como o canto do coro, podem conduzir o espectador ao caminho proposto pela ação, sem necessariamente essa ação ser encenada.
Medeia, de Eurípedes, é um exemplo perfeito.
Por vingança contra Jasão, Medeia comete vários assassinatos, culminando nos assassinatos de seus filhos, cujo pai é Jasão. Ao longo da tragédia, as ações de Medeia tiram a vida de Glauce, a futura esposa de Jasão, e de Creonte, rei de Corinto, pai de Glauce.
Mas, ainda não satisfeita, Medeia medita nos assassinatos de seus filhos. Na cena, o coro canta a perturbação de seus sentimentos, há um momento em que ela volta atrás, mas o ódio contra Jasão é mais forte e, enquanto o coro canta a tragédia que se abaterá, Medeia deixa a cena. Sem interrupção do coro, gritos de crianças são ouvidos, fora da cena, nada é mostrado para o espectador.
Após sua vingança final, Medeia surge com os filhos ensanguentados nos braços e um punhal. Exatamente no momento em que Jasão entra. Seu ciclo de ódio se conclui.
Monique Medeiros, juntamente com um vereador carioca, Dr. Jairinho, assassinou seu filho, Henry Borel, de quatro anos. O menino foi espancado pelo vereador e, segundo os autos, a mãe segurou a criança para que o psicopata executasse sua vileza.
Monique, segundo apontaram as investigações, nutre extremo ódio pelo ex-marido, o pai do menino Borel.
Assassinato de crianças por suas mães não é um crime raro. Mas Monique Medeiros conseguiu por um detalhe a mais nesse caso – ela permitiu e participou do assassinato de Henry por vingança contra seu ex-marido.
Há alguns elementos da tragédia de Eurípides que também estão presentes nesse fato, embora em personagens diferentes.
Na tragédia, Jasão troca Medeia por Glauce porque esta é uma princesa, enquanto aquela é uma estrangeira, ou seja, uma bárbara. O elemento de uma possível ascensão social também está configurado no crime de Monique: o psicopata Jairinho é de uma família poderosa no Rio de Janeiro, a diferença é de gênero: na tragédia, Jasão é oportunista, nesse caso, é Monique.
Outro elemento também chama a atenção. Havia uma empregada na hora da ação brutal dos assassinos. Eles então, para não serem vistos, trancaram a porta do quarto de Henry. Dois sons se ouviam, além dos golpes: os gritos de Henry e a tv ligada, mas a empregada não viu a ação.
Medeia, assim como Monique, está em um mundo que não é, originariamente, o seu. Nessa caso, com Monique, a condição não é tanto geográfica, mas de status. A princesa Glauce tem seus domínios entre o povo de Corinto, enquanto o psicopata Jairinho comanda uma legião de milicianos cariocas.
Há uma reinterpretação do mito de Medeia que goza de grande popularidade desde que foi estreada: a ópera Norma, de Bellini. Todavia, o final trágico se perde para dar lugar a uma reavaliação moral da condição de Norma a partir de um ethos moderno.